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A verdadeira origem da ilha da fantasia

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MARIO GUERREIRO *

Este negócio de origem é um pouco mais complicado do que se pensa. Achava eu que a origem de qualquer indivíduo humano era o útero de sua mãe.

Mas quando eu estava no segundo grau, o professor Moraes, de Matemática, sempre dizia: “Meu filho, fique você sabendo que eu estou dando aulas aqui desde o tempo em que você era somente um brilho nos olhos de seu pai”.

Esta era, de fato, a verdadeira, minha mais remota origem e a mais remota de todos nós…

O leitor poderá até pensar qu’estou brincando, mas dou minha palavra que nunca falei tão sério em toda minha vida… Os grandes acontecimentos da História do Brasil decorrem de causas mais fortuitas e banais.

Por exemplo: a origem da brilhantíssima idéia de construir uma cidade-escritório chamada Burocratópolis no meio do nada.

Affonso Heliodoro, Presidente do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal, conviveu bem de perto com JK e, aos novent’anos, concedeu uma reveladora entrevista à Agência Estado.

Segundo ele, JK decidiu começar sua campanha para Presidente no interior de Goiás, mais especificamente em Jataí, que em 1955 era uma cidade de 10.000 habitantes.

Na hora do comício desabou um aguaceiro daqueles de cachorros e gatos sumirem das ruas e hoje aparecerem logo camelôs vendendo guarda-chuvas made in Taiwan, mas o determinado JK não se avexou…

“Juscelino Kubitschek não se fez de rogado e trepou na carroceria de um caminhão estragado. Toniquinho se espremeu nas primeiras filas (…). Juscelino então encheu o peito e fez uma analogia de suas palavras com o Sermão da Montanha.” (obs. minha: Como se Cristo fosse!).

Aplausos. Jurou respeitar a Constituição. Tinha um enorme compromisso com a Constituição.

JK se inflamava, o povo também. Toniquinho estava encafifado. Lembrava-se de suas leituras da Constituição. Ao final do discurso, Juscelino decidiu ouvir o povo. Quem quisesse podia fazer perguntas.”

Como costuma ocorrer em momentos como este, fez-se um silêncio sepulcral parecido com aquele que costuma acontecer quando um professor encerra um tópico, faz uma breve pausa e pergunta aos seus alunos: “Alguma dúvida?”. Em casos como esses, é preciso um estímulo adicional, para acabar com a inibição geral.

“Vamos, não se acanhem”. Silêncio. Tentando evitar o vexame, José Feliciano Ferreira, então Secretário Estadual de Educação, tomou a palavra e falou das dificuldades enfrentadas pela pecuária.

Mas Juscelino queria ouvir o povo. Já Toniquinho, que afinal era povo, queria fazer uma pergunta. Faltava coragem. _ Pergunte, Toniquinho, provocava uma amiga, a Diva, de pé ao seu lado. _ Pergunte, eu estou aqui ao seu lado se precisar de ajuda”.

Era justamente este o estímulo que faltava para Toniquinho se desinibir e soltar a franga, êpa! perdão: soltar o verbo… “Toniquinho levantou a mão e disparou:

_ Se eleito for, o senhor irá transferir a capital para o Planalto Central, como prevê a Constituição?

“Silêncio. Juscelino tinha jurado cumprir a Constituição. Mas essa barra era pesada… Ele estava todo cheio de si em cima do caminhão e murchou de repente…

Olhou para seus assessores e disse que a pergunta era difícil, mas oportuna. E que, com as graças e a bênção de Deus, iria cumprir a Constituição e transferir a capital para o Planalto Central. O galpão veio abaixo.”

E foi assim, meus queridos netinhos, que, para não passar um vexame num comício na cidadezinha de Jataí – pra lá de onde Judas perdeu as botas – e dar a impressão que era um homem de palavra que o Dr. Juscelino Kubitschek viu-se compelido a abandonar a assim chamada na época Belacap e construir no meio do nada a assim denominada Feiacap, perdão: Novacap.

Eu eu estava com a estorinha de A Bela e A Fera na cabeça, não sei por que.

Mas eu sei que vocês têm uma perguntinha que não quer se calar, não é mesmo? Quem foi essa ilustre personagem, Toniquinho, o verdadeiro causador da coisa?!

_ Juscelino mesmo provocou aquela pergunta. Eu não tinha nada planejado, não saí de casa pensando em fazer aquilo, relativiza o Toniquinho.

_ Juscelino falou o tempo todo em cumprir a Constituição. Como eu tinha estudado a lei, quando fiz um curso para diretor de cartório, sabia que desde a primeira Constituição, de1891, acapital deveria ser transferida para o interior do País. Por isso eu perguntei.

Toniquinho saiu da oficina para entrar para a história.” (Jornal do Commercio, 23/1/2006).

… Somente porque ele e Juscelino não atentaram para o fato de que, se por acaso um governante deste Brasil varonil tomasse a insensata decisão de cumprir à risca tudo o que qualquer uma das várias Constituições manda, ter-se-ia, na melhor das hipóteses, um manicômio, e na pior: um manicômio falido.

Parece que o primeiro a ter a idéia de transferir a Capital para o interior do Brasil tinha sido José Bonifácio de Andrada e Silva. Homem de ego maior do que o gigante adormecido.

Para dar uma ideia do tamanho de seu ego, basta citar um de seus mais conhecidos ditos antológicos: “Do Brasil, São Paulo; de São Paulo, os Andradas, e dos Andradas, eu.” Narciso encontrou um competidor à sua altura!

Mas a verdadeira causa da transferência da Capital para Brasília foi mesmo o Toniquinho ter lido todas as Constituições que este país sofreu até o Annus Mirabilis de 1955 e não saber o que perguntar para JK.

E, por sua vez, JK ter feito o que raramente políticos costumam fazer após ter no papo os votos dos otários: cumprir uma promessa. Quando teria sido muito melhor para todos nós que ele a tivesse descumprido.

E assim nasceu a Ilha da Fantasia.

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* Doutor em Filosofia pela UFRJ. Professor Adjunto IV do Depto. de Filosofia da UFRJ. Membro Fundador da Sociedade Brasileira de Análise Filosófica. Membro Fundador da Sociedade de Economia Personalista. Membro do Instituto Liberal do Rio de Janeiro e da Sociedade de Estudos Filosóficos e Interdisciplinares da UniverCidade.

 

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Ref. imagens: WIKIPÉDIA

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