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A direita democrática e o pós-bolsonarismo

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Iniciei como colunista no Instituto Liberal em agosto de 2019, com um artigo intitulado Com o silêncio dos moderados, nossa pretensa primavera liberal pode acabar ainda em seu alvorecer. A escolha do título do tema para o artigo de estreia não se deu por acaso. Já se haviam passado oito meses do governo Bolsonaro, certamente não tempo suficiente para o diagnóstico completo de um mandato, mas o bastante para que o presidente pudesse dizer a que veio. Cerca de oito meses após o início de seu governo e dez após eleito, já estava claro que ele não sairia do palanque e não economizaria nos acenos ao seu séquito ideológico mais aguerrido. Nesse cenário, fiz minha estreia no IL como um apelo pela moderação, mas especialmente direcionado àquela parcela de liberais que seguia com um deslumbre cego com o governo, ou com uma timidez acachapante na elaboração de suas críticas, temerosos, na certa, de se tornarem alvo das hostes bolsonaristas ou de terem seu antipetismo posto em cheque. Eu não apelava, por óbvio, por nada próximo da deposição do governo naquela época, tão somente para o óbvio: o governo Bolsonaro merecia, já naquele momento, inúmeras críticas, e parecia ser papel evidente dos liberais fazê-las, já que o servilismo a governos e políticos não condiz com nenhuma ideia minimamente razoável do que seja liberalismo.

De lá para cá, a crítica ao governo Bolsonaro, seja de forma direta, ou indireta, por meio da análise de aspectos específicos de seu governo, como a ampla presença de militares ou a condução na pandemia, foi um aspecto recorrente nos meus artigos. Em um dos artigos, publicado no início de 2020, faço uma provocação, indagando se O bolsonarismo trabalha para colocar o PT de volta no poder. Sou um simples articulista (nas horas vagas) e não tenho ilusões megalomaníacas sobre o peso do que escrevo, mas a provocação que eu fazia ecoava a análise e diagnóstico de muitos além de mim, que enxergavam no bolsonarismo o risco de servir de trampolim para o retorno do PT. Por negação, muitos tentarão apresentar razões outras para a vitória de Lula, mas, como buscarei demonstrar aqui, a coisa é simples: aquele que venceu a guerra de rejeição em 2018 perdeu em 2022; dito de outra forma: o bolsonarismo, de fato, trouxe o PT de volta.

Antes de seguir, vamos retroceder. Tendo vencido nas urnas por quatro vezes consecutivas, o PT esteve no poder por 14 anos, até Dilma ser alijada do cargo em 2016, muito apropriadamente por irresponsabilidade fiscal, já que essa mesma irresponsabilidade causou uma das maiores recessões da história do país (talvez a maior), trazendo de volta o desemprego em massa e a inflação de mais de um dígito. Além disso, estávamos habituados a acordar com as manchetes matinais dando conta de mais uma operação no âmbito da chamada Lava Jato, que desnudou um escândalo de corrupção na Petrobras, cujas cifras chegaram a ofuscar o próprio mensalão.

O PT acusava o legítimo processo de impeachment de golpe (mesmo quem discorda do desfecho não pode negar a legitimidade institucional do impedimento), defendia a queda de Temer, acusava a Lava Jato de causar a crise econômica e apostava todas as suas fichas no discurso de perseguição política contra Lula. Uma vitória do partido em 2018 teria, em sua narrativa, coroado essa versão dos fatos, sendo vendida como a justiça operada pelos eleitores contra os “golpistas” que teriam violado a soberania popular dois anos antes. A derrota do apadrinhado de Lula implodiu essa narrativa, e o argumento de que se Lula fosse candidato ele teria vencido é do território da fantasia e pouco crível, sobretudo pela vitória extremamente apertada de agora. E não foi qualquer derrota: eles perderam para Bolsonaro, cujo histórico dispensava apresentações, significando que a maioria ainda o preferia ao retorno do PT.

Esse é o precedente, e, para garantir de vez o fim da hegemonia petista, Bolsonaro só precisava de uma coisa: fazer um bom governo. Como tantos outros, eu não tinha otimismo de que ele seria capaz de fazer isso, mas era sua grande oportunidade de nos provar errados.

