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Liberdade e engajamento social

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As discussões geradas pela publicação de meus dois últimos artigos expuseram a crença de muitas pessoas na ideia de que o comportamento humano deve e pode ser remodelado por meio de deliberações superiores para se atender interesses coletivos. Pergunto: Qual igreja livrou a sociedade da gula, da ganância, da luxúria, da ira, da inveja, da preguiça e da soberba? Nenhuma. Qual governo conseguiu acabar com a existência de ladrões, de assassinos e de estupradores entre seus cidadãos? Nenhum.

A igreja afirma que o homem nasce imperfeito e o socialismo afirma que o homem nasce bom, sendo corrompido pelo capital, moral ou econômico. Uma força o faz desejar o que não precisa para obter prazer e poder. Somos vítimas do diabo ou do mercado. Alguém precisa nos proteger. A igreja ou o Estado.

A grande diferença entre a igreja e o socialismo, no contexto desse artigo, é que o primeiro não obriga as pessoas a seguir sua palavra, enquanto o segundo obriga até aquelas que não concordam com suas leis. Partindo do princípio de que todos os governos são socialistas, já que todos, em menor ou maior grau, tentam fazer as pessoas trabalharem umas em benefício de outras para se atingir um desejável bem-estar coletivo, volto a perguntar: Qual governo conseguiu moldar uma sociedade feita apenas de pessoas cordiais, honestas e solidárias? Nenhum.

Muitos governos adotaram medidas extremas para reformar a natureza humana para o bem da própria espécie humana. Os resultados podem ser vistos nos governos socialistas, que tiveram tanto sucesso na eliminação do individualismo quanto os governos mais à direita tiveram em suas guerras contra as drogas.

Permitam-me voltar ao caso da Federação Nacional dos Estudantes de Arquitetura que, por ser pequena e até outrora independente, torna-se um bom objeto de estudo sobre o processo que levou tantas sociedades à desgraça.

Resumidamente, a atual FENEA tenta transformar os estudantes de arquitetura num arquétipo ideal de ser humano. Intimidando, cobra que o estudante comum prove seu caráter vestindo a fantasia revolucionária. Patrulhando, tenta impor um código de conduta politicamente correta para impedir constrangimentos, ofensas e discriminações.

Uma estudante defendeu a nova postura da FENEA dizendo que antes ela mesma recebia “sorrisos amarelos” de algumas pessoas. Sim, ela disse isso! Outras pessoas justificam a nova postura da FENEA porque antes se sentiam ignoradas e/ou discriminadas por serem negras, gays ou pobres. Algumas pessoas defendem o engajamento ideológico da FENEA por crer que os futuros arquitetos têm que trabalhar apenas em função dos interesses coletivos; não por acaso, coincidindo com o que essas pessoas entendem como “interesses coletivos”.

Não é necessário muito esforço para perceber que cada uma dessas pessoas apoia a FENEA em benefício próprio. Lutando pelos direitos de umas pessoas estão, na verdade, tentando conquistar o espaço que não conseguiram por si mesmas. Mas não há problema nisso.

O exercício da bondade como estratégia de qualificação social é citado por Ludwig von Mises em seu livro Teoria e História, por Eduardo Giannetti em seu livro Auto-engano e explorado mais profundamente em meu livro Natureza Capital como algo natural e construtivo, com resultados benéficos para a sociedade. O exercício da bondade camufla o egoísmo de cada pessoa, mas tal egoísmo torna-se um problema coletivo apenas quando os interesses individuais de uns são viabilizados por meio da supressão dos interesses individuais de outros, o que vem acontecendo na FENEA. A tentativa de moldar um arquétipo ideal é, em si mesma, um grande erro teórico e prático.

O princípio da Instabilidade do Homogêneo, descrito por Herbert Spencer, esclarece que partes semelhantes não podem permanecer semelhantes porque são sujeitas de forma desigual a forças externas, o que pode ser comprovado por qualquer pessoas ao comparar suas  reações com as de seus familiares, amigos e colegas aos obstáculos da vida, por mais semelhanças e afinidades que todos possam compartilhar.

