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Cronismo tupiniquim ainda é mais forte que o populismo

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O governo, qualquer que seja o mandatário daqui para frente, tem uma tarefa hercúlea a realizar: reduzir os gastos públicos em cima de um orçamento engessado, onde quase 80% da despesa referem-se a transferências obrigatórias (salários e pensões do funcionalismo, aposentadorias, bolsa família, LOAS, etc.), sendo mínima a margem de que o executivo dispõe para reduzi-las, pelo menos em curto prazo.

Parece que já se forma um consenso entre economistas sérios sobre a necessidade de uma reforma no sistema de previdência que eleve a idade mínima para 65 anos e desvincule os benefícios do salário mínimo.  Por outro lado, será necessário frear os reajustes salariais do funcionalismo, ainda que à custa de uma batalha contra os sindicatos, sempre dispostos a defender suas sinecuras de forma radical, custe o que custar – Margareth Thatcher provou que isso é possível.  Fechar os gargalos e os furos que fazem a festa dos fraudadores do seguro desemprego também é uma tarefa urgente, pois a curva desse benefício nos últimos anos é absolutamente incompatível com a curva do desemprego no país.

Essas são soluções de longo prazo, que dependem de reformas estruturais, quase todas dependentes de emendas constitucionais.  Porém, temos emergências de curto prazo a resolver, como o elevado déficit orçamentário previsto para os próximos anos.  Na área dos benefícios sociais, por exemplo, é urgente aumentar a fiscalização, a fim de tentar reduzir o número de beneficiados fora do escopo originalmente previsto, por mais que essa medida possa ser impopular.  Nesse sentido, o governo já vem ensaiando algumas medidas desde maio, como informa a revista Veja desta semana:

“O Bolsa Família, carro-chefe da administração petista, sofreu neste ano o mais profundo corte desde que foi criado, há onze anos. Apenas no primeiro semestre de 2015, 782.313 famílias deixaram de receber o benefício.

Para diminuir os custos do programa sem admitir sua redução, o governo passou a promover um pente-fino silencioso entre os cadastrados. Desde maio, vem cruzando seus dados com informações do INSS e do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), por exemplo. O objetivo é identificar quem possui bens incompatíveis com o teto de renda permitido aos participantes do programa (até 154 reais por membro da família, o que torna difícil a compra de um carro, por exemplo) ou está acumulando benefícios indevidamente. Os que já recebem a aposentadoria rural de um salário mínimo não podem ganhar Bolsa Família. Também estão impedidos de integrar o programa pescadores que recebem o seguro-defeso – pago durante o período de procriação dos peixes.”

Criticar é preciso, principalmente quando estamos diante de um governo incompetente e perdulário.  Mas é correto também enaltecer as boas iniciativas. Os liberais sabem que, na esfera pública, sempre haverá brechas a fechar e, portanto, é alvissareira a notícia de que tais medidas, ainda que muito impopulares, tenham sido iniciadas.  Palmas para Levy e sua turma.

Dito isso, somos obrigados a admitir que o Brasil é mesmo um país estranho.  A crise é tão grave que o governo populista do PT já admitiu até mexer no antes intocável programa Bolsa Família.  Infelizmente, entretanto, ainda não li nada sobre começar a fechar a principal torneira, por onde escoam recursos muito acima dos destinados ao B. F. ou qualquer outro programa assistencialista – e, pior: na imensa maioria das vezes em benefício de gente que não precisa de ajuda, muito pelo contrário.  Estou falando, evidentemente, dos recursos subsidiados destinados pelo BNDES aos amigos ideológicos do PT e financiadores dos partidos da base aliada, além, é claro, dos governos bolivarianos da América latina e da África.

Como escrevi recentemente, aqui mesmo neste espaço, o passivo do BNDES com o Tesouro, em 30 de junho último, estava em mais de 521 bilhões de reais, o que representa pouco mais de 57% dos recursos captados pelo banco para suas operações, contra 26% de recursos provenientes do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), que, constitucionalmente, seria a principal fonte de financiamento do banco.

