fbpx

Censurados do Brasil, uni-vos!

Print Friendly, PDF & Email

Vírus invadem as mucosas, infectam órgãos e tecidos, acompanham o ritmo de multiplicação celular e causam processos infecciosos de potencial destrutivo incerto. Sob elevada carga viral, muitas células sucumbem à exaustão, e, se o sistema imune for ineficaz, a infecção se espraiará e, em situações extremas, evoluirá rumo ao óbito do organismo hospedeiro.

Supremos togados já vêm, pelo menos nos últimos cinco anos, “infectando” nossas instituições com inquéritos de ofício, censura, prisões ilegais, extrapolação de competências e usurpação de atribuições legislativas, em torrentes de irregularidades de todo o gênero. Sem mencionar seu trem de vida nababesco (incompatível com os proventos de servidores públicos), suas reiteradas viagens internacionais para eventos protagonizados por brasileiros e assistidos por compatriotas e sua recusa em divulgar as fontes de financiamento dos tours por resorts de luxo e restaurantes estrelados de grandes capitais europeias[1].

Recentemente, porém, a cúpula da magistratura deixou de ser a única fonte de arbítrios entre nós. A multiplicação viral da permissividade contaminou outros órgãos estatais e até paraestatais, que, a exemplo dos togados, passaram a se sentir investidos de poderes ilimitados para calar e perseguir indivíduos considerados “inimigos” pelos figurões à frente das instrumentalidades. Como não privo da intimidade de qualquer desses mandachuvas, não posso afirmar, caro leitor, se o fazem motivados por soberba própria, pelo desejo de agradar seus juízes ou sob a influência de ambos os fatores. Certo é que o fazem, e com a mesma arrogância observada entre os togados.

Nessa toada, a AGU apresentou ao gabinete do ministro Alexandre de Moraes uma notícia-crime contra o jornalista norte-americano Michael Shellenberger por suposta disseminação de “fake news sobre as urnas eletrônicas e ataques a ministros do Supremo Tribunal Federal”. Mediante invocação à decisão do próprio Supremo que havia legitimado o inconstitucional “Inquérito das Fake News” e todos os seus desdobramentos em outros inquéritos igualmente abusivos, o órgão pediu a Moraes o encaminhamento do caso à Procuradoria-Geral da República “para averiguação quanto ao efetivo cometimento de eventuais delitos[2].”

Ocorre que, na qualidade de instituição de estado, a AGU deveria se restringir às suas atribuições constitucionais de representação da União Federal (Executivo!), em juízo e fora dele, e de prestação de consultoria jurídica à presidência da república. Em vez de desempenhar suas funções, imiscuiu-se nos imbróglios do poder vizinho não-eleito e submeteu ao togado uma notícia-crime relativa a uma conduta que sequer configura a prática de crime. Tal iniciativa só poderia mesmo ter partido de entidade aparelhada pelo atual assentado no Planalto, que, não à toa, colocou à frente da AGU o “Bessias”, muito mais conhecido por seu papel de “mensageiro” de termo de posse ilegal na era dilmista do que por qualquer atuação jurídica relevante.

Na mesmíssima linha, agiu a OAB, que, não satisfeita em ter pleiteado, junto ao nosso censor magno e à justiça do Distrito Federal, a determinação de uma mordaça contra a Ordem dos Advogados Conservadores do Brasil, disparou seus arroubos autoritários contra o deputado federal Marcel Van Hattem (NOVO/RS)[3]. A ira da OAB, que levará seu presidente Beto Simonetti a interpelar Van Hattem em juízo, foi provocada por um pronunciamento feito na tribuna da Câmara, durante o qual o congressista teceu críticas à postura censora e autoritária da Ordem contra colegas conservadores.

Aquele que deveria representar a nossa categoria dos advogados com brio, honradez e apreço pelas liberdades individuais imitou os vícios dos magistrados e desprezou a Constituição para tentar calar o deputado autor de falas vistas como “inconvenientes”. Em sua mais recente bravata, Simonetti pisoteou os princípios constitucionais da imunidade parlamentar e da liberdade de expressão, na ânsia de apagar do debate público as suas manobras urdidas, nas sombras, contra colegas que nada fizeram além de divergir das posturas político-ideológicas hegemônicas na OAB. Escancarando a hipocrisia inerente ao coletivismo salvacionista, a instituição que, durante os “anos de chumbo”, avocava para si o rótulo de defensora dos valores democráticos, não tardou a pleitear a censura de oponentes assim que seus togados “aliados” implantaram o seu próprio regime autocrático.

