A cristofobia identitária

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Pretendia comentar em separado duas notícias da semana passada, mas creio que, embora sejam episódios diferentes, eles apontam para os mesmos problemas: a) a flagrante intolerância religiosa por parte de grupos identitários contra cristãos e b) o patrocínio dessa intolerância por setores do Judiciário e do Ministério Público brasileiros.

Primeiro, temos a notícia de que o Ministério Público da Bahia, reagindo a uma denúncia de autoria do Instituto de Defesa dos Direitos das Religiões Afro-Brasileiras (Idafro), em conjunto com a sacerdotisa do terreiro Ilê Axé Abassa de Ogum, Jaciana Ribeiro, irá investigar se a cantora Claudia Leitte cometeu “racismo religioso”. O crime, meus caros, acreditem se quiserem, teria sido ter alterado um verso de uma música em um show em Salvador. A música em questão é “Caranguejo”, gravada originalmente pelo Babado Novo em 2004, quando Claudia Leitte ainda integrava o grupo, e regravada pela cantora em 2014. O terrível crime de “intolerância” cometido pela cantora foi trocar o verso “saudando a rainha Iemanjá” por “eu canto meu rei Yeshu’a”, uma referência ao nome de Jesus em hebraico.

A segunda notícia, que parece ter escandalizado a sensibilidade identitária, foi o ministro Kassio Nunes Marques, do STF, ter anulado uma condenação do deputado e pastor Marco Feliciano (PL-SP) por “transfobia”, devido a supostos ataques dirigidos à atriz transexual Viviany Beleboni em 2015. Beleboni se notabilizou por performar Jesus crucificado durante a 19ª Parada do Orgulho LGBT, performance que naturalmente gerou muitas críticas de cristãos. O suposto crime de Feliciano foi fazer este comentário: “Imagens que chocam, agridem e machucam. Isto pode? É liberdade de expressão, dizem eles. Debochar da fé na porta de uma igreja pode? Colocar Jesus num beijo gay pode? Enfiar um crucifixo no ânus pode? Despedaçar símbolos religiosos pode? Usar símbolos católicos como tapa sexo pode? Dizer que sou contra tudo isso não pode? Sou intolerante, né?” Ora, onde está o ataque? Em que momento ele incita a violência ou coisa que o valha contra a atriz? O absurdo não é a decisão de Nunes, mas que a Justiça de São Paulo o tenha condenado em primeiro lugar.

Os dois fatos se vinculam não só pelo ridículo da denúncia, mas pelo que revelam. Claudia Leitte é evangélica desde 2014 e, como artista e interprete, interpretou a música da forma que melhor sentido fazia para ela. Ora, Roberto Carlos não substituiu o verso “Se o bem e o mal existem” por “Se o bem e o bem existem” na música “É preciso saber viver” por querer evitar conotações negativas? Que arrogância é essa de querer dizer para artistas como eles devem interpretar suas obras e fazer sua arte? Sobretudo em apresentações ao vivo, é comum que se altere um sem número de elementos, desde o andamento, a melodia (já ouviram falar de jazz?) e, é claro, a letra. Aliás, Nando Reis, ateu, quando gravou a música Nossa Senhora, também de Roberto Carlos, optou por cantarolar a melodia em “nãnãnãnã” ao invés de entoar a letra original, que pouco significado teria para ele.

Já Marco Feliciano externou uma opinião que nem chega perto de ser radical. Ora, não estou entre os que pensam que a censura deve alcançar esse tipo de performance, por mais esdrúxula que seja, como Feliciano parece defender, mas fato é que ele, como cristão e pastor, tinha toda razão para estar escandalizado. Aqui se escancara a hipocrisia dos identitários, sempre tão afoitos em justificar a censura com base no argumento de que isso ou aquilo é ofensivo. Sabendo a visão do cristianismo sobre os trans e homossexuais, sabendo que não são obrigados a ser cristãos, sabendo que não vivemos em uma teocracia, promovem performances com intenção clara de ofender e ainda processam aqueles que os criticam?

Resta muito claro que o elemento comum é o cristianismo. Claudia Leitte teria cometido “racismo religioso” por alterar a letra de uma música, mas se, ao invés disso, tivesse se crucificado seminua durante seu show, seria celebrada por aqueles que agora a chamam de intolerante. Já se alguém decidisse introduzir uma imagem de Iemanjá em seu ânus durante uma Parada do Orgulho LGBT, aí sim conseguiria angariar a fúria dessa turma. No caso de Feliciano, o elemento “transfóbico” teria sido o próprio ato de ele se sentir ofendido com a performance, o que, segundo os identitários, revelaria intolerância, já que não haveria nada de errado com ser trans.

É claro como água potável que o identitarismo e, principalmente, o identitarismo LGBT (recuso-me a botar uma siga a mais que seja aqui) avança sobre a própria doutrina cristã, em suas diferentes ramificações. Qualquer pessoa, em nome da sua fé, bem como qualquer sacerdote dessa fé, pode perfeitamente dizer que ser gay, ser trans ou o que diabos seja é pecado, é errado, é imoral etc. Há uma distância imensa entre dizer que algo é reprovado por sua religião e praticar ou estimular violência contra minorias, mas os lunáticos identitários, com respaldo de parte do Judiciário e do Ministério Público, querem te convencer de que as coisas são equivalentes e chegam ao cúmulo de tratar por intolerância mesmo uma manifestação individual, sem qualquer tom de confronto, como cantar uma música. Ora, se alguém deveria responder por intolerância, são aqueles que patrocinam uma flagrante cristofobia, incluindo agentes públicos que aquiescem em atentar contra a liberdade religiosa. Em tempo, sou ateu.

Fontes:

https://oantagonista.com.br/brasil/claudia-leitte-processada-por-saudar-jesus-em-vez-de-iemanja/

https://www.terra.com.br/diversao/musica/mp-investiga-claudia-leitte-por-troca-de-nome-de-orixa-em-musica,26526e066f4135c7b090ea614e8b9a70ye4zex3v.html

https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2024/12/19/nunes-marques-anula-condenacao-de-marco-feliciano-por-ataques-a-atriz-trans-em-2015.htm

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Gabriel Wilhelms

Gabriel Wilhelms

Graduado em Música e Economia, atua como articulista político nas horas vagas. Atuou como colunista do Jornal em Foco de 2017 a meados de 2019. Colunista do Instituto Liberal desde agosto de 2019.

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