fbpx

A ineficácia da proibição: repensando a regulamentação dos cigarros eletrônicos

Print Friendly, PDF & Email

Ao longo da história, o Estado reiteradamente adotou medidas proibitivas na tentativa de controlar comportamentos considerados indesejáveis ou prejudiciais à sociedade. Uma característica comum dos governos intervencionistas é julgar suas medidas pelas suas intenções e não pelos impactos verdadeiramente gerados. Proibir algo não é garantia de que desaparecerá; muitas vezes, apenas aumenta seu preço e abre caminho para a comercialização clandestina.  Tudo indica que, assim como no passado, o cigarro eletrônico é o próximo a passar por isso.

Outro ponto em comum dos governos intervencionistas: eles não aprendem com a História. Um exemplo clássico de proibição estatal que revelou sua ineficácia é a Lei Seca nos Estados Unidos na década de 1920. Com a promulgação da 18ª Emenda à Constituição Americana em 1919, a venda, produção e transporte de bebidas alcoólicas foram proibidos no país. E qual a motivação por trás dessa decisão? Claro, era reduzir os problemas sociais associados ao consumo excessivo de álcool, como violência doméstica e acidentes de trânsito.

Sem surpresas, a Lei Seca revelou-se um fracasso retumbante. Em vez de diminuir o consumo de álcool, a proibição impulsionou a criação de um mercado negro próspero, com a produção e distribuição clandestina de bebidas alcoólicas. O crime organizado ganhou força, com a ascensão de gângsters como Al Capone, que lucraram com a ilegalidade do álcool. A proibição ainda resultou em um enfraquecimento do Estado de Direito, com a corrupção generalizada de agentes da lei e o desrespeito difuso à legislação. Diante do fracasso evidente, a Lei Seca foi revogada em 1933 pela 21ª Emenda, reconhecendo a ineficácia da proibição como estratégia de controle do consumo de álcool. 

A verdade é que o Estado paternalista está frequentemente presente em estruturas sociais que alimentam o governo como uma entidade que entende, mais do que os próprios indivíduos, as suas necessidades e anseios. Ao que tudo indica, o mais recente objeto que requer a intervenção estatal, visando a resguardar a população de si mesma, é a proibição dos cigarros eletrônicos.

O Brasil faz parte de um grupo de 32 nações que vetam o comércio do produto, assim como México, Índia e Argentina. Outras 79 – como Estados Unidos, Reino Unido e Canadá – liberaram com maior ou menor grau de restrição, conforme relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) de 2021. A regra brasileira que proíbe os cigarros é de 2009; na época, a Anvisa apontou ausência de dados científicos que comprovassem a segurança dos dispositivos e optou pela restrição generalizada. Inclusive, usuários podem ser penalizados com uma multa de até 5 mil reais diários.

Milton Friedman, escritor e economista norte-americano, apontou que a solução do governo para um problema é usualmente tão ruim quanto o problema. Mesmo previsto em lei, com ameaça de penalidades financeiras, a demanda por cigarros eletrônicos não para de aumentar. Segundo pesquisa da UFPel, essa já é uma realidade para um a cada cinco jovens de até 24 anos. Diante dessa realidade, seria sensato o governo brasileiro persistir na ilusão de que a proibição tem sido eficaz?

Ao se ignorar um suposto problema, o Estado ignora também a solução. Isso porque, em países que adotaram medidas mais flexíveis, como Estados Unidos e Reino Unido, com a utilização dos cigarros eletrônicos, notou-se a diminuição na taxa de tabagismo. O governo britânico, por exemplo, anunciou a distribuição de 1 milhão de cigarros eletrônicos à população como parte de uma estratégia para combater o hábito de fumar. Essa iniciativa, combinada com apoio comportamental, visa a auxiliar os fumantes a abandonarem o vício. O número de 1 milhão representa cerca de 20% do total de fumantes na Inglaterra, e as autoridades estabeleceram uma meta ambiciosa de reduzir as taxas de tabagismo para 5% ou menos até 2030, considerando que em 2021 essas taxas estavam em 13%. Esses exemplos demonstram que a abordagem mais flexível e baseada em evidências pode ser efetiva na busca por soluções reais. 

Essa não é uma percepção isolada dos especialistas britânicos. Uma série de estudos defende que os cigarros eletrônicos oferecem menos riscos e podem servir como o primeiro passo para abandonar o tabagismo. Em um estudo de 2021, publicado pela revista acadêmica JAMA Network, apontou-se que, entre 1.600 fumantes ativos que não tinham intenção de parar no início do estudo, 28% que usavam cigarro eletrônico ou vaping diariamente pararam de fumar cigarros tradicionais em 12 meses. Os usuários diários de cigarros eletrônicos no estudo tinham oito vezes mais chances de parar de fumar cigarros tradicionais do que os usuários não diários, de acordo com os pesquisadores.

É cada vez mais evidente que a proibição dos cigarros eletrônicos revela a persistente e perturbadora falha das políticas de proibição em enfrentar os desafios complexos da sociedade contemporânea. Em vez de restringir escolhas individuais, a resposta adequada reside na promoção da educação, conscientização e regulamentação adequada para verdadeiramente proteger a saúde pública. Para Friedrich Hayek, em A Constituição da Liberdade (1960), a liberdade não é apenas um valor em particular: é a fonte e a condição da maioria dos valores morais. No final das contas, é mais uma vez o indivíduo contra o Estado, buscando ser livre para escolher. 

*Mélani Rupphental é assessora de imprensa e coordenadora do Instituto Atlantos.

Faça uma doação para o Instituto Liberal. Realize um PIX com o valor que desejar. Você poderá copiar a chave PIX ou escanear o QR Code abaixo:

Copie a chave PIX do IL:

28.014.876/0001-06

Escaneie o QR Code abaixo:

Instituto Liberal

Instituto Liberal

O Instituto Liberal trabalha para promover a pesquisa, a produção e a divulgação de ideias, teorias e conceitos sobre as vantagens de uma sociedade baseada: no Estado de direito, no plano jurídico; na democracia representativa, no plano político; na economia de mercado, no plano econômico; na descentralização do poder, no plano administrativo.

Pular para o conteúdo