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Resenha crítica: “As Seis Lições”

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As Seis lições de Mises é, sem sombra de dúvidas, uma das mais claras e compreensíveis leituras que já fiz até o momento sobre política e economia. Não que eu tenha um repertório robusto a respeito, mas Mises foi preciso em suas explanações. Apesar de o livro ter sido publicado em 1979, parece-me uma análise perfeita do momento político que estamos vivendo. Para quem não tem muita afinidade com o assunto, acredito que essa leitura seja uma excelente oportunidade para começar a entender.

O livro As seis lições resume as conferências realizadas por Ludwig Von Mises (1881–1973) na Argentina em julho de 1959 no auditório da Universidade de Buenos Aires a convite do Dr. Alberto Benegas Lynch (1909–1999). O meu objetivo é disseminar com a maior riqueza de detalhes o que Mises ensinou a esses universitários argentinos. Acredito que, desde a sua publicação, essa obra tem contribuído muito para o desenvolvimento intelectual das pessoas.

O livro foi dividido em seis capítulos, um para cada palestra ministrada.  Mises falou sem restrições sobre capitalismo, socialismo, intervencionismo, inflação, investimento estrangeiro e políticas e ideias.

Lição 1 – O Capitalismo

Neste capítulo, Mises explica o surgimento do capitalismo. Para ele, esse sistema surgiu das indústrias que produziam bens e serviços para atender às massas e não de indústrias que buscavam beneficiar as classes privilegiadas.

O primeiro exemplo em que pensei foi a indústria musical. Veja, todos os dias são lançados hits nas plataformas digitais. Essas músicas são rapidamente viralizadas, os compositores/cantores/produtores ganham dinheiro por um determinado tempo e logo elas são substituídas por outros hits, e o ciclo continua para atender às massas. Diferentemente da música clássica, que é destinada a um público com maior nível intelectual, com maior poder aquisitivo e que não é distribuída em plataformas com o objetivo de alcançar visualizações ou reproduções, o ciclo de vida deste produto é longo e precificado de forma distinta. Neste caso, a indústria tem o objetivo de atender a uma classe privilegiada.

Gosto de como Mises explica a importância do consumidor, de que mesmo as empresas de grande porte dependem deles, podendo perder completamente o poder e influência se os desprezarem. Veja o que aconteceu com a Magazine Luiza. Durante a pandemia da COVID-19, as pessoas perderam poder de compra, a Selic e a inflação subiram, o que gerou instabilidade econômica. Vários produtos sofreram aumento dos preços e os clientes sumiram; junto com eles, a margem de lucro da empresa – sem falar que, no mesmo período, surgiram outros fortes players (Amazon, Mercado Livre, Shopee).

Em julho de 2022, Luiza Trajano, dona da Magazine Luiza, fez um vídeo para os clientes que dizia: “Vá à loja, por favor.”

“Esse “rei” precisa se conservar nas boas graças dos seus súditos, os consumidores: perderá seu “reino” assim que já não tiver condições de prestar aos clientes um serviço melhor e de mais baixo custo que o oferecido por seus concorrentes.” (p.35)

É evidente que, em momentos de crises, por causa do capitalismo, as pessoas se reinventam e buscam alternativas para sobreviver. Graças ao capitalismo, aqueles que não nascem ricos podem, por meio do trabalho, prosperar.

“No capitalismo, os padrões salariais não são estipulados por pessoas diferentes das que ganham os salários: são as mesmas pessoas que os manipulam.” (p.45 e 46)

Esse trecho ilustra o que aconteceu no mercado no que tange à remuneração e valorização da mão de obra (em alguns setores) durante a pandemia do COVID-19. Por exemplo, houve uma crescente demanda por profissionais da área de tecnologia, logística e construção civil.

No início do distanciamento social, as pessoas passaram a procurar por serviços relacionados a adaptação, reformas e melhorias de suas casas, gerando uma demanda para mestres de obras, pedreiros, encanadores, eletricistas e outros. As empresas aderiram ao comércio eletrônico e, com a migração da educação para o meio on-line, trabalho home office e vendas online, cresceu a demanda por profissionais da área de tecnologia da informação, sistemas e redes, programação, marketing digital, além de profissionais relacionados à logística, como entregadores, motoristas, operadores de empilhadeiras, auxiliares de carga e descarga e vários outros.

Consequentemente, houve uma valorização de toda a mão de obra ligada aos setores que cresceram no período da pandemia. Esses profissionais passaram a ser melhor remunerados (ganhar mais) devido à natureza de sua prestação de serviço e não por manipulação de terceiros.

