A empáfia do centrismo reacionário

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De todas as correntes encontráveis no enfrentamento político brasileiro, aborrece-me sobremaneira hoje, talvez até mais do que as esquerdas, o que poderia chamar de “centrismo reacionário”. A designação pode parecer contraditória, mas espero esclarecer a sua pertinência.

Em seu último artigo para a Folha de S.Paulo, intitulado “Despolitização contra polarização”, o pensador Luiz Felipe Pondé, por quem tenho sincero respeito, escreveu que a “polarização louca” pode destruir as instituições da democracia e que o remédio seria “despolitizar” a sociedade. O ideal seria, a seu juízo, “a manutenção de um sistema político sem grandes arroubos à esquerda ou à direita. Sem ideologia política”.

Não me parece que o argumento esteja bem calibrado, sejam quais forem os méritos que possa ter. Sim, infelizmente e principalmente (em um primeiro momento) graças à esquerda, “politizou-se” até, digamos, o lado para o qual viramos o rosto na hora de espirrar; há um exagero doentio que precisa ser combatido em nossas vidas diárias. Mas daí a querer abandonar a política e o ativismo por ideias e bandeiras que espelham nossos interesses e afinidades? Seremos dominados por quem não o fizer. A escolha absoluta entre “politizar” e “despolitizar” me soa muito excessivamente, com a licença da palavra, polarizada — e um tanto contraditória vinda de alguém que escreve sobre temas políticos.

O discurso de que precisamos de “um mundo sem correntes de pensamento, sem ideologia, sem muita esquerda ou muita direita, vamos todos dizer que somos de centro e nos amamos”, não passa de uma ilusão tecnocrática que não combina com o sistema representativo tal como concebido pela teoria liberal. Tem mais semelhanças com o anseio positivista por uma dissolução das opiniões, próprias de um supostamente superado “estado metafísico”, e a imposição categórica de certezas científicas — certezas apenas de quem as advoga, por óbvio.

Tenho deparado com interlocutores que, de maneira semelhante, parecem tão incomodados com a era das redes sociais, com a liderança de Bolsonaros ou Pablos Marçais, com o teor disruptivo da “nova direita brasileira”, que têm manifestado saudades de um tempo em que os brasileiros não estavam tão segmentados, tão polarizados, tão preocupados com política. Vi por esses dias, explicitamente, a afirmação de que deveríamos retornar ao Brasil de antes de 2013. Tudo, dizem os defensores dessa esdrúxula tese, em nome da “tranquilidade” institucional, da moderação, de termos que lidar apenas com uma franja socialista radical enquanto assistimos pacatos, acompanhando nossos jogos de futebol e pulando Carnaval, aos sociais-democratas e fisiológicos imperando impolutos com suas traquinagens e incrementando o “Estado de bem-estar social” já agigantado destes trópicos.

Essas pessoas julgam que colocar a pauta liberal e conservadora com mais vigor no pensamento brasileiro na era das redes sociais foi um terrível erro e deveríamos regressar a um paradisíaco cenário em que os universitários da USP do PSDB e os sindicalistas e terroristas do PT dividiam o butim, mensalão e outras manobras tortuosas “rolavam soltos”, acordos nebulosos eram feitos com regimes autoritários do continente e a palavra “liberalismo” era praticamente proibida.

Quero crer que por desatenção, muitos não perceberam que, quando Lula e Alckmin se abraçaram e amavelmente caminharam para Brasília, fez-se quase a costura que desejam; é quase esse mundo maravilhoso também que Alexandre de Moraes e o autoritarismo judiciário desejam reconstruir, levando às últimas consequências o discurso de que os idiotas extremistas de direita que conquistaram espaço graças à internet precisam ser tutelados pelos sábios e prudentes.

Eles se consideram moderados, centristas, querem o mundo insosso e sem muita esquerda ou direita de que fala Pondé; porém, também querem resgatar um passado relativamente recente, que já acabou e que não tinha nada dessa beleza que eles hoje estranhamente idealizam. Nesse sentido, portanto, é que os chamo essa corrente de “centrismo reacionário”.

A História seguiu seu rumo. Aquele modelo que gostariam de resgatar — em que uma redoma social-democrata isolava a política brasileira de qualquer coisa que efetivamente cheirasse a uma “direita” — colapsou, e não foi por acaso. Colapsou porque era insustentável e porque a sociedade brasileira não encontrava representação satisfatória. Se não estamos felizes com o que se dá hoje, “botar o carro para andar para trás” não é e nunca será a solução, até porque é impossível. Não sejamos viúvas de um arranjo fracassado. Trabalhemos para qualificar o que construímos nos últimos dez anos. A presença de liberais clássicos, libertários e conservadores — ainda que por vezes duvidosamente representados ou liderados — é um avanço, e veio para ficar. Não tentemos espinafrá-lo em nome de um retrocesso inatingível.

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Lucas Berlanza

Lucas Berlanza

Jornalista formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), colunista e presidente do Instituto Liberal, membro refundador da Sociedade Tocqueville, sócio honorário do Instituto Libercracia, fundador e ex-editor do site Boletim da Liberdade e autor, co-autor e/ou organizador de 10 livros.

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