Nem interdependentes, nem harmônicos
MARCUS VINÍCIUS DE FREITAS*
Quando Montesquieu formatou a Teoria dos Três Poderes, um dos seus principais objetivos, mais tarde plenamente implantado pela Constituição dos Estados Unidos, foi estabelecer um sistema em que, por meio de freios e contrapesos, o Estado pudesse exercer suas funções, assegurando a cada Poder a responsabilidade de fiscalizar o outro, no sentido de que, ao assim fazer, haveria um ganho na interdependência, impedindo que qualquer um deles se tornasse imperial.
De todos os poderes, o que, de fato, é o melhor reflexo da sociedade e mais legítimo por representar a maior parte da população é o Legislativo. Ao somarmos todos os parlamentares, em princípio, temos uma maior representatividade, seja pelo voto individual do candidato ou do voto na legenda partidária. O Executivo, no geral, representa pouco mais de 50 por cento da população. O Judiciário não tem votos.
Nos últimos tempos, temos observado uma diminuição cada vez maior dessa suposta harmonia entre os Poderes. No quadro político brasileiro, o Poder Executivo tem, já há muito tempo, determinado a agenda política do País, sendo o principal legislador em quase todas as matérias. O Legislativo tem ficado à mercê, basicamente chancelando aquilo que o Executivo determina.
Por ter maior visibilidade e refletir mais intensamente a sociedade brasileira e os seus diversos problemas, o Legislativo é o poder mais fácil e passível de sofrer críticas. O eleitorado e a mídia demandam, muitas vezes, um nível de responsabilidade que o próprio eleitor não apresenta no momento de depositar seu voto na urna. Ademais, por ser maior em tamanho, certamente oferece à mídia abundância de material disponível para críticas. Esta é uma triste realidade; ainda assim é o mais legítimo. É preciso melhorar a qualidade de nosso Legislativo e que este assuma, de fato, o seu importante papel. Isto somente ocorrerá se o eleitor sentir maior responsabilidade no momento do voto.
O mecanismo do voto, no Brasil, precisa ser melhorado. Em primeiro lugar, o instrumento da obrigatoriedade desestimula o conceito de preocupação efetiva com o País por ser compulsório. Se facultativo, somente votarão aqueles que, de fato, se preocupam com a realidade e pretendem mudá-la. Perde-se, também, o famoso voto de cabresto que muitas das políticas sociais, como os Bolsas-XX, pretendem criar.
Além disso, é mais do que tardia a necessidade da adoção do voto distrital puro. A grande vantagem deste é levar a uma redução do número de partidos, além de dar, efetivamente, uma base de representatividade para o candidato. O voto distrital misto – como querem alguns – ou o proporcional retiram do político a responsabilidade de responder a uma base eleitoral. Ao olharmos o Congresso Nacional atual, observamos que poucos têm, de fato, bases eleitorais. Aqueles que têm, em geral estão associados a movimentos populares ou grupos religiosos, que prevalecem em detrimento à vontade popular.
O que mais preocupa, no entanto, é que a inação do Legislativo, que tem ensejado a um superdimensionamento do Poder Executivo, tem levado a um absurdo ainda maior que é o do ativismo do Poder Judiciário.
Temos observado um Supremo Tribunal Federal demasiadamente atuante, criando situações jurídicas e, basicamente, legislando. Ao observarmos, por exemplo, as recentes discussões sobre o aborto, ficha limpa, casamento gay e cotas raciais (ação afirmativa), notamos um Judiciário que tem legislado, sem a devida legitimidade do voto popular. Esse tipo de ativismo judicial é um perigo, uma vez que 11 juízes não representam a vontade popular. Nenhum deles recebeu um voto e seu poder é derivado, não originário. Ao legislar, o Judiciário não tem a responsabilidade da prestação de contas ao eleitor e por terem mandatos superiores ao ciclo eleitoral não respondem por seus atos efetivamente. Além disso, ao decidir baseados nos termos de uma discussão processual, o Judiciário não leva em consideração as múltiplas implicações de suas decisões. O Parlamento, por essa razão, é o órgão mais democrático para a discussão dos grandes temas da sociedade. E não uma sessão com 11 juízes.
Nos últimos tempos, temos observado também uma necessidade televisiva crescente dos membros do Poder Judiciário. Isto representa, sem dúvida, um perigo grande no nosso sistema de balanço de Poderes. Se tivéssemos juízes eleitos, como é o caso de alguns estados norte-americanos, isto até seria admissível, se também contássemos com mecanismos de “recall” (retirada do poder, por meio de solicitação popular) desses magistrados. Este não é o caso do Brasil.
A Constituição Brasileira diz que os Poderes são interdependentes e harmônicos entre si. A falta de harmonia tem refletido uma banalização do Poder Legislativo, uma supremacia do Executivo e um ativismo anormal do Judiciário. Estamos caminhando por um terreno complicadíssimo em que, dificilmente, aqueles que ganharam poder abrirão mão de suas novas prerrogativas. É hora de o Legislativo brasileiro acordar. E começar a preocupar-se com os verdadeiros problemas da sociedade. E legislar!
* Professor de Direito e Relações Internacionais, FAAP
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