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O liberalismo segundo Marco Maciel

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Aos 80 anos, faleceu Marco Maciel (1940-2021). Formado em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, Maciel foi militante estudantil, crítico à União Nacional dos Estudantes, e se filiou posteriormente à ARENA, partido de apoio ao regime militar. No governo Geisel, como presidente da Câmara dos Deputados, foi contrário à imposição autoritária do presidente de suspensão do Congresso para aprovar uma reforma judiciária. Mesmo assim, foi indicado a governador biônico de Pernambuco em 1978. Na dissidência do PDS que não apoiou a candidatura de Paulo Maluf à presidência, Maciel apoiou Tancredo Neves, vindo a integrar o Partido da Frente Liberal.

Na Nova República, defendeu o presidencialismo, mas, ao mesmo tempo, ajudou a liderar políticas reformistas nos governos Collor e FHC. Nos dois mandatos tucanos, quando o PSDB se articulou com o PFL, Marco Maciel foi vice-presidente da República. Para sermos mais precisos, foi presidente da Câmara dos Deputados de 1977 a 1979, governador de Pernambuco entre 1979 e 1982, senador de 1983 a 1995 e de 2003 a 2011, ministro da Educação entre 1985 e 1986, ministro-chefe da Casa Civil de 1986 a 1987 e vice-presidente da República entre 1995 e 2003.

Segundo o professor Antonio Paim (1927-2021), que o considerava um representante teórico do chamado liberalismo social, no clássico História do Liberalismo Brasileiro, “Marco Maciel procura inserir-se na tradição do liberalismo brasileiro, a começar do próprio Império. Vale a pena conferir como avalia o papel dos liberais na República, ao dizer que Rui Barbosa moldou juridicamente as instituições, enquanto Prudente de Morais (1894-1898) afirma a supremacia do poder civil e Campos Salles restaura a autoridade. Na República Velha, ainda que não haja partidos nacionais, a seu ver, os liberais estavam atuantes e é à sua bandeira que se recorre em 1930, com a Aliança Liberal. Na fase subsequente, o fato de que o liberalismo clássico tenha perdido muito de sua aura levou a que se vissem excluídos da hegemonia do processo, entregue à oscilação pendular entre autoritarismo e populismo. (…) À luz dessa perspectiva, aborda os mais importantes temas doutrinários, como o conceito de liberalismo e de democracia liberal, o papel do Estado, a questão das disparidades sociais e as relações entre representação política e outras formas de representação”.

Maciel mencionava como suas principais inspirações o brasileiro Joaquim Nabuco (1849-1910) e o italiano Norberto Bobbio (1909-2004). No segundo, certamente, colheu a flexão para o âmbito do liberalismo social em que se viria alojar. Porém, também fazia bastantes referências ao liberal peruano Vargas Llosa e estava declaradamente filiado às interpretações de Leonard Hobhouse (1864-1929), um dos patriarcas britânicos da escola do liberalismo social, acoplando à sua retórica uma defesa entusiasmada da igualdade de oportunidades. Enaltecia o legado da Revolução Inglesa e da Revolução Americana como pilares do liberalismo, mas a elas também adicionava a Revolução Francesa, apesar de suas feições radicais e “abstratistas”, tão criticadas pelas vertentes mais conservadoras do pensamento liberal.

É muito difícil concordar com sua visão exageradamente positiva da Constituição de 1988 e sua tese de que ela deve ser interpretada à luz de um “moderno liberalismo”, dados os aspectos flagrantemente dirigistas e, como diria Roberto Campos, “promiscuístas” de sua estruturação. Contudo, ao mesmo tempo, é inegável que ele tentou dar certa consistência teórica ao Partido da Frente Liberal – atualmente transformado em DEM, o que comprovou que teve relativamente pouco sucesso nesse propósito. Defendia também algumas ideias bastante razoáveis, bem como era respeitado como homem público, mesmo por adversários.

