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Elena Landau e sua estranha leitura de Merquior e FHC

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Quem me conhece sabe que deploro contendas inúteis com base em meros rótulos ou insultos simplificadores e não adoto a disputa pela disputa, o duelo pelo duelo. No entanto, há polêmicas que são úteis, quando o propósito é buscar a clareza – mesmo que o outro lado só esteja interessado em entrechoques rasteiros, como por vezes acontece.

Não foi outro o propósito que outrora me moveu a questionar os tradicionalistas e reacionários que defendem um “Estado católico” antiliberal, como o pensador Carlos Nougué. Não será também outra a razão por que redijo esta reflexão que não o esforço por buscar os fatos, oferecendo ao leitor e avaliador a possibilidade de confrontar perspectivas distintas para iluminar seu próprio entendimento.

A economista Elena Landau, cujo currículo jamais pretenderei questionar, se tornou integrante do movimento Livres, de que foi presidente. O movimento se propõe a defender a “liberdade por inteiro” e reunir liberais de diferentes estirpes, mas desde o início cita bastante o pensador brasileiro José Guilherme Merquior, falecido ainda relativamente jovem, autor de O Liberalismo Antigo e Moderno. Repercutindo as ideias do Livres, Landau também já citou mais de uma vez Merquior como sua referência.

Deixando o Livres como um todo de lado – já manifestei algumas discordâncias para com o movimento em geral, mas esse não é o foco aqui -, quero tratar especificamente de Elena Landau. Ela já disse que “parte de uma compreensão ampla de liberalismo, como defendia José Guilherme Merquior”, não acreditando “numa cartilha fechada, uma igreja que todo mundo tem que seguir e pensar igual”. Reconhece que, “a partir de um mesmo corpo de princípios, existem muitos liberalismos e essa diversidade é muito rica, faz muito bem para o liberalismo como um todo”.

Essa declaração está bem de acordo com o que Merquior, delineando um histórico geral do liberalismo, explicava, ao dizer que o liberalismo pode ser compreendido a partir de sua manifestação histórica, sujeita a derivações e diferentes tendências. Do mesmo modo, Ubiratan Borges de Macedo dirá que conceitos como liberalismo e conservadorismo são históricos, o que torna incompletas discussões restritas à filosofia ou ao rígido “doutrinarismo”, sem levar em conta as realidades, partidos, autores e forças em que ganharam concretude e consequências.

Interessante, porém, que tal afirmação de princípios decorrentes do pensamento de Merquior, com tamanho entendimento da diversidade e da pluralidade, não é corroborada pelas atitudes; afinal, a mesma Elena Landau, que já levantou seu “liberalismo” em favor de regular a quantidade de filmes nacionais em circulação nos cinemas brasileiros, já expressou nas redes sociais sua admirável posição de que “armamentistas são assassinos enrustidos” (!). Aparentemente, portanto, para ela, uma vasta tradição liberal identificada com a extensão do direito ao porte de armas se constitui de beligerantes repulsivos com sede de matar.

Já os liberais que entenderam por bem pragmaticamente integrar-se ao governo Bolsonaro, particularmente ao seu Ministério da Economia, incluindo Paulo Guedes, são, para ela, falsos liberais. Alega que as “máscaras estão caindo”, como que a sustentar que as pessoas que estão trabalhando por aprovar reformas como a da Previdência e medidas como a Medida Provisória da Liberdade Econômica são traidoras do liberalismo vendidas ao fascismo bolsonarista. Ah! – mas aqueles que, no passado, serviram ao governo do social democrata Fernando Henrique Cardoso fizeram muito bem e mantiveram sua coerência!

Que fique claro, não os condeno; condeno a incoerência nos argumentos da economista, que não faz justiça a pessoas que estão, com senso de oportunidade, colocando a mão na massa. A própria Landau, há não muito tempo, disse que não enxergava no lulopetismo uma ameaça à democracia e acredita hoje, como seu ídolo FHC, que é preciso dialogar (!) com o ex-presidente criminoso condenado agitador. Sem precisar atacar seu liberalismo versátil, podemos nos restringir a apontar a sua cegueira imperdoável ao que aconteceu nas últimas décadas.

