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Em defesa dos gananciosos intermediários

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“O estadista que tentasse direcionar os particulares na maneira de empregar seus capitais, não somente se sobrecarregaria com preocupações totalmente desnecessárias, como assumiria uma autoridade que não pode ser confiada com segurança não somente a nenhuma pessoa, mas a nenhum conselho ou assembleia, seja qual for; e em lugar algum tal autoridade seria tão perigosa como nas mãos de um indivíduo suficientemente insensato e presunçoso a ponto de considerar-se apto a exercê-la.”  (Adam Smith)

Sob o título “Cambistas vendem ingressos que operários do Maracanã receberam de graça”, o portal do jornal O Globo publicou a seguinte notícia:

“RIO — No universo econômico da Copa do Mundo, existe uma ponta nebulosa que nem a tecnologia nem a burocracia conseguem desbravar — o comércio paralelo de ingressos. No mesmo dia que a Fifa começou a vender a carga de entradas que havia sobrado das etapas on-line, os arredores do Maracanã foram palco de uma farra desse mercado alternativo. No fim de semana, os 7.204 operários que trabalharam pelo menos quatro meses na reforma do estádio puderam retirar os tíquetes a que têm direito nas bilheterias do palco da final do Mundial. Ali mesmo, diante de policiais militares e dos fiscais que orientavam a retirada, muitos deles venderam seus ingressos para torcedores e cambistas, sem qualquer constrangimento.

O assédio dos cambistas neste domingo foi forte — ingressos para o jogo Espanha x Chile, no dia 18, foram vendidos pelos operários por cerca de R$ 900, enquanto Argentina x Bósnia-Herzegovina, no dia 15, saía a R$ 700, e Equador x França, no dia 25, a R$ 600. Mas é a revenda para torcedores que revela a real dimensão desse mercado.

Depois de comprar de um operário uma entrada para o segundo jogo da seleção espanhola na Copa, no dia 18, um cambista revendeu o bilhete, logo em seguida, a um torcedor estrangeiro por R$ 6 mil. A valorização imediata ultrapassou os 560%.

— Se tivesse tirado o ingresso para o jogo da Espanha, eu nem vendia. Mas como fiquei com o da França, vou vender. Até gostaria de ver um jogo de Copa do Mundo, mas quero comprar uma bicicleta para o meu filho no aniversário dele— explicou um operário paraibano, que não quis se identificar. Ele chegou a oferecer seu ingresso, depois de negociar, por R$ 250.”

Expressões como “ponta nebulosa”, “comércio paralelo”, “assédio”, “farra”, entre outras, demonstram claramente o tom de censura com que a reportagem foi elaborada. Nas entrelinhas, pode-se ler que os indefesos operários estariam sendo explorados pelos malvados e gananciosos cambistas na porta do estádio, sob o olhar complacente da polícia.

Mas o simples depoimento daquele operário é suficiente para se constatar que o comércio que ali se praticava era absolutamente voluntário, livre e, por que não?, bom para todas as partes envolvidas.  Os operários receberam ingressos como prêmio pelo seu trabalho na reforma do estádio.  A partir do momento em que retiraram-nos, aqueles tickets se tornaram propriedade privada, podendo ser usados da maneira que melhor conviesse aos seus novos proprietários.

Alguns provavelmente vão optar por assistir ao jogo, mas acredito que a grande maioria deverá revender os ingressos, pois têm outras prioridades, como comprar uma bicicleta para dar ao filho de aniversário, levar a patroa num restaurante chique, adquirir um novo celular, gastar tudo em churrasco e cerveja ou quitar alguma dívida.  Pretender que todos os beneficiados pelo “prêmio” utilizem-no para assistir ao jogo é tão absurdo como irrealista.  Até porque, sempre existirá a cômoda alternativa de assisti-lo pela TV, “de graça”.

E é aqui que entram os “cambistas” ou intermediários, dispostos a adquirir aquela mercadoria para posterior revenda a terceiros interessados.  O lucro auferido dependerá das utilidades subjetivas de vendedores e compradores.    É a lei da oferta e da demanda em ação. Quando a demanda é baixa, vendedores tendem a cortar os preços, como comprovado recentemente pela diretoria do Fluminense, ao vender ingressos para os jogos do tricolor no campeonato brasileiro a R$ 10,00. Inversamente, quando demanda está em alta, os preços sobem. Os cambistas normalmente executam um serviço para aqueles ansiosos para ver o jogo, mas sem muito tempo para filas.  Neste caso particular, também servem àqueles que têm urgência em transformar um ativo em dinheiro. Em resumo, trata-se de um intermediário a prestar um serviço valioso, apesar de considerado muitas vezes ilegal, embora não necessariamente imoral.

Alguns tenderão a achar que os operários estão sendo explorados na sua ignorância, por não saberem exatamente o quão valiosa é a mercadoria que têm em mãos (os economistas dão a isso o nome de “informação assimétrica”).  Isso pode ser verdade em parte, afinal inexiste transação econômica em que todas as partes estejam perfeitamente informadas.  Mas é ilusório achar que os operários desconhecem completamente o valor daqueles ingressos.

O problema central aqui é a circunstância de cada um.  Urgência é algo que tem um valor e, quanto maior é, menor tenderá a ser o preço cobrado pelo vendedor, assim como maior será o preço pago pelo comprador.  Os cambistas sabem disso e procuram atender às urgências de ambas as partes, tornando a transação lucrativa para todo mundo.

Ademais, os operários não dispõem das facilidades e o know-how dos cambistas.  Se quisessem vender seus ingressos a preços mais atrativos, precisariam, no mínimo, ter bons contatos com agências de turismo, concierges de hoteis, etc., além de paciência e recursos para “segurar” a mercadoria até o momento ideal de vendê-la, o que é muito pouco provável.

Tudo somado, se, no lugar de focar apenas no lucro do intermediário, olhássemos para a coisa como um todo, veríamos quão valioso é o serviço que ele presta.

Finalizo com a lição do grande Bastiat, retirada de seu ensaio “Os Intermediários”:

A sociedade constitui-se do conjunto de serviços que os homens se prestam obrigatória ou voluntariamente uns aos outros, isto é, serviços públicos e serviços privados.

Os primeiros, impostos e regidos pela lei — que nem sempre é facilmente modificável, mesmo que tal seja necessário —, podem existir por muito tempo e conservar ainda o nome de serviços públicos, mesmo quando não são mais serviço nenhum ou quando não passam de vexame público. Os segundos são do domínio da vontade, da responsabilidade individual. Cada um presta o serviço e recebe o que quer, o que pode, após combinação prévia. Tem sempre para si a presunção de utilidade real, exatamente mensurada pelo valor comparativo que possuem. É por isso que os primeiros são quase sempre atingidos pelo imobilismo, enquanto os outros seguem a lei do progresso.”

 

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João Luiz Mauad

João Luiz Mauad

João Luiz Mauad é administrador de empresas formado pela FGV-RJ, profissional liberal (consultor de empresas) e diretor do Instituto Liberal. Escreve para vários periódicos como os jornais O Globo, Zero Hora e Gazeta do Povo.

Um comentário em “Em defesa dos gananciosos intermediários

  • Avatar
    03/06/2014 em 12:47 pm
    Permalink

    Essa copa é tão irreal em relação a situação dos brasileiros que a maioria prefere outra coisa que um ingresso de jogo.

Fechado para comentários.

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