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Quando a ficção se transforma em realidade e vice-versa

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MARIO GUERREIRO *

O leitor poderá pensar que estou brincando, mas asseguro que nunca falei tão sério em toda minha vida de mais de trint’anos como escrivinhador.

No Brasil, país em que o surrealismo tornou-se um ingrediente da paisagem, a ficção ocupou o lugar da realidade e esta a da ficção.

Que o diga Salvador Dali em sua inenarrável viagem à Bahia.

Desde os primeiros momentos da sua estória, quando Cabral aportou numa praia em Porto Seguro (BA), o escrivão da sua frota, Pero Vaz Caminha, descrevia a nova terra como se tivesse nos umbrais do Jardim do Éden.

Mal tinha visto os arredores daquele local na Bahia, ele botou os olhos na nova terra, que não sabia se era uma ilha – Ilha de Santa Cruz, um acidente geográfico fictício – ou terra firme: Terra de Santa cruz, o primeiro nome real do Brazil, e foi logo descrevendo a mesma como “uma terra em que se plantando tudo dá”.

Advirto aos apedeutas xenófobos que no português do século XVI se grafava Brazil com z mesmo. Nós, que mudamos a nossa ortografia como quem muda de roupa, passamos a grafar Brasil com s.

Os ingleses, como são muito conservadores, conservaram a sua ortografia. E a nossa também! E os americanos fizeram o mesmo.

Mas passando dos entretanto aos finalmente, Caminha aproveitou o ensejo de pedir a D. Manuel, o Venturoso, rei de Portugal, um emprego na Corte para seu sobrinho. Ele não pregava prego sem escopo…

E aí estão as origens do cabidão de empregos públicos e do patrimonialismo, tal qual caracterizado por Max Weber e aplicado ao Brasil por Raymundo Faoro em seu excelente livro Os Donos do Poder. Leitura imperdível!

Mas o tempo passou e veio o episódio da Derrama, popularmente conhecida como “o quinto dos infernos”.

Mas se os brasileiros se revoltaram contra seus colonizadores por esses cobrarem uma tributação extorsiva, deviam se revoltar mais ainda com os atuais governantes pátrios, pois hoje pagamos dois quintos dos infernos!

Mas até Tiradentes, o Mártir da Independência, teve recentemente seu status de personagem da História seriamente questionado por um historiador pátrio e está correndo o sério risco em se transformar em personagem de ficção.

Para este mesmo historiador, Joaquim José da Silva Xavier – que nunca se casou com a princesa Leopoldina nem com Chica da Silva, como propõe o Samba do Crioulo Doido – nunca existiu, não passou de um mito patriótico.

Damos um grande salto na História e nos deslocamos para a Velha República…

Nos inícios do século XX, o grande escritor Lima Barreto entrou para uma universidade pública por seus méritos pessoais. Era mulato e pobre, mas não teve nenhum benefício do sistema de cotas, assim como Machado de Assis e outros.

Hoje, graças ao STF, temos uma reserva de mercado para incompetentes, mas só para os que têm muita melanina na pele.

No entanto, os inimigos da igualdade estão dizendo que foi instituído no Brasil um Apartheid às avessas. Que despautério!

Entre suas excelentes obras, Lima Barreto publicou Triste Fim de Policarpo Quaresma.

A personagem principal do mesmo nome era um patriota um pouquinho exacerbado. No auge de sua imaginação sem peias, ele propôs substituir o idioma pátrio, o português, pelo tupi ou nhengatú, língua dos “verdadeiros filhos da terra”.

Assim sendo, todas as escolas passariam a ensinar a língua dos bravos tupiniquins e tupinambás. Tupi or not tupi, that is the question, já dizia o grande Sheik Spir.

O tempo passou e veio a Novíssima República de 1988 e com ela a volta dos que a contra-gosto se foram e não ficaram para sempre no exílio.

Entre eles, Leonel de Moura Brizola, “o Pangaré dos Pampas”, segundo o jornalista David Nasser.

Nenhum parentesco com Gamal Abdel Nasser, califa da República Árabe Unida que, após ter sorvido muito haxixe, declarou guerra a Israel e perdeu a mesma, como até minha bola de cristal podia prever.