Marco Maciel sustentava um modelo de liberdade de organização partidária e restrição do acesso ao Parlamento conforme regras de desempenho, bem como o voto distrital misto e a revisão do pacto federativo. Na Constituinte, combateu limitações ao direito de propriedade privada, a remuneração adicional de 50% para a jornada extra de trabalho, a nacionalização do subsolo, a estatização do sistema financeiro, o limite de 12% ao ano para os juros reais, a possibilidade de desapropriação da propriedade produtiva, entre outras propostas intervencionistas. O professor Antonio Paim louvou, além disso, sua constante preocupação com o tema da educação, prioritariamente o desenvolvimento do ensino básico, como ingrediente essencial da cidadania e da prosperidade.  No panfleto Uma pauta para o futuro: o social liberalismo no ano 2000, ele apresentou ao PFL diretrizes favoráveis à reforma previdenciária, à reforma tributária e à abertura da economia ao mercado internacional.

Na visão de Maciel, exposta em Liberalismo: conduta e doutrina, de 1992, o liberalismo “é uma proposta política que tem compromisso com a mais antiga aspiração da humanidade: a liberdade, bem insubstituível sem o que fenece no homem a possibilidade de criar e agir, compreender e amar”. Apesar de reconhecer as realizações do Partido Conservador do Império, dos chamados “saquaremas”, eram os membros do Partido Liberal, os “luzias”, as principais referências históricas de Maciel no século XIX pátrio, por sua faceta dita mais ativista em prol das ideias modernas.

Em sua interpretação, “a estrutura econômica do capitalismo tem sido eficiente para lidar com a liberdade formal do indivíduo e do cidadão” e a proposta liberal “reduz os limites de intervenção e de regulamentação – direta e indireta – do Estado, que inibe o progresso e limita a capacidade de criar e de produzir do cidadão e da comunidade”. Por outro lado, no mesmo texto, sua retórica admitia preocupações com conceitos como “justiça social” e “direitos sociais”, dificilmente admitidos por liberais como Friedrich Hayek (1899-1992), por exemplo.

Também se encontra em certas passagens de seu trabalho uma estranha relativização do insucesso dos regimes socialistas em garantir o acesso ao necessário aos cidadãos, preferindo atacá-los mais pela supressão das liberdades e da formalidade liberal-democrática. Mesmo com esse tropeço, Marco Maciel defendia que a iniciativa privada deveria ser protagonista do desenvolvimento, ainda que em cooperação com o Estado, pois desejava “a igualdade de oportunidades, relativamente às garantias de educação, do trabalho, da saúde, da habitação e dos padrões mínimos de desempenho humano que livrem o homem da ignorância, do desemprego, da condenação a viver em condições subumanas e da doença”.

Valendo-se da análise de Raymundo Faoro (1925-2003) sobre a formação do estamento burocrático brasileiro, Maciel também criticava objetivamente o patrimonialismo, o clientelismo, o cartorialismo e o corporativismo, consoantes com o “gigantismo do Estado, que sempre exerceu avassaladoramente enorme tutela sobre o cidadão e a sociedade”.  Conforme externou em A ideia liberal e o Brasil, de 1994, o liberalismo “não se alicerça no Estado para lançar os seus objetivos. Antes, acredita na capacidade do indivíduo de criar, de empreender e no poder da sociedade de transformar a si mesma, colocando o Estado a seu serviço, fazendo-o instrumento de suas aspirações, pondo-o sob permanente controle. (…) Na medida em que reduz os limites de intervenção e regulamentações estatais, a proposta liberal é a que melhor convém ao indivíduo”.

É verdade que os chamados liberais sociais brasileiros que atuaram durante o final do regime militar e a Nova República, notadamente Marco Maciel e José Guilherme Merquior, à diferença do pensamento dominante em nosso Instituto Liberal e na parcela liberal da chamada “nova direita”, demonstraram para com a substância dirigista e social-democrata da Constituição de 1988, bem como do quadro político que se ergueu triunfante dos escombros do ciclo autoritário, um questionável grau de tolerância em que não sou capaz de acompanhá-los. Registraram, contudo, dentro desse mesmo cenário, conforme os excertos acima ressaltados demonstram, suas meritórias contribuições no sentido da sustentação de certos valores fundamentais e da aprovação de certas reformas que interessam a todas as vertentes da “macro tradição” da modernidade chamada liberalismo.

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Lucas Berlanza

Lucas Berlanza

Jornalista formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), colunista e presidente do Instituto Liberal, membro refundador da Sociedade Tocqueville, sócio honorário do Instituto Libercracia, fundador e ex-editor do site Boletim da Liberdade e autor, co-autor e/ou organizador de 10 livros.

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