“Quanto mais se eleva o capital investido por indivíduo, mais próspero se torna o país.” (p.52)

Lição 2 – O Socialismo

Diferentemente do capitalismo, no socialismo, um indivíduo que nasce pobre seguirá pobre por toda sua vida e passará essa condição para gerações futuras. Consequentemente, o mesmo acontece com os ricos e, por questões óbvias, não existe nenhum tipo de distribuição de renda.

O socialismo e a liberdade/direitos do indivíduo não andam juntos. Na verdade, seguem caminhos opostos. O governo é visto como uma figura paterna, que “protege” e decide os interesses dos cidadãos.

Acredito que um bom exemplo de socialismo seja a desapropriação por interesse social. O que seria isso? Vamos imaginar que você tenha uma propriedade em que cria gado ou faz uso da terra para cultivo de cereais (soja, milho, feijão, arroz, etc.). Certo dia, o governo julga que você não está cumprindo o “papel social” ou que não está fazendo o uso correto da terra e autoriza a entrada de outras pessoas para então cumprir esse dever social.

De acordo com o Art. 1º, a desapropriação por interesse social será decretada para promover a justa distribuição da propriedade ou condicionar o seu uso ao bem-estar social, na forma do art. 147 da Constituição Federal (LEI Nº 4.132, DE 10 DE SETEMBRO DE 1962).

No Art. 184 da Constituição Federal, diz-se: “compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei”.

Na prática, a desapropriação não ocorre conforme descrito na lei, mediante um julgamento a respeito do uso devido das terras. As propriedades privadas são invadidas – com uso da força – por grupos também conhecidos como movimentos sociais, como o MST – Movimento dos Trabalhadores Sem Terra. Essas invasões também recebem o nome de reforma agrária.

Lição 3 – O Intervencionismo

Mises dá um exemplo simples de intervenção do governo: a ação de regular preços sem analisar o custo de produção prejudica toda a cadeia, gerando escassez.

Quando a inflação está alta, a população recorre ao governo para intervir. Para atender a essa necessidade, o governo estipula o preço máximo no qual alguns produtos deverão ser vendidos. No livro, Mises dá o exemplo do leite.

Ao estipular o valor no qual o leite deve ser vendido para que a população consiga comprar, o governo não está levando em consideração o custo da produção. Agora, a população tem o poder de compra que antes não tinha. Porém, o produtor de leite percebe que o valor do leite não cobre os custos para produzi-lo e entregá-lo. O que vai acontecer se agora a demanda é maior que a oferta? Vai faltar leite nas prateleiras – escassez. O governo irá tomar medidas para que o produtor do leite volte a produzir. Nesse cenário, entramos em um círculo vicioso.

O exemplo do leite é excelente, no entanto, não é o único. Em 2015, no governo Dilma, com o objetivo de controlar a inflação, o preço do combustível foi praticamente congelado. A contenção gerou uma perda de R$ 100 bilhões devido à disparidade do combustível com os preços internacionais. Como o governo interferiu? A empresa Petrobrás comprou petróleo e derivados do exterior e os revendeu no Brasil a um preço menor do que o de compra (estipulado pelo governo), gerando um problema para as próprias contas.

Por deter quase a totalidade do refino e importação de petróleo e derivados, qualquer estratégia adotada pela Petrobrás define o preço de todo o mercado nacional; mas se quem compra e vende é a Petrobrás, por que é o governo que controla os preços? Por se tratar de uma estatal, o governo é o sócio majoritário, ou seja, ele não só pode como irá interferir nos preços, se julgar necessário.

Além disso, podemos acompanhar a retirada das operações da empresa iFood da Colômbia após o governo de extrema esquerda assumir o poder. A empresa diz que: “Trata-se de uma decisão estratégica que tem como pano de fundo o momento atual do mercado de capitais”. (Revista Oeste, 24/10/2022, por Crystian Costa)

Será que é esse mesmo o motivo ou as falas de líderes em regular as mídias e operações de aplicativos não influenciaram nessa tomada de decisão? Reflitamos a respeito.

Lição 4 – Inflação

Em um de seus exemplos, Mises explica que, quanto mais dinheiro for impresso na economia, menor será o seu poder de compra. Além disso, com o aumento do consumo de determinados itens (pois, agora, há mais dinheiro disponível que antes), esses itens começam a faltar no mercado (pois não aumentou a produção). Consequentemente, o preço irá aumentar.