O Secretário de Educação de Brizola era Bayard Boiteux – o nome podia ser francês, mas ele era um brasileiro brasileiríssimo de sete costados, como constataremos.

Uma velha senhora espírita me garantiu que ele era a reencarnação de Policarpo Quaresma, hoje reencarnado no comunista Aldo Rebelo, “Aldinho” tal como o chama Lulinha-Paz-e-Amor.

Eu não acredito no espiritismo de Allan Kardec, mas reconheço que se ela não tinha razão, até que tinha bons motivos para crer na reencarnação de Policarpo Quaresmaem Bayard Boiteux.

Entre outras, porque ele propôs que fosse ensinado o tupi em todas as escolas públicas do Estado do Rio de Janeiro. Fosse ele Ministro da Educação e a proposta certamente seria estendida do Oiapoque ao Chuí.

Com certeza, ele devia considerar um acinte e um absurdo se ensinar português e inglês nas escolas de Pindorama – essas malditas línguas de vis colonialistas e exploradores capitalistas. Como disse Lenin: “O imperialismo é a segunda etapa do colonialismo”.

Tivesse sido adotada essa excelente medida e já teríamos jovens cariocas e fluminenses fluentes na língua das tabas de antigos nobres e bravos silvícolas autenticamente brasileiros. O que era difícil era encontrar alguém para um papinho em tupi…

Mas o tempo passou e o PT acabou chegando ao poder quase absoluto. E nestes bicudos tempos de Dilmá ou Dilmandona foi criada a CPI do Cachoeira, nosso Lucky Luciano caboclo.

Primeiramente, os notáveis membros da CPI jogaram uma isca para pegar peixe grande: convocaram o Procurador Geral da República para prestar esclarecimentos à CPI.

Este mesmo recusou o amável convite – como aquele feito pelo lobo à cegonha para um almoço em que a comida estava dentro de um comprido tubo em que ela não conseguiria enfiar seu bico, de acordo com a fabulosa fábula.

Tivesse ele aceito e estaria legalmente impedido, enquanto chefe do Ministério Público Federal, de mover um processo contra Cachoeira. Mas será que nossos ilustres congressistas não sabiam disso? M’engana qu’eu gosto!

Posteriormente, os ilustres membros da CPI se recusaram a apresentar as provas gravadas para o advogado de Cachoeira e este recorreu ao STF para que estas fossem apresentadas a ele, de modo a fazer a defesa de seu cliente.

Com isso, a convocação de Cachoeira para a CPI foi adiada, mas tendo o STF atendido ao pedido do advogado em nome do direito de ampla defesa – que não deve ser negado ao pior dos facínoras – Cachoeira está aguardando ser chamado às falas.

Mas, ao se recusarem a apresentar as provas gravadas contra Cachoeira, os ilustres membros da CPI desconheciam o direito de ampla defesa garantido pela Constituição ou essa manobra não passou de reles chicana de advogado de porta de xadrez?!

Como eu já disse, no Brasil a realidade se transforma em ficção e a ficção em realidade.

Na famosa obra de ficção de Franz Kafka: O Processo, um indivíduo acorda de manhã e dois policiais estão à sua porta.

Dizem que ele está detido e que eles vão levá-lo à delegacia de polícia. Como faria qualquer cidadão, inocente ou culpado, ele pergunta aos policiais de que está sendo acusado, mas obtém como resposta algo mais ou menos assim: “Venha conosco e na delegacia o senhor vai ficar sabendo”.

E a estória termina com o cidadão em cana sem saber de que crime ele era acusado. E, consequentemente, sem poder contratar um advogado para defendê-lo. Como ele poderia fazer tal coisa, uma vez que não sabia de que crime seu cliente era acusado?!

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* Doutor em Filosofia pela UFRJ. Professor Adjunto IV do Depto. de Filosofia da UFRJ. Membro Fundador da Sociedade Brasileira de Análise Filosófica. Membro Fundador da Sociedade de Economia Personalista. Membro do Instituto Liberal do Rio de Janeiro e da Sociedade de Estudos Filosóficos e Interdisciplinares da UniverCidade.

 

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