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David Ricardo e a vantagem comparativa

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No fim de semana passado eu conversei com uma moça num churrasco. Sabe aquela coisa de amigo do amigo do amigo que vai chegando? Bem, acho que nós dois éramos tal sujeito. O contexto da conversa era a estadia da tal de Marina durante um breve período em que ela esteve no norte de Minas Gerais uma das regiões mais pobres do estado, para trabalhar numa obra. Não me lembro exatamente de todos os detalhes, mas ela queria contratar uma faxineira e não o fez porque queria economizar. “Mas acho que no norte de MG uma diarista deve ser bem barata”, disse. Marina contestou: “Sim, conseguia pagar se quisesse menos de 100 reais, mas não tenho coragem de pagar só isso. Então, preferi eu mesma fazer a limpeza da casa aos sábados”.

Em outras palavras, ela poderia ter escolhido pagar mais do que a taxa vigente – uma quantia que ela consideraria “não-exploratória”. Porém, por tal valor não valia a pena contratar um terceiro. Logo, ao invés de “explorar” a faxineira, Marina resolveu ela mesma limpar sua própria casa. Argumentei que a faxineira não via isso como exploração, mas sim como uma oportunidade (raras nessa região do meu estado). A engenheira pensou um pouco e acabou respondendo: “Bem, talvez você tenha razão, mas agora é tarde.”

Talvez, se Marina tivesse lido David Ricardo, ela teria uma visão diferente e uma diarista teria conseguido um emprego. Aproximadamente 200 anos atrás, David Ricardo descobriu a vantagem comparativa. Ele mostrou que o comércio beneficia ambos os lados, mesmo quando um é menos produtivo que o outro em todas as atividades, pois há ganhos de comércio e especialização mesmo nesse caso. Porém, infelizmente, Ricardo é bastante desconhecido e/ou subestimado por quase todos, exceto por economistas profissionais.

Sim, Ricardo estava certo. Ironicamente, os pobres podem ter mais a ganhar do que os ricos. A Marina se salvou da indignidade de pagar a alguém uma merreca em troca de uma casa limpa sem nenhum esforço físico, mas a diarista provavelmente sofreu mais por ter ficado sem trabalho. Com a renda extra, ela poderia ter comprado roupas novas, dado uma bola de presente para seu filho ou feito um churrasco no fim de semana. O interessante é que essa mesma lógica é válida a nível global.

Vejo essa discussão com frequência nos EUA. Durante a apresentação do Globo de Ouro em 2020, Ricky Gervais disparou contra a Apple: “Ela entrou no ramo de streaming com uma série dramática sobre a importância da dignidade e de se fazer a coisa certa…. isto (a lição de moral) feito por uma empresa que se aproveita do trabalho escravo na China”. Porém, vamos supor que, do dia para a noite, os EUA fechassem seu comércio com os países africanos, asiáticos e latino-americanos para evitar “explorar” as nações mais pobres do mundo. O que aconteceria? Primeiro que, os americanos enfrentariam preços mais altos e teriam um padrão de vida mais baixo (já comeram uma banana produzida na Geórgia? Não? Sorte de vocês!!!!). Também haveria menos inovação sem o estímulo da concorrência estrangeira. Porém, haja vista o tamanho e diversidade da economia americana, o impacto poderia ser um pouco mitigado.

Mas e os países pobres? E se a Nike, Reebok, Under Armour, Abercrombie & Fitch, Ralph Lauren e outras gigantes do setor têxtil americano parassem de fabricar no sudeste asiático seus produtos voltados para o mercado consumidor da América do Norte? Tenho certeza de que o leitor já percebeu o tamanho do desastre que tais economias viriam a sofrer.

Esquerdistas que protestam contra o livre comércio, querem que acreditemos que a Nike e outras multinacionais exploram seus trabalhadores pagando salários baixos e criando um ambiente de trabalho desagradável. A alegação deles seria que tais empresas pagam salários miseráveis ​​e exploram seus trabalhadores porque podem. Mas os trabalhadores desses países seguramente estão contentes em ver uma fábrica da Nike na sua vizinhança. As pessoas fazem fila na China, Indonésia e Malásia quando as multinacionais americanas abrem uma filial por lá. Isso ocorre porque, embora os salários sejam baixos para os padrões americanos, os empregos criados por essas empresas costumam ser alguns dos melhores empregos nessas economias.

Eu sei que a vida de uma diarista sertaneja, ou de um operário da Ralph Lauren no Sri Lanka, não é fácil. Sei também que às vezes pode ser um pouco desconfortável interagir comercialmente com essas pessoas que têm vidas tão difíceis. Porém, temos que ter em mente que é na baixa qualidade (em alguns casos até falta) de educação e habilidades profissionais, e não de comércio, que está a raiz de tais dificuldades. O comércio ajuda as nações pobres e seus trabalhadores a acumular um pouco de riqueza que, por sua vez, permite que eles tenham a chance de manter seus filhos na escola. Negar-lhes a oportunidade de negociar é condená-los à miséria.

* Artigo publicado originalmente por Conrado Abreu na página Liberalismo Brazuca no Facebook.

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