O Pix e os idiotas úteis
Para a decisão anunciada nesta quarta pelo governo de que revogaria o informe normativo da Receita Federal que apertava o cerco na fiscalização das transações via Pix, pesou muito a má repercussão nas redes sociais, ainda que apontem as fake news como as únicas culpadas. O jurista especializado em liberdade de expressão André Marsiglia resumiu bem a coisa numa postagem em suas redes sociais. Diz ele que a revogação, apesar de temporária, “mostra a força que as redes sociais têm e o medo que o governo tem delas”. E ele complementa: “Quem ignorar esse fato e continuar achando que a regulação de redes sociais tem a ver com serem tóxicas e discurso de ódio é muito alienado”. Pois é, é incrível como o desenrolar dos fatos demonstra de forma muito clara as intenções reais por trás do discurso de regulação das redes e criminalização da dita desinformação. Mais incrível do que isso é a cegueira de algumas pessoas que, por afinidade ideológica com o governo atual, agem como verdadeiros idiotas úteis na defesa da censura.
Sim, disseminaram-se fake news de que a referida normativa previa a taxação das transações via Pix. E? Ora, fake news são parte do pacote (infelizmente), em se tratando em medidas governamentais, em especial as impopulares. E como se combate isso? Por óbvio, com informação. Ocorre que esse governo, afeito a culpar sempre os outros por sua incompetência, se destaca por uma comunicação ridícula e depois culpa fantasmas como a “extrema direita”, as “redes sociais”, as “big techs”, e por aí vai, pelo fato de que não sabe se comunicar com o povo.
No entanto, o ponto principal das críticas nas redes não foi uma incompreensão gerada pela referida fake news, como sugere o governo, mas a) a consideração do fato de que tal medida não visava a outra coisa senão aumentar a arrecadação, focando a atenção principalmente no mercado de trabalho informal, b) o temor de que o pix pudesse vir a ser taxado no futuro. Percebam, que, diferente de dizer que a normativa previa a taxação do Pix (o que é mentira), temer que o governo pudesse considerar taxar essas transações no futuro já não pertence ao território dos fatos, mas da opinião e dos sentimentos (o medo, afinal, é um sentimento). Não importa se o temor faz sentido ou não. Se uma pessoa teme que, em um belo dia, os mortos possam sair de suas tumbas e, convertidos em zumbis, persegui-la pelas ruas para devorá-la, faria sentido que alguém a acusasse de fake news por externalizar um sentimento sincero, ainda que não faça sentido algum acreditar em zumbis? A diferença entre uma coisa e outra não é nada sútil, mas a interpretação de texto não parece ser o forte desse pessoal.
O fato é que tal temor só pode existir e prosperar diante da desconfiança, justificadíssima, em relação ao governo. Um recente editorial do Estadão foi na jugular: “É falsa a informação de que Haddad pretende taxar o Pix, mas o boato só prosperou porque faz sentido diante da sanha arrecadatória de um governo que não quer cortar gastos”. É de se surpreender que cidadãos, já praticamente corcundas devido ao peso do Estado em suas costas e vendo a gastança desenfreada que caracteriza as gestões petistas, temam que o governo encontre novas formas de taxá-lo? Esses mesmos cidadãos não se viram compelidos a abandonar, ou a reduzir consideravelmente, suas “comprinhas” (no diminutivo mesmo) internacionais devido à sanha arrecadatória e ao lobby protecionista? Não viram o governo afanar o dinheiro “esquecido” nas contas e jurar de pés juntinhos que não se tratava de confisco? Não receberam como troça a notícia de que o governo decidiu passar o chapéu até nas moedas jogadas por visitantes nos espelhos d’água dos palácios da presidência?
