Vedado o anonimato, você é a favor da liberdade de expressão irrestrita?
Essa pergunta foi feita esses dias em um júri simulado de uma instituição liberal, assim, neste exato formato; uma reflexão que se enxerga ampla, diminuta, porém, por conta de sua única certeza: vedado o anonimato.
Nossa constituição, que muitos julgam errada, em verdade é certeira por quase todo o decorrer de seu texto. Enquanto alguns tentam modificá-la, dizendo ser ela justificativa para toda sorte de visão inescrupulosa a favor do Estado e contra o indivíduo, esquecem eles, porém, que é o brasileiro culturalmente hipermetrope, exatamente como sua carta política prevê: enxerga o que não lhe toca, embaça-lhe as vistas o que lhe faz cercania. Somos, tristemente, seres públicos, tão fissurados pela publicidade que, diante de ato tão puro como o se expressar, indissociavelmente pensamos em plateias. É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato.
Por quê? Por que, diante do que penso, queres saber quem sou? Se é irrestrito o pensamento, por que deve se conter em nome, ou história, ou filiação? Praticado o anonimato, ainda sou livre para me expressar?
“Todo homem honrado deve reconhecer os livros que publica”, disse um jovem Rousseau que, diferentemente da maioria dos outros escritores de sua época – especialmente Voltaire –, orgulhosamente subscrevia seus livros com seu próprio e não com pseudônimos. No entanto, anos mais tarde, o mesmo vaidoso Rousseau, após intensos ataques da opinião pública e já acometido pela paranoia, publicou o pouco lido “Jean-Jacques, juiz de Rousseau”, no qual refletia sobre as consequências que a pessoa Jean-Jacques sofreu por conta da pessoa pública (Rousseau) que se tornou. “Enquanto Jean-Jacques está ocupado com ele mesmo, eles também estão ocupados com ele”, disse, pessimista, sobre o ódio dirigido contra ele pelo público.
Do outro lado do oceano, os debates sobre a independência dos Estados Unidos foram travados por Um Republicano Federalista, Publius, O Soldado do Estado, Um Plebeu, Um Fazendeiro da Pensilvania, Um Proprietário de Terras, dentre outros pseudônimos utilizados por James Madison, Alexander Hamilton e companhia para protegerem a si mesmos e, ainda assim, fundarem um país cujo ideal de liberdade ainda hoje ecoa pelo mundo.
Todos nós sabemos as consequências de cada um dos pensamentos. Vedado o anonimato, as opiniões livres e irrestritas foram cortadas junto às gargantas dos orgulhosos citoyens. Para protegerem suas gargantas, muitos preferiram livremente restringir suas próprias opiniões, ou até modificá-las em prol da opinião pública.
Liberdade e privacidade são indissociáveis. Individualidade e a vontade de proteger o que é seu, o que está próximo a si, sua própria busca pela felicidade, são indissociáveis. Não há individualidade se tudo é compartido, e sem individualidade não há nada a se compartir. O homem que não se esconde atrás de pseudônimos se esconde atrás da multidão, se esconde atrás das opiniões com as quais não concorda, das pautas às quais não adere.
Vedado o anonimato, não há privacidade. Vedado o anonimato, não há liberdade de se existir, sequer há liberdade de se pensar, que dirá a de se dizer o que se quer.
Vedado o anonimato, não há liberdade de expressão.
*Igor Damous é advogado criminalista.