Em todo esse Zeitgeist repressor, nem mesmo o exército resistiu à tentação dos arreganhos autoritários. Embora visto, por alguns, como exemplo de reserva moral e de respeito à democracia, esse braço das forças armadas, em suas novas diretrizes, informou aos usuários de suas redes oficiais a possibilidade de moderação e exclusão de mensagens que “usem linguagem inapropriada, obscena, caluniosa, grosseira, abusiva, difamatória, ofensiva ou de qualquer outra forma reprovável; concretizem apologia a práticas ilícitas; incitem o ódio, a violência, o racismo ou façam discriminação de qualquer ordem; ou contenham ameaças, assédio, injúria, calúnia ou difamação, ou configurem qualquer outra forma de ilícito penal.” No mesmo comunicado, o comando do órgão reservou para si o direito de “encaminhar às autoridades competentes” informações sobre comentários que incitem o ódio, a violência e a discriminação[4].

As recentes determinações dos fardados violaram o Marco Civil da Internet, legislação aplicável às redes e que condiciona a remoção de conteúdo digital ao advento de decisão judicial fundamentada, tomada dentro do devido processo legal e mediante observância à ampla defesa das partes. A exemplo de várias decisões da cúpula togada, os militares também apostaram na fartura de conceitos vagos e indeterminados, que, de tão abrangentes, podem dar margem à punição de quaisquer tipos de manifestações opinativas legítimas, pois amparadas na Constituição.

Universo togado, ministério público, AGU, OAB e, agora, até repartições militares. Organismos que deveriam estar sujeitos ao império das leis, mas, na prática, se acham subordinados mesmo ao império de homens orientados pelos seus desejos, caprichos e interesses pessoais. Se os mais diversos ambientes estatais já se mostram a tal ponto “infeccionados” pelo autoritarismo e se até espaços privados têm sido objeto de monitoramento por parte de autoridades despóticas – pelo menos desde o lamentável episódio dos empresários ditos “golpistas de WhatsApp” -, onde é que se pode ser livre no Brasil? Entre nós, onde é que se pode trabalhar, produzir, gerar riqueza, criar e pensar sem receio de que uma vírgula das nossas falas ou escritos incomode nossos potentados a ponto de resultar em sanções gravosas contra nós?

Não são relações econômicas, ou distinções entre classes sociais, raças ou gêneros que oprimem os indivíduos, como pretendiam os comunistas de ontem, em brados ainda ressonantes em nossos dias. A opressão sistêmica é exercida por senhores de mando desenfreado, que enxergam a si mesmos como autênticos donos do poder, e não como indivíduos como todos os outros, investidos de uma certa fração de poder a ser exercido em caráter temporário, impessoal e de acordo com as normas vigentes.

Nosso “sistema imune” institucional tem se mostrado um fiasco em montar uma resposta minimamente eficaz contra os agentes infecciosos espalhados pelos mais diversos órgãos. De tão debilitados e envelhecidos prematuramente pela carga viral do autoritarismo, nem mais febre conseguimos apresentar. Se nossa imunidade não se revelar eficiente o bastante para conter a expansão do vírus, sem ocasionar uma exacerbação da “resposta inflamatória”, o organismo como um todo se fragilizará até sua eventual extinção sob a forma que conhecemos. Cabe a cada um de nós, “células”, a opção entre resistir ao vírus ou perecer.

[1] https://informejuridico.net/index.php/2024/04/29/sem-transparencia-ministros-do-stf-fazem-tour-pela-europa/

[2] https://informejuridico.net/index.php/2024/04/24/agu-do-bessias-vai-a-moraes-contra-os-twitter-files/

[3] https://informejuridico.net/index.php/2024/04/26/oab-pretende-interpelar-van-hattem-por-fala-na-tribuna/

[4] https://informejuridico.net/index.php/2024/04/28/exercito-alerta-sobre-possibilidade-de-bloqueio-de-discursos-de-odio-em-suas-redes-oficiais/

Faça uma doação para o Instituto Liberal. Realize um PIX com o valor que desejar. Você poderá copiar a chave PIX ou escanear o QR Code abaixo:

Copie a chave PIX do IL:

28.014.876/0001-06

Escaneie o QR Code abaixo:

Judiciário em Foco

Judiciário em Foco

Katia Magalhães é advogada formada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e MBA em Direito da Concorrência e do Consumidor pela FGV-RJ, atuante nas áreas de propriedade intelectual e seguros, autora da Atualização do Tomo XVII do “Tratado de Direito Privado” de Pontes de Miranda, e criadora e realizadora do Canal Katia Magalhães Chá com Debate no YouTube.

Pular para o conteúdo