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A Rússia, a modernização brasileira e a saída do patrimonialismo

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bandeiras_Br_RussiaÉ possível sair do Patrimonialismo, ou seja, da forma familística de gerir o Estado?

Se, como propõem estudiosos do tema, aprofundarmos no caso da Rússia, um dos mais antigos Estados Patrimonialistas do Planeta, algumas lições podem ser extraídas dessa experiência, levando em consideração que o mencionado país conseguiu sair inteiro da dissolução da antiga União Soviética, passou a liderar um novo processo de reorganização das antigas Repúblicas sob seu domínio e, nas últimas décadas, deu passos importantes em direção a uma economia de mercado, trazendo para o controle de tecnocratas a serviço do Estado empresas públicas que tinham caído em mãos da antiga nomenclatura, constituída em nova oligarquia alheia a uma visão modernizadora.

É claro que parece difícil a Rússia atual sair desse estágio de reestatização, dada a forma agressiva e centralizadora como se consolidou o processo sob a liderança despótica de Putin e do aparelho de inteligência da antiga polícia política. Anote-se, porém, com justiça, que esta liderança conseguiu vitórias importantes também no plano internacional, peitando os Estados Unidos no caso da Síria, e a Comunidade Europeia nos eventos que se sucederam, ao longo do último ano, na Ucrânia. […]

[…] algumas semelhanças evidentes entre a Rússia e o Brasil:

  • os dois são países continentais com tendência a se fecharem econômica e culturalmente;
  • vingaram, em ambos, formas originárias de poder na sociedade, ancoradas num patriarcalismo tradicional;
  • sedimentou-se uma forte tradição imperial no Czarismo russo e na nossa experiência monárquica;
  • consolidou-se, em ambos os contextos, uma frondosa burocracia presidida pelo Monarca ou pelo Czar com o auxílio de uma nobreza de funcionários públicos;
  • foi organizado, na Rússia e no Brasil, poderoso instrumento estatal de cooptação, representado pela Guarda Nacional no Império Brasileiro (sendo ela a maior organização burocrática patrimonialista do Hemisfério Ocidental no século XIX)[1] e pelo eficiente e temido estamento policial do imperialismo czarista e, posteriormente, do Partido Comunista;
  • concretizou-se, ademais, forte tradição modernizadora desenvolvida no contexto de um cientificismo estatizante de inspiração despótico-ilustrada: sabe-se, a respeito, que o médico cristão novo António Nunes Ribeiro Sanches foi o inspirador das reformas modernizadoras empreendidas, na segunda metade do século XVIII, no sistema de ensino luso-brasileiro pelo Marquês de Pombal e, no Império Russo, pela czarina Anna Ivanovna.

[…] outras semelhanças:

  • a presença, ao longo do século XX, de forte tradição jacobina identificada, na Rússia, com os bolcheviques e, no Brasil, com os comunistas e os positivistas, sendo que ambos os grupos radicais adotaram as teses de uma modernização entendida sob o viés do despotismo cientificista;
  • o desenvolvimento das Forças Armadas como estamento privilegiado e modernizador tanto na Rússia dos Czares e dos Comunistas, quanto no Brasil dos ciclos imperial e republicano;
  • a presença de tradição megalomaníaca de obras hidráulicas e de construções faraônicas sob a batuta do Estado empresário, tanto na Rússia quanto no Brasil, com a adoção da retórica positivista como pano de fundo culturológico;
  • a prática ininterrupta de velhos expedientes de corrupção que assomam, inclusive, na atualidade, ao redor das empresas estatais de petróleo e gás natural, na Rússia e no Brasil;
  • por fim, a retórica soteriológica da Santa Mãe Rússia e do Brasil Grande, que aparece tanto nos ciclos imperial quanto republicano, em ambos os países.

[…] Quais as condições para que, na atualidade, se abra uma perspectiva de efetivo desmonte do Estado Patrimonial brasileiro? Isso decorre, numa primeira instância, de vários fatores:

  • em primeiro lugar, da presença de um setor empresarial agressivo e independente que, com o aval de forças capitalistas internacionais, garanta a produção de riqueza à margem das tentativas de cooptação do Estado.
  • em segundo lugar, do empenho e da luta de uma oposição que realmente consiga canalizar a insatisfação presente na sociedade brasileira (que deu mostras de força nas manifestações multitudinárias de Junho de 2013).
  • em terceiro lugar, da continuidade da investigação iniciada pelo Ministério Público e a Polícia Federal ao ensejo do “Petrolão”, acompanhada da oportuna ação da Magistratura e do Tribunal de Contas da União, bem como da fiscalização eficiente das Agências Reguladoras, hoje infelizmente entregues aos partidos do governo e da base aliada.
  • em quarto lugar, da atuação eficaz e continuada de Think Tanks que identifiquem os caminhos para as mudanças a serem postas em prática pelos partidos oposicionistas, algo assim como o amplo trabalho efetivado na Inglaterra pela intelligentsia liberal-conservadora que conduziu às reformas levadas a cabo por Margaret Thatcher nos anos oitenta do século passado. Dessa tarefa criativa de índole cultural, infelizmente estão ausentes as nossas Universidades, em geral cooptadas pelo modelo de cientificismo descrito anteriormente e que, no terreno social, propende pela instauração de vaporoso socialismo (de forma semelhante, aliás, à que se concretizou na França sob a influência de Saint-Simon, Comte e Durkheim).[5]
  • em quinto lugar, da continuidade do esforço de informação e de denúncia da imprensa livre, em face da corrupção deslavada posta em prática pelo partido do governo, com a cínica utilização das empresas estatais, notadamente da Petrobrás.
  • em sexto lugar, last but not least, da consolidação de um núcleo ativo e avançado de análise estratégica que apresente, à sociedade e ao Estado, opções de transformação cultural, econômica e política, num mundo cada vez mais agressivo, com países intermediários lutando por atingir um nível de excelência no contexto internacional.

 

Artigo na íntegra no blog do autor

 

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Ricardo Vélez-Rodríguez

Ricardo Vélez-Rodríguez

Membro da Academia Brasileira de Filosofia e do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, professor de Filosofia, aposentado pela Universidade Federal de Juiz de Fora e ex-Ministro da Educação.

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