O discurso de que as fake news são um risco, como temos visto, isenta o governo de ter que se preocupar com as razões por trás da desconfiança popular ou dar uma boa olhada no espelho para enxergar seus próprios erros. Não tentaram colocar até a alta do dólar nas costas das notícias falsas? Pois Haddad, atendendo a pedido de Lula, já disse que irá acionar a justiça para investigar, não só a ocorrência de golpes, bem como a disseminação de notícias falsas em relação ao informe normativo. Eis o modus operandi deste governo sempre que está tomando uma boa surra nas redes sociais: acionar a justiça para investigar um crime que não existe em nosso ordenamento jurídico.
Por falar em surra nas redes sociais, parece que o governo e os governistas ficaram particularmente enfezados com um vídeo publicado pelo deputado Nikolas Ferreira (PL-MG). Conforme relato de interlocutores de Lula à CNN, o vídeo, que no momento já passa de 275 milhões de visualizações, pesou bastante na decisão do governo de revogar a normativa.
Escrevi na semana passada que Mark Zuckerberg estava certo em alterar a política de remoção de conteúdo da Meta por meio de agências de checagem de fatos e passar a utilizar as notas à comunidade adotadas pelo X. Vejamos como o caso em tela comprova o quão acertada essa decisão foi. Os usuários do X usaram a ferramenta das notas nesta quarta-feira para apontar imprecisão em matéria d’O Globo sobre o vídeo de Nikolas. Conforme registrado em prints, o título da chamada no perfil d’O Globo no X era o seguinte: “Vídeo em que Nikolas Ferreira acusa Lula de querer taxar Pix ultrapassa 100 milhões de visualizações”. Com a verificação por meio das notas, o post passou a ficar acompanhado de uma mensagem que desmente que Nikolas tenha dito que o Pix seria taxado e que se limitava a criticar o governo por episódios como a taxação das “blusinhas”. Curiosamente, no momento em que escrevo esse artigo, o título da matéria no site está um pouco diferente: “Vídeo em que Nikolas Ferreira sugere que Lula possa vir a taxar Pix ultrapassa 100 milhões de visualizações”. O “querer” virou “sugere” e acrescentou-se “possa vir”. Ao vivo e a cores, a demonstração, a um só tempo, de que não só não podemos depender de agências de checagem (que em grande parte das vezes são jornais, afinal), sempre sujeitas ao enviesamento ideológico, como de que as notas da comunidade são muito mais eficientes e democráticas como ferramenta de checagem.
Já o grupo chamado Prerrogativas, que congrega vários advogados de esquerda, afirmou que acionará Nikolas Ferreira pelo vídeo, tanto por meio do Ministério Público quanto no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados. Vamos lá. Como não sigo o deputado nas redes sociais, só fui assistir ao referido vídeo devido à repercussão e a grita do governo e seus acólitos. Antes de tudo, recordemos que fake news não é crime, e, como deputado, Nikolas goza de imunidade parlamentar. Ocorre que, ainda que fake news fosse crime, ele de forma nenhuma poderia ser acusado disso, afinal, ele diz com todas as letras que o Pix “não será taxado”. A partir daí, ele desenvolve uma crítica, em que vocaliza muito bem os temores de uma parcela significativa da população. Pode-se concordar ou não com o vídeo, mas o que ali ele expressa é crítica e opinião. O fato de que advogados, que, é de se supor, em algum momento estudaram direito, queiram perseguir um deputado de oposição por, bem, fazer oposição é sintomático do tempo em que vivemos. Apenas idiotas úteis podem ver isso como normal ou ir para as redes sociais defender as trapalhadas do (des)governo Lula 3, atacando cidadãos que querem ganhar a vida honestamente e caindo no conto do vigário de que o governo está preocupado com discursos de ódio, ou coisa que o valha, e não em controlar seus críticos nas redes sociais.
Fonte:
https://www.estadao.com.br/opiniao/se-non-e-vero-e-ben-trovato/
https://revistaoeste.com/politica/o-globo-tenta-deturpar-video-de-nikolas-diz-twitter-x/