Novas reflexões sobre o caso do Sr. Wilker Leão

Print Friendly, PDF & Email

Há alguns meses, nessa passagem de 2024 para 2025, as redes sociais andam agitadas com a ação do Sr. Wilker Leão, advogado, militar e aluno de uma universidade federal no Brasil (no caso, a Universidade Federal de Brasília ou UnB). O Sr. Leão matriculou-se regularmente para o curso de História (supõe-se que para o bacharelado), aparentemente com a intenção de denunciar o que já se conhece há décadas: o caráter deficiente, militante e permissivo da rede de ensino superior pública brasileira. Ele o fez com a provável intenção eleitoreira de se lançar candidato ao que quer que seja, em nome da direita, em eleições próximas.

Desse cenário, aparentemente comum (amigos deste que vos escreve contam com que frequência alunos seus de viés stalinista ou trotskista fazem o curso para iniciar uma “carreira política”), emergiram várias trapalhadas, técnicas e ideológicas, que farão do caso do Sr. Wilker Leão um desses que irão permanecer na mídia por muito tempo.

Não entrarei no mérito técnico-jurídico das atitudes do Sr. Leão por absoluto desconhecimento: a legalidade ou ilegalidade de se poder gravar conteúdo de aula dos professores tornou-se um desses temas de conversa de boteco em segundo lugar, apenas, em relação ao futebol. Argumentam uns que qualquer gravação de aula é proibida; argumentam outros que só configura crime ou contravenção se utilizada para “monetização” (nome juvenil para ganhar dinheiro com atividades online). Aparentemente, o Sr. Leão, como todo produtor de conteúdo online de alta visibilidade, ganhou (e talvez ainda ganhe) dinheiro com o que tem exposto acerca da militância, estupidez, desperdício e falta de bom-senso generalizados na universidade pública. Cabem algumas considerações aqui.

Se as ações do Sr. Leão estão dentro do que a lei diz sobre direitos autorais e privacidade, não me cabe julgar; aliás, nestes tempos em que as coisas parecem só existir de fato se estiverem ou não online (e serão tanto mais ou tanto menos verdadeiras conforme o número de visualizações, isto é, conforme o público do espetáculo) as ações do Sr. Leão nem deveriam causar espanto sob esse ponto de vista. Somos todos filmados e gravados vezes sem conta ao longo do dia, principiando pelas gravações em circuito fechado em nossos próprios lares (câmeras de segurança e afins), nos bancos, shoppings e com ou sem consentimento noutros locais públicos e privados. Discutir a legalidade das ações do Sr. Leão sob esse ponto de vista é mais uma cortina de fumaça dessas que a esquerdalha gosta de lançar para encobrir o que realmente acontece atrás das trincheiras do serviço público (que é, ao fim e ao cabo, o que uma universidade federal é: uma unidade do serviço público regida pela mesma famigerada Lei 8112 de 11 de dezembro de 1990).

Portanto, resta a outra discussão, a que realmente interessa. Num momento da história do país em que fica cada vez mais clara a preferência do eleitorado pelos candidatos conservadores (exceção feita às áreas mais miseráveis, onde o coronel de ontem é o militante de esquerda de hoje – o único em quem o camponês ou habitante urbano pobre podem encontram algum amparo concreto, como dizia Victor Nunes Leal, por sinal comunista), o que o Sr. Leão tem a mostrar é mais do mesmo (como se viu no programa de uma rede de streaming sobre a distopia do ensino superior público), porém, agrega, pelo volume e pela natureza bizantina da discussão que gera, mais e mais agravos sobre a universidade pública. O que afinal o Sr. Leão registra, legal ou ilegalmente, mas, sem dúvida alguma, acertado do ponto de vista factual?

O Sr. Leão matriculou-se, aparentemente, numa série de disciplinas que, por sua própria natureza, são de conteúdo polêmico (exceção aparente feita pelo próprio Sr. Leão a um curso qualquer ministrado por um professor conservador e monarquista, coisa que compreensivelmente o surpreendeu): disciplinas foucaultianas da Antropologia, um curso de História do Brasil ministrado por um adepto da agenda woke manifesta de profissão de ódio de gênero e de classe e, surpresa das surpresas, um curso de História da África que acabou se tornando a cause célèbre do Sr. Leão. Vejamos em cada um desses três casos como ele, interesse eleitoreiro ou não (no que, por sinal, não se diferenciaria da esquerda mais baixa – pensemos em FHC, Cristóvam Buarque e o ubíquo Haddad, que já ocupou pastas da Agricultura ao Petróleo, passando por OVNIs e defesa florestal), acrescenta mais elementos à já emporcalhada agenda política da universidade pública brasileira.

