O problema na filosofia de Rousseau
Não se poderia dizer que Rousseau tivesse o objetivo de estabelecer despotismos de qualquer espécie. Muitas preocupações típicas dos liberais estavam em suas cogitações e ponderações.
O problema com sua filosofia é que, enquanto a grande maioria dos liberais clássicos se ocupou de proteger as liberdades individuais, enfatizando a existência, sobretudo, de dispositivos contra majoritários que protegessem a vida, a liberdade e a propriedade, e que procurassem estabelecer pesos e contrapesos entre as instituições através das quais a comunidade política se corporifica, Rousseau, sem ser, ele mesmo, um amante de caos ou revoluções, enfatizou sobremaneira o coletivo, o todo, o povo em conjunto, como um poder nobre, sobrecarregado de investiduras.
Rousseau conferiu muito mais importância à ‘vontade geral’, que supunha poder ser extraída e corroborada em constantes reuniões das massas, do que aos indivíduos que essa vontade deveria se encarregar de, conformando um Estado, proteger. Conferiu a esse conjunto, ainda que não fosse seu desejo, o poder de, constantemente, demolir todas as instituições e tradições, ao sugerir a convulsão constante do sistema político através de assembleias recorrentes.
Ao mesmo tempo, inaugurou um discurso radical, nos séculos subsequentes, de responsabilização das instituições e de sua organização pelos males humanos, mais do que da própria natureza humana e suas imperfeições intrínsecas.”
*Publicado originalmente no livro “O Papel do Estado Segundo os Diversos Liberalismos, Almedina/Edições 70, p. 108-109.”