Falemos de um passado não muito distante. Durante a pandemia (COVID-19), o governo federal distribuiu o Auxílio Emergencial para chefes de família (baixa renda e desempregados). Com esse dinheiro que antes não tinham, essas pessoas passaram a consumir mais carne, arroz, feijão, leite, óleo e outros produtos alimentícios. Entretanto, não houve aumento da produção desses itens, a demanda tornou-se maior que a oferta e logo começaram a faltar itens nos supermercados, o que fez os preços subirem. Isso é inflação.

Quando a guerra entre Rússia e Ucrânia foi deflagrada, uma das principais preocupações do Brasil, que está entre os principais produtores de alimentos do mundo, era a oferta de fertilizantes agrícolas que, em sua grande maioria, são importados da Rússia.

No momento em que a notícia se espalhou, os agricultores rapidamente compraram fertilizantes que estavam disponíveis no mercado brasileiro. Por um período, não se tinha certeza de quando e quanto conseguiriam comprar novamente. O valor das importações de fertilizantes, se comparado ao primeiro semestre de 2022, cresceu 178%. Além de ser o item mais importante na atividade, ele representa de 30% a 40% dos gastos operacionais dos agricultores.

O que quero dizer com tudo isso é que, se não tivéssemos conseguido importar fertilizantes a tempo de realizar a safra 2022/2023, sofreríamos uma escassez de alimentos no mundo e, consequentemente, o preço daqueles que estariam disponíveis parariam nas alturas.

Tivemos também a alta de preço dos automóveis. As indústrias que produziam componentes eletrônicos (chips) foram fechadas durante o período de pandemia. Nesse período, os carros foram produzidos, mas, por falta desses componentes, ficaram parados nos estoques. Isso gerou uma longa fila de espera e, com a falta de carros novos, os preços dos carros usados também subiram.

Uma reportagem do Poder360, de julho de 2022, mostra que, em 2022, houve uma queda de 15% nas vendas de veículos, comparados ao ano de 2021 no mesmo período. “Segundo a Fenabrave, o segmento tem tido evolução gradativa, mas ainda sofre com problemas de abastecimento de componentes e com a piora dos indicadores econômicos.”

A Toyota, por exemplo, não parou sua produção durante a pandemia causada pelo COVID-19. Pioneira na estratégia just-in-time, apresentou um plano de continuidade de estocagem de chips com seus fornecedores, pois o tempo de espera de semicondutores é longo frente a desastres naturais (como em 2011, com o tsunami que causou o colapso na usina nuclear em Fukushima).

Graças a esse plano, a Toyota surpreendeu e superou o mercado durante a crise, pois sua produção não foi afetada pela falta de chips. Enquanto isso suas concorrentes Volkswagen, General Motors, Ford, Honda e Stellantis precisaram desacelerar e/ou suspender a produção.

Neste caso, podemos dizer que os carros da Toyota não tiveram aumento nos preços? Muito pelo contrário; o que aconteceu foi o seguinte: havia menos veículos disponíveis para comercialização, a demanda era maior que a oferta (durante e pós pandemia), e houve um aumento nas taxas de juros. Todos esses fatores contribuíram para elevar os preços dos veículos (inflação).

Agora, a Toyota (TMCO34) informou ter interrompido alguns projetos atuais de carros elétricos de modo a reformular sua estratégia para competir com a Tesla[1] . Será que essa interrupção levará ao aumento dos preços dos veículos elétricos? Como irá reagir o mercado?

Lição 5 – Investimento Estrangeiro

Para que uma nação seja desenvolvida, industrial e tecnologicamente, é necessário capital, seja ele interno ou externo. Um país não desenvolvido normalmente não tem muitos recursos e a melhor alternativa é buscar investimento de outros países, desenvolvidos. Esses investimentos estrangeiros podem acontecer por meio de importações, exportações, empréstimos e/ou participação em empresas de capital aberto.

No Brasil, a principal atração de investimentos estrangeiros são as commodities. Vale lembrar que estamos entre os cinco maiores produtores agrícolas do mundo (China, Estados Unidos, Brasil, Índia e Rússia). Como a dependência global aumenta com o passar dos anos, o mercado de exportação é beneficiado.

No primeiro trimestre de 2022, o Brasil teve o 4º maior volume de investimentos estrangeiros, ficando em 4º lugar no ranking global em 2021[2].. Mesmo em meio à pandemia, o Brasil teve o melhor desempenho entre as 15 maiores economias do mundo, considerando a proporção entre o investimento estrangeiro que entra no país e o PIB.

Quanto maior for o investimento estrangeiro, maior será a geração de empregos. Consequentemente, haverá movimentação na economia, aumentará a arrecadação para estados e municípios, logo, maior será o desenvolvimento da população, que se tornará mais próspera.

