fbpx

Esse estranho conceito de pátria

Print Friendly, PDF & Email

JOÃO LUIZ MAUAD*

A notícia futebolística da semana foi a renúncia do jogador brasileiro Diego Costa à seleção brasileira.  Diego vive há anos na Espanha, país do qual já obteve cidadania.  Como a fase do artilheiro é muito boa, sua convocação foi cogitada tanto lá quanto aqui.  Diante do dilema, o jogador escolheu a Espanha e enviou correspondência à FIFA a respeito.

Revoltado com a decisão de Diego, o técnico Luiz Felipe Scolari, que já comandou a seleção portuguesa e até agora só havia convocado o jogador duas vezes, ficou revoltado:  “Um jogador brasileiro que se recusa a vestir a camisa da Seleção Brasileira e a disputar uma Copa do Mundo no seu país só pode estar automaticamente desconvocado. Ele está dando as costas para um sonho de milhões, o de representar a nossa seleção pentacampeã em uma Copa do Mundo no Brasil“, disse o técnico de forma patética.

Esse episódio fez-me lembrar de um texto que escrevi há alguns anos.  Seguem trechos:

Por princípio, sou rigorosamente avesso a qualquer tipo de manifestação coletivista, inclusive o patriotismo.  As associações e outras formas de cooperação humana são extremamente necessárias, até mesmo para a sobrevivência da espécie. Entretanto, a primazia da liberdade impõe que as adesões a qualquer grupo ou organização social devam ser incondicionalmente voluntárias, jamais compulsórias. Dentre outras coisas, devemos ser livres para escolher os nossos amigos, a empresa onde vamos trabalhar, que clube freqüentar, as instituições e pessoas com as quais colaborar.

Ninguém escolhe onde vai nascer. O torrão natal de um indivíduo é algo tão banal quanto fortuito para ser motivo de orgulho ou devoção. Concordo até que alguns povos possam celebrar os seus princípios, valores e tradições, mas discordo daqueles que enxergam vínculos telúricos ou raciais inelutáveis do indivíduo com um determinado lugar. Talvez por isso, não comungo desse sentimento de união patriótica que vejo impregnado na grande maioria das pessoas à minha volta, especialmente em tempos de copa do mundo.

Não consigo encarar outros homens como oponentes, nem tampouco, mesmo que eventualmente, considerá-los adversários somente porque nasceram alhures. Como qualquer liberal, enxergo as competições de maneira bastante positiva, tanto esportiva quanto intelectual, comercial ou empresarialmente. Porém, acho que elas devem restringir-se à esfera individual ou às associações e grupos de pessoas reunidas de forma voluntária, sem conotações de raça, nacionalidade, religião, etc.

Em tempos de copa, a vida no Brasil ganha ares de tragicomédia. Tudo se dá como se a vitória fosse capaz de remir todas as mazelas e infortúnios, enquanto a (sempre inesperada) derrota imediatamente dispara o indefectível processo de caça às bruxas. Afinal, o sucesso é de todos, mas o revés será suportado por poucos.

Chega a ser patético como tantos cobram de tão poucos (a seleção) a responsabilidade pela “felicidade” coletiva e como estes, por sua vez, aceitam o encargo como algo natural; como se houvesse uma obrigação implícita; como se o fato de vestir uma camisa amarela, e não os seus esforços individuais, fosse a razão do sucesso de cada um dos que lá estão.

Quem já assistiu às comemorações e repercussões após as vitórias de atletas nacionais (não só em copas do mundo) sabe do que estou falando. É sempre como se o país tivesse ganho a medalha de ouro e não o indivíduo que dedicou-se com afinco, quem sabe durante uma vida inteira, para colocá-la no peito – muitas vezes sem que ninguém se interessasse por ele antes do triunfo.  Será justo colocar os reais vencedores em segundo plano e transferir os méritos da vitória para a coletividade?

Não pretendo de forma alguma desmerecer os sentimentos patrióticos de quem quer que seja, mesmo porque costumo respeitar as escolhas de cada um (desde que, claro, elas não interfiram com a minha liberdade de pensar e agir diferente). No entanto, um pouco de racionalidade não faria mal a ninguém.

O mundo seria, no mínimo, menos belicoso se as pessoas entendessem que o fato de nascer em determinado país não as torna, a priori, melhores ou piores do que ninguém. Ainda que o meio social exerça inegável influência no destino dos indivíduos, o que os diferencia, como ensinou Hume, são os atributos pessoais de cada um: energia, inteligência, autodisciplina, responsabilidade, talento, habilidade, etc. Sempre que se quis pensar a humanidade com ênfase no coletivo, como se fôssemos formigas ou abelhas, os resultados foram catastróficos. Pode parecer utopia (dizem que todos têm a sua), mas espero que chegue o dia em que a globalização tornará obsoleto esse estranho conceito de pátria.

*ADMINISTRADOR DE EMPRESAS E DIRETOR DO INSTITUTO LIBERAL

Faça uma doação para o Instituto Liberal. Realize um PIX com o valor que desejar. Você poderá copiar a chave PIX ou escanear o QR Code abaixo:

Copie a chave PIX do IL:

28.014.876/0001-06

Escaneie o QR Code abaixo:

Instituto Liberal

Instituto Liberal

O Instituto Liberal é uma instituição sem fins lucrativos voltada para a pesquisa, produção e divulgação de idéias, teorias e conceitos que revelam as vantagens de uma sociedade organizada com base em uma ordem liberal.

Pular para o conteúdo