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Pedir “paz” no país é estar um pouco fora da realidade

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Ouvi em uma transmissão de rádio o presidente Michel Temer mais uma vez pedir que se elimine “uma certa raivosidade”, uma certa polarização no clima político nacional, para que o país siga em frente mais tranquilo. Acho que esses anseios por uma ampla “pacificação” do país estão um pouco fora da realidade.

Não gostaria de ser mal entendido; o país demanda reformas urgentes, e é necessária certa atmosfera política para que elas sejam aprovadas. Em certa medida, é natural que o governo se expresse dessa forma. Contudo, identifico dois problemas nesse raciocínio.

O primeiro é que não se pode simplesmente pedir que fechemos os olhos para a realidade. O Brasil não é hoje uma sociedade saudável, e a espera pelas reformas infelizmente não é a única razão para isso; outra, que infelizmente pesa muito, é a de que boa parte daqueles de quem se espera a efetivação delas integra decisivamente o problema. Não se pode clamar por uma santa paciência da parte de um povo que ainda convive com a degradação mais extrema de seus homens públicos, a carência colossal de referências e lideranças, os elevados índices de desemprego, os impostos ainda pornográficos e, sobretudo, a tragédia da segurança pública, ameaçando a cada instante a integridade física e o direito de ir e vir.

Negar aos brasileiros o direito de revolta é acreditar que estamos num país de primeiro mundo tomando cafezinho numa sala perfumada, quando estamos submersos em uma República debilitada e carcomida. Ainda assim, no geral, o estardalhaço e a imprudência que vemos nas ruas vêm dos militantes de esquerda e dos “movimentos sociais” ou centrais sindicais, uma parcela diminuta dos brasileiros.

O segundo motivo, porém – e é o que mais me interessa aqui – é que pedir “paz e amor” e querer apaziguar a esquerda truculenta com acenos de Madre Tereza de Calcutá é não compreender como a política geralmente funciona, e sobretudo não entender o atual momento político – nacional e mundial. Desde a aurora dos tempos, mas particularmente na modernidade, as disputas políticas, seja em democracias mais saudáveis, seja naquelas nações cuja democracia é mais deficiente e vulnerável, constituem um fenômeno intenso e aquecido. No caso do Brasil, mesmo durante o Império, houve intensos embates entre os políticos e estadistas – no Segundo Reinado, especificamente, entre luzias e saquaremas, escravocratas e abolicionistas. Na Era Vargas e na República de 1946, nesta última pela ácida atuação da UDN de Carlos Lacerda, as rivalidades eram acerbas e os duelos eram duros.

As quadras históricas em que, dentro do próprio âmbito das manifestações populares e/ou parlamentares, houve maior dose de frigidez no enfrentamento entre os setores políticos, não apenas não são tão “tranquilas” quanto podem parecer, como também envolvem maior dose de centralização de poder e/ou falta de vitalidade democrática.

A República Velha conviveu com rebuliços anarquistas e socialistas, revoltas tenentistas e estados de sítio, mas, com exceções como a impopularidade de Campos Sales por tomar medidas duras de austeridade e a campanha civilista de Rui Barbosa, foi um período de relativo consenso entre as oligarquias que dividiam as fatias do bolo do poder, justamente por conta da Política dos Governadores. Era uma fase oligárquica, em que o Brasil funcionava como um clube de fazendeiros e acadêmicos, sem transparência no voto e com amplos instrumentos de manipulação, como a influência regional dos “coronéis”.

Já no regime militar dos anos 60 e 70, marcado pela tecnocracia, sequer se pode dizer que o meio político foi totalmente pacificado – se nas ruas, depois de 68, escasseou a manifestação pública, o MDB foi crescentemente ousado em suas investidas a partir de seu crescimento nos anos Geisel.

O grande modelo, porém, de quem quer “paz e amor” como remédio para a democracia – sem assimilar que “paz e amor” podem ser a senha para o veneno que a corrói – deve ser o da era lulopetista, quando a grande oposição, o PSDB, era um adversário postiço, que tentava passar a imagem do bom mocismo, dos gestores responsáveis e comedidos – que não ousavam ter um pingo de virilidade perante os mais escabrosos escândalos de corrupção. Cúmplices em sua pusilanimidade e inoperância, os tucanos estabeleceram a definição brasileira de oposição: uma oposição que não se opõe, porque, no fundo, tem uma devoção masoquista pelo oponente a que se deveria opor. Porque no fundo quer disputar com ele um campeonato de esquerdismo, em que o mais esquerdista costuma vencer.

Querer essa “democracia de tranquilidade”, passividade e consenso em tempos de politicamente correto, globalismo, bolivarianismo, chavismo, Trump, Le Pen, Macron e tudo o mais, é não querer enxergar que estamos em 2017 e sonhar com os tempos do “Lulalá”. Se bem que, de um homem como o nosso atual presidente da República, que recua tantas vezes e já sinalizou disposição para conversa com Lula para obter sua tão desejada “paz”, não se poderia esperar coisa muito diferente…

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Lucas Berlanza

Lucas Berlanza

Jornalista formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), colunista e presidente do Instituto Liberal, membro refundador da Sociedade Tocqueville, sócio honorário do Instituto Libercracia, fundador e ex-editor do site Boletim da Liberdade e autor, co-autor e/ou organizador de 10 livros.

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