Pelo “empréstimo” desses R$ 521 bilhões, segundo relatório do próprio BNDES, o juro cobrado pelo Tesouro é de 6% ao ano (TLJP), enquanto o mesmo Tesouro paga, em média, 13% ao ano ao mercado na captação desses recursos.  O próprio BNDES tem, em carteira, algo em torno de R$ 61 bilhões em títulos públicos, o que cria uma situação, no mínimo, bizarra, em que BNDES e Tesouro são, ao mesmo tempo, credor e devedor um do outro, só que o primeiro paga 6% de juros ao segundo, enquanto cobra deste 13%.  Assim fica fácil para o BNDES jactar-se de que é uma instituição altamente lucrativa.  Seria cômico, se não fosse trágico…

Se as minhas contas estão corretas, o custo de carregamento desses “empréstimos” de pai para filho é de, aproximadamente, R$36 bilhões/ano ($520 bi x 7% (13 – 6) a.a).  Parece pouco? Pois saibam que isso é mais que o orçamento anual do Bolsa Família para 2015, estimado em R$ 27,5 bilhões. 

Tendo em vista esse descalabro, minha proposta é simples: que o BNDES, a partir de 2016, comece a amortizar sua dívida com os pagadores de impostos, ou seja, nenhum recurso do Tesouro poderá, a partir do próximo ano, ser utilizado em operações de crédito daquele banco, até que o passivo de R$ 521 bilhões esteja completamente quitado.

Além de ajudar a cobrir o enorme buraco orçamentário do governo pelos próximos 10 a 15 anos, evitando assim mais aumentos de impostos, tal decisão ainda teria o mérito de fazer o BNDES voltar, paulatinamente, ao seu tamanho original.

Do ponto de vista liberal, a existência do BNDES é indefensável. O que aquele banco tem feito nos últimos anos, majoritariamente, é subsidiar a produção de empresas muito grandes, que seriam capazes de capitalizar-se da maneira tradicional, através do setor bancário ou do mercado de capitais.

Portanto, toda vez que o BNDES financia um dos amigos do rei, estamos diante de duas possibilidades: Ou o governo está desnecessariamente subsidiando, com dinheiro do contribuinte, um investimento que teria acontecido de qualquer maneira, ou então está subsidiando maus negócios que, por serem financeiramente inviáveis, não teriam acontecido sem o dinheiro “barato” dos pagadores de impostos.

Nos casos em que o BNDES financiou a venda de produtos e serviços para governos estrangeiros, a coisa é ainda mais indecente, pois os beneficiários são escolhidos, e a subvenção distribuída, com base em aspectos meramente ideológicos, quando não escusos.

E, por favor, não me venham dizer que esses financiamentos criam empregos no país.  Tal argumento é falso porque desconsidera os custos de oportunidade e o uso alternativo dos recursos desembolsados pelo banco.  Tais recursos, caso o governo não os tomasse do setor privado, seja através de impostos ou emissão de títulos públicos, seriam  utilizados em outros projetos, muito provavelmente mais eficazes do ponto de vista econômico,  já que baseados em parâmetros de preço e lucro.

Em resumo, já passou da hora de o Tesouro pedir o dinheiro dos contribuintes de volta.  Não faz sentido, principalmente em razão dos problemas orçamentários atuais, continuarmos bancando a festa do cronismo tupiniquim.  Será que o governo terá coragem de fazer isso?

PS: Horas depois de publicado esse texto, o governo divulgou um novo pacote de maldades, com diversos aumentos de impostos e a pretensão de recriar a CPMF (isso só pode ser algum tipo de fetiche).  Segundo Levy, desta vez os recursos seriam utilizados exclusivamente para financiar os gastos previdenciários.  Para tentar dar um ar de credibilidade e esforço próprio, o governo anunciou também “cortes” difusos que somariam R$ 26 bilhões (será que acham que somos trouxas?).  Mais uma vez, porém, nem uma só palavra sobre a devolução dos recursos do Tesouro depositados no BNDES à custa dos pagadores de impostos.  Lamentável!

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João Luiz Mauad

João Luiz Mauad

João Luiz Mauad é administrador de empresas formado pela FGV-RJ, profissional liberal (consultor de empresas) e diretor do Instituto Liberal. Escreve para vários periódicos como os jornais O Globo, Zero Hora e Gazeta do Povo.

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