Parece que Landau, em sua ânsia por vender uma plataforma, não toma cuidado ao reproduzir as ideias dos autores e referências que coleciona. Eis o que precisa ser retificado. Não é justo, sequer com o próprio FHC, apresentá-lo como um “liberal”. Sim, Landau teve essa ousadia; o personagem em si não a aplaudiria por isso. FHC é categórico ao se dizer um social democrata e um homem de esquerda, orgulhando-se de ter aumentado a carga tributária e focado em gastos sociais. A regra agora é que os autodeclarados sociais democratas são os verdadeiros liberais? O contorcionismo conceitual tem limites.

Outro exemplo da estranha leitura que a economista faz de seus ídolos é que, ao jornal O Estado de S. Paulo, Landau afirmou: “O liberalismo está sendo discutido e isso é ótimo. E as pessoas estão atentas. Essa coisa de liberal conservador não existe”.

Ora, o Instituto Liberal, fundado em 1983 por Donald Stewart Jr., sempre foi uma casa aberta a intelectuais de tendências diferentes dentro do liberalismo, de José Guilherme Merquior a Meira Penna, passando por Roberto Campos e Og Leme. Sempre teve, portanto, um entendimento próximo ao de Merquior sobre a diversidade encampada pelo conceito. Uma das questões discutidas entre essas tendências é a questão das rotulações; a expressão “liberal conservador” aparece em diversos autores. Alguns liberais, inclusive do Instituto Liberal, a rejeitam, como o empresário João Luiz Mauad; outros, como eu, defendem o conceito, e o instituto abriu e abre espaço para que sustentemos nossas ideias a respeito, expondo o bom debate.

Não pretendo retomar aqui essa discussão em si. O ponto é que Landau, que diz integrar um esforço de resgate da visão de Merquior acerca do liberalismo, deveria ser no mínimo capaz de, ao afirmar algo como isso, dizer duas ou três palavras sobre o fato de que o pensador carioca usa, em sua obra O Liberalismo Antigo e Moderno, a expressão “liberal conservador” por oito vezes e “liberalismo conservador” por nada menos que 25 vezes. Na visão de Merquior, os liberais conservadores foram aqueles que, geralmente bebendo da fonte de Edmund Burke, se mostraram mais avessos a uma cultura igualitária e democrática – ou seja, liberais mais céticos e aristocráticos, antipáticos à “política de massas”. Para ele, Friedrich Hayek seria um liberal conservador, próximo à tradição Old Whig de Burke.

Ao contrário de Merquior, prefiro atualizar o pensamento dos liberais conservadores, pontuando-o como adversário do democratismo e não mais exatamente da democracia liberal, refletindo-se em um figurino adotado por estadistas como Reagan e Thatcher. Acredito que sua influência do republicanismo francês e sua opção pelo social liberalismo fizeram com que tivesse uma leitura torta do liberalismo mais à direita, ainda que seja um excepcional e recomendadíssimo historiador do liberalismo. A expressão “liberal conservador” também aparece na obra de Victor Hugo e Raymond Aron inscreve Tocqueville nessa tradição, da qual Merquior o retira.

Esse não é o ponto; o ponto é o seguinte: se falar em “liberal conservador” é, para Landau, a “liberal progressista”, falar em algo que não existe, teria sido Merquior um autor de ficção? Sendo assim, onde a coerência de Landau? Esse é o problema. Não concorda com a expressão? Tudo bem; mas então explique por que seu autor referencial adotava uma construção vocabular que é, a seu ver, tão ridícula.

Desconfio, na verdade, que Landau precisa de mais doses de mergulho nas páginas de Merquior, como de outros grandes autores brasileiros, como o professor Antonio Paim e o embaixador Meira Penna. Isso, a meu ver, traria mais lucro ao movimento liberal brasileiro que paparicar FHC, Eduardo Jorge ou Luciano Huck.

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Lucas Berlanza

Lucas Berlanza

Jornalista formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), colunista e presidente do Instituto Liberal, membro refundador da Sociedade Tocqueville, sócio honorário do Instituto Libercracia, fundador e ex-editor do site Boletim da Liberdade e autor, co-autor e/ou organizador de 10 livros.

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