Lição 6 – Política e Ideias

Existem grupos de pressão que são formados para favorecer uma minoria, enquanto o correto seria que as políticas públicas beneficiassem toda a sociedade. Por exemplo, nos municípios, quando elegemos prefeito e vereadores, acreditamos que o papel de cada um deles seja trabalhar para melhorar as condições de vida da população (segurança, direito do indivíduo e liberdade).

No entanto, quando ocupam seus cargos, rapidamente preenchem outros cargos públicos com familiares e amigos que não necessariamente possuem competências para realizar suas respectivas funções. Essas pessoas não estão a serviço da população, mas trabalhando para assegurar benefícios próprios.

Logo, essa cultura dominante precisa ser mudada. E isso só será possível com novas ideias. Pessoas que lutem por direito de trabalho, propriedade e liberdade.

Acredito que ideias e novas políticas públicas surgirão através de grupos compostos por pessoas que buscarem primeiro o seu desenvolvimento individual, que prosperarem em seus objetivos, e que, através do conhecimento das experiências adquiridas, desejam agora contribuir com a sociedade. Nenhuma sociedade irá se transformar, mudar e/ou evoluir se o indivíduo por si só não almejar tal mudança.

O IFL – Instituto de Formação de Líderes, por exemplo, tem um papel extremamente importante para a sociedade. Aos poucos, os valores da liberdade vão sendo disseminados, líderes formados e um despertar gradativo das pessoas vai acontecendo. Não é um trabalho fácil, muito menos rápido, pois, como eu disse no parágrafo anterior, primeiro precisa haver um interesse de transformação por parte do indivíduo. O método do IFL para formar líderes, em minha humilde opinião, é o mais efetivo que já encontrei.

Considerações

Após concluir a leitura de As seis lições de Ludwig Von Mises, pude observar inúmeras familiaridades com os dias atuais:

  • Lição 1 – Capitalismo: a forma como as pessoas se reinventaram durante a pandemia causada pela COVID-19, home office, aumento de micro e pequenas empresas, empregos informais (entregadores de aplicativos, e-commerce, professores particulares, entre outros).
  • Lição 2 – Socialismo: a expansão do socialismo na América Latina, a perseguição aos cristãos, o autoritarismo do Estado e a censura nos meios de comunicação no Brasil em período de eleição.
  • Lição 3 – Intervencionismo: qualquer manipulação do governo no mercado para beneficiar uma determinada classe (“minoria”) levará a sociedade diretamente para uma crise econômica.
  • Lição 4 – Inflação: nos dois últimos anos (2020 a 2022, COVID-19), acompanhamos o aumento no preço dos alimentos, por exemplo: arroz, feijão, óleo, carne, entre outros. Parte do problema foi causada pelo lockdown, parte pela escassez e o incentivo financeiro dado pelo governo para enfrentarmos o momento de crise, que ajudou milhões de famílias. No entanto, não podemos negar o impacto causado na economia (aumentou o consumo e reduziu a produção);
  • Lição 5 – Investimento Estrangeiro: importação de fertilizantes agrícolas e óleo diesel que chegaram no Brasil para garantir a produção de alimentos e assegurar ao transporte rodoviário um custo menor (relação com a Rússia).
  • Lição 6 – Políticas e Ideias: a transformação da sociedade é gradativa, lenta na verdade, mas existem instituições como o IFL que podem despertar nas pessoas o desejo de transformação.

Conclusão

Caro leitor, se chegou até aqui, preciso dizer que Mises tem uma nova visão de mundo para você. Em cada uma das lições, ele se expressa com a maior clareza possível, para que, até mesmo leigos como eu consigam compreender como funciona a economia e a política. A partir dessas percepções, tenho certeza de que não iremos mais olhar para a sociedade da mesma forma.

[1] Reportagem da Investnews, por Reuters em 24/10/2022.

[2] Reportagem da CNN Brasil, por João Pedro Malar e Pedro Zanatta de 15 de setembro de 2022.

*Érica Santos é administradora de empresas, especialista em gestão estratégica de negócios pela Fundação Getúlio Vargas, consultora credenciada ao Sebrae GO nas áreas de Pessoas e Planejamento Empresarial, atua como consultora na área de gente e gestão com ênfase em atração e seleção de pessoas para a cadeia do agronegócio, possui sólida experiência em mapeamento e gestão de processos no segmento do agronegócio. Entusiasta da difusão do ideário liberal, é membro do IFL BSB e coautora de cursos e treinamentos voltados ao desenvolvimento empresarial.

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