No primeiro caso, ao gravar sempre a si mesmo, o Sr. Leão expõe como um curso de Antropologia mantém desaforadamente uma agenda foucaultiana de destruição da civilização como a conhecemos (a famigerada “civilização burguesa”), com a professora defendendo a falta de higiene pessoal como item a ser tomado a sério pelos alunos: afinal, escovar os dentes é uma convenção burguesa, bem como o banho e o bom hálito. Ao ouvir esses absurdos, chega-se a ter saudade dos “cuecões” do finado PCB, que, nos anos 60 e 70 do século passado, procuravam manter a mais burguesa das vidas públicas, justamente para não épater les burgueois – afinal, o eleitorado comunista no Brasil, exceção feita recentemente às áreas mais miseráveis, sempre foi conservador – e não “caía bem” um comunista, ainda mais de viés stalinista, com mau hálito. Mas eram outros tempos: a agenda woke, que há de destruir a esquerda toda, depôs os fuzis e, simultaneamente, as escovas de dentes.

No segundo caso, o professor em questão foi mais malandro e não deu corda ao Sr. Leão. Continuou com seus trejeitos e batendo na mesma tecla de que iria cumprir o programa (temas todos mostrados pelo Sr. Leão em seus vídeos no YouTube e assemelhados). Ao ignorar os questionamentos (legítimos, por sinal) do Sr. Leão, o professor, de História do Brasil (disciplina que aparentemente ignora por completo, embora, como os seus pares, tudo conheça da questão sexual mais íntima), esquivou-se de maiores embaraços. E, vida que segue, para a surpresa do próprio Sr. Leão, o professor de História da África (pelos vídeos, mais próximo de um easy rider hollywoodiano) optou pelo confronto aberto mais rude e sem modos possível: alegou que o Sr. Leão deveria silenciar-se com suas dúvidas, pois era “apenas um marinheiro”, enquanto ele, o professor, “era o comandante do navio”. Inversão surpreendente no mundo pós-Paulo Freire; alunos e professores não são todos iguais e não têm, todos, algo a ensinar uns aos outros?

Entende-se, contudo, o comportamento do cabeludo de História da África: ao permitir a presença de pontos de vista opostos em sala de aula, ele se veria na obrigação de fazer, ao vivo e a cores, aquilo que deveria ser a obrigação mínima da instituição universitária – promover o debate. Vejam, o professor mais atingido pelas ações midiáticas do Sr. Leão sequer parecia professar a agenda woke; parecia apenas mais um desses jovens doutores “gente boa” que os alunos adoram, cujo saber pode ser maior ou menor, mas que se notabilizam pela amizade fácil que estabelecem em lugar de se firmarem pelo seu conhecimento. Ao pretender enquadrar o Sr. Leão disciplinarmente por motivos que fogem inteiramente ao teor do curso, o professor em questão nessa terceira disciplina pode ter ganho a batalha (aparentemente, conseguiu expulsar o Sr. Leão de seu curso – algo que só irá valorizar, no futuro, a campanha eleitoral do próprio Leão), mas perdeu a guerra, ou ao menos comprometeu a universidade pública e federal em que trabalha seriamente num certo front de combate.

Como isso se deu?

Ocorreu por ter sido ele a, involuntariamente, fazer o público internauta associar os três professores em jogo ao mesmo projeto político. A de Antropologia, ao perder seu tempo de aula politizando a falta de higiene corporal; o segundo, pela sua própria postura; e o terceiro, por pretender ser mais do que o aluno em função dos títulos de que dispõe. Isso foi dito em mais de um vídeo pelo professor de História da África – “eu sou doutor, você, depois de uns vinte anos de estudo como eu, pense em virar gente” etc.

Não pode ser esse o clima em sala de aula, oscilando da militância mais chula ao autoritarismo menos justificável, tudo pago pelo Estado. Um professor universitário não pode valer-se de seus títulos para fazer calar um aluno ou invalidar suas opiniões; ao contrário, é de se pensar o que o professor em questão nesse terceiro caso pensa de si mesmo e do mundo que o cerca ao mandar alguém calar a boca por “não saber com quem está falando”. No fundo, foi isso o que ocorreu.

Estranho mundo esse que a esquerdalha mais recente nos oferece, caricatura de romance de Raul Pompeia com uma espécie de militância avessa ao passado de João Saldanha e Marighella. Melhor para quem sabe o que faz, usa a universidade para obter os graus necessários e, quando deseja conhecer de fato algo, recorre a autores da estatura moral e intelectual de um Roger Scruton ou de um Eric Voegelin.

*Rafael Hitlodeu é colaborador do Instituto Liberal.

Faça uma doação para o Instituto Liberal. Realize um PIX com o valor que desejar. Você poderá copiar a chave PIX ou escanear o QR Code abaixo:

Copie a chave PIX do IL:

28.014.876/0001-06

Escaneie o QR Code abaixo:

Instituto Liberal

Instituto Liberal

O Instituto Liberal trabalha para promover a pesquisa, a produção e a divulgação de ideias, teorias e conceitos sobre as vantagens de uma sociedade baseada: no Estado de direito, no plano jurídico; na democracia representativa, no plano político; na economia de mercado, no plano econômico; na descentralização do poder, no plano administrativo.

Pular para o conteúdo