O lugar de Hobbes na história do pensamento liberal
Uma das obras clássicas do pensamento político, Leviatã – ou matéria, forma e poder de um Estado eclesiástico e civil, de Thomas Hobbes (1588-1679), segue ensejando reflexões díspares, por vezes conducentes a conclusões completamente distintas.
Há quem, curiosamente, situe sua obra como um marco importante para o posterior desenvolvimento do liberalismo como o entendemos hoje. Ao mesmo tempo, há quem a rechace como um monumento à tirania e ao Estado supremo.
Devassar suas páginas leva a pensar que a verdade está no meio. (…) ainda que “apenas” como instrumento teórico, o contratualismo estimularia, a partir de Locke e outros autores, sobretudo na própria Inglaterra, a concepção do liberalismo, do constitucionalismo, da limitação dos poderes, na medida em que deslocou diretamente para os interesses dos indivíduos, de cada cidadão, a organização da sociedade civil e do Estado em vez de apelar, já de início, à “comunidade”.
Se admite a diluição da maior parte das franquias individuais na tirania “necessária” do Estado, ao mesmo tempo, Hobbes constrói filosoficamente a ideia de que isso se daria no interesse de cada indivíduo, para proteger sua vida e materializar seus direitos naturais.
Pode ser esse um lugar positivo de Hobbes na história do pensamento liberal: o da introdução de um estímulo filosófico-metodológico, por assim dizer, que serviu para melhores desenvolvimentos posteriores, convivendo em seu elaborador com posturas autoritárias das quais o cidadão do século 21 deve, naturalmente, passar longe.
*Publicado originalmente no livro: Introdução ao Liberalismo, Almedina/ Edições 70, p. 125-129.