Os esforços da FENEA chocam-se também contra a própria natureza humana, que se defini pelas diferenças entre os indivíduos − cada um com seus interesses particulares. Como já descreveu Bernard de Mandeville em A Fábula das Abelhas, é o conjunto de interesses diferentes que constroem uma sociedade. O erro fatal de qualquer governo, como diria F. A. Hayek, é tentar equalizar a sociedade para forçar a cooperação entre as pessoas. Erro fatal por ignorar que são as diferenças entre elas que cria a necessidade de cooperarem umas com as outras, já que nenhum ser humano é capaz de suprir todas as suas necessidades.

A história da FENEA confirma: Ao longo de seus mais de 30 anos, foram realizados centenas de Encontros que reuniram dezenas de milhares de estudantes, cada um com necessidades, talentos, desejos e inclinações particulares. Essa diversidade fazia com que eles se distribuíssem nos diversos nichos desses eventos, com cada participante optando em se dedicar às ações sociais, ou às palestras, ou às oficinas, ou às festas, ou ao turismo, ou às questões internas da federação, ou a tudo isso; e era comum uma mudança de interesse no Encontro seguinte. Sem esse conjunto de diferenças, seria impossível sequer erguer os tapumes. Essa cooperação entre indivíduos diferentes, devemos salientar, sempre foi voluntária. Não havia patrulhamentos, nem intimidações, nem imposições.

Quase todas as pessoas que participaram daqueles Encontros têm na memória ambientes harmônicos e construtivos. Obviamente, algumas não se encaixavam por serem introvertidas, complexadas ou que não enxergavam afinidades com a maioria das pessoas. Algumas não voltaram, mas outras conseguiram, nos Encontros seguintes, descobrir amigos, nichos e vencer, por si mesmas, seus próprios bloqueios.

O que não era percebido a olho nu é que cada participante, à seu tempo, à seu modo e na maioria das vezes inconscientemente, se descobria enquanto pessoa, profissional e cidadão, entendia que a preservação de sua individualidade dependia fundamentalmente do respeito à individualidade das outras pessoas. Assim a FENEA cumpria seu papel: em vez de tentar moldar relações, permitia que as pessoas aprendessem a tolerar e a conviver umas com as outras, a despeito de suas diferenças.

Como resultado, cada um daqueles estudantes traçou seu caminho na vida. Uns, continuaram o engajamento social que conheceram nos Encontros, outros optaram pelo mercado, ou pela academia, ou pelo Estado, enquanto alguns simplesmente seguiram outras profissões. A sociedade é feita disso, de pessoas diferentes tentando atingir objetivos particulares para obter satisfações particulares, entre estas, se sentir uma pessoa boa perante Deus ou perante a sociedade; e que fique claro: O engajamento social não faz de alguém socialista. Solidariedade é uma iniciativa particular e intransferível. Uma pessoa torna-se socialista quando passa a cobrar que o Estado tenha poder sobre a vida das pessoas.

Se a FENEA insistir em formar apenas militantes socialistas, ela não apenas excluirá outros perfis de estudantes de seus projetos, empobrecendo-os, mas também privará a sociedade de futuros arquitetos e urbanistas com uma visão mais apurada sobre liberdade.

No futebol, há um jargão: “O bom Juiz não é percebido em campo”. Era isso que acontecia. A FENEA não era percebida, e isso era ótimo. Foi isso que moldou positivamente o caráter de tantos estudantes. Eu costumava dizer que a FENEA era um “estado de espírito”.

Hoje, a FENEA não apenas é percebida, mas provoca repulsa à maioria dos estudantes por conta de sua arrogância e de seu patrulhamento.

A mesma analogia pode ser feita em relação ao Estado: O Estado só será bom quando não for percebido em nossas vidas. Só estaremos num mundo melhor quando não tivermos o Estado intrometendo-se em nossas relações pessoais, familiares, sociais e profissionais.

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João Cesar de Melo

João Cesar de Melo

É militante liberal/conservador com consciência libertária.

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