Infelizmente, para o Brasil, tivemos um prenúncio do que viria quando, ao invés de se sentir grato e fazer jus à vontade popular, Bolsonaro acusou de fraude o processo do qual saiu vitorioso. Já no governo, continuou agindo como se ainda estivesse em plena disputa eleitoral, com acenos reiterados e desnecessários ao seu séquito mais radical (eles o apoiariam, ainda que moderasse seu discurso). Então, veio a pandemia. É preciso ser justo e reconhecer o fato de que Bolsonaro também foi muito “azarado”, não podendo, obviamente, ser culpado pela pandemia ou pela Guerra da Ucrânia, dois eventos com amplos impactos globais e que, por sua sucessão, concorreram para a carestia de gêneros em todos os cantos do mundo; mas, se um governo não pode ser responsabilizado pela gestação de uma pandemia, certamente o pode por sua gestão.

Desastrosa – é no mínimo como podemos categorizar a gestão e postura do presidente frente à pandemia. Não vou entrar aqui em querelas sobre as medidas de isolamento, das quais já tratei no passado, mas o fato é que, enquanto milhares de brasileiros morriam mensalmente, Bolsonaro protagonizava episódios baixos e até mesmo de deboche das vítimas. Já em sua ânsia para confrontar governadores e prefeitos, o que sugeriria fazer o que fosse necessário para que pudéssemos retornar à normalidade, o mandatário contrariou a lógica e não só colocou óbices e atrasou a compra das vacinas como se recusou a sequer dar o exemplo, vacinando-se, como fizeram presidentes e primeiros-ministros mundo afora, preferindo fazer o inverso e vocalizar suspeitas infundadas de um movimento antivacina tosco e inconsequente.

No plano político e da corrupção, vimos na retórica de seus apoiadores a emulação de velhos discursos, com alguns apequenando as denúncias de rachadinhas envolvendo sua família e até o próprio presidente (enquanto deputado) e, pasmem, tratando como algo normal, defenestrando o por eles outrora adorado Sérgio Moro, quando este desembarcou do governo acusando-o de interferência na Polícia Federal, atacando a imprensa por divulgar o episódio de corrupção envolvendo os dois pastores e o MEC e, para coroar, referendando o casamento com o Centrão e, ou relativizando, ou tentando negar as digitais do governo na criação do chamado Orçamento Secreto, que, ao alocar recursos sem nenhuma transparência, nada mais é do que um mensalão “legalizado”, não podendo se confundir com as convencionais emendas parlamentares, estas sim com indicação de quem aloca e onde é alocado. Embora Bolsonaro tenha vetado, a princípio, a coisa, foi seu governo que, semanas depois, enviou para o Congresso o projeto elaborado pela Secretaria-Geral do Governo que estabelecia a prática.

No plano democrático, por sucessivas vezes o presidente ameaçou não reconhecer o resultado eleitoral caso perdesse (embora pareça ter moderado isso nas semanas antecedentes ao pleito), chegou a convocar uma ridícula reunião com embaixadores para apresentar sua ridícula tese de fragilidade nas urnas, além de ministros seus, militares, terem emitido notas ameaçadoras que bastavam para bons entendedores.

Por fim, o governo Bolsonaro, com o apoio do Congresso, este estimulado pela festa do Orçamento Secreto, não só emulou, mas turbinou algo que tanto criticávamos no PT: conseguiu aprovar, em pleno ano eleitoral, um estado de emergência injustificável para embasar aumento de repasses em programas sociais, em claro desrespeito à lei e com gritante oportunismo eleitoreiro.

Sou, é claro, mesmo sendo um opositor, capaz de elencar pontos positivos do governo Bolsonaro, mas aqui discutem-se as razões da derrota, e, contrapondo os pontos positivos com os negativos elencados acima (e tantos outros que, para ser econômico com as palavras, não citei), o conjunto da obra é um governo evidentemente ruim. Esse, obviamente, é o diagnóstico de 66 milhões de brasileiros (incluindo brancos e nulos), que rejeitaram Bolsonaro no segundo turno.

Jair Bolsonaro tornou-se o primeiro presidente desde FHC a não conseguir a reeleição. Isso é simbólico, pois ninguém perde a reeleição se estiver fazendo um bom governo. Para muitos, é cômodo buscar culpados outros que não o próprio presidente, até mesmo partindo para o ataque e xingando uma parcela expressiva da população brasileira.

No mesmo artigo de estreia, citado no primeiro parágrafo, eu disse que era uma estupidez chamar quem votou no Bolsonaro em 2018 de fascista e coisa que o valha. Em minhas críticas ao governo, sempre tomei o cuidado de nunca agredir seus eleitores. Fiz críticas sim a seu séquito, mas não pelo seu voto, e sim por algumas de suas atitudes. Não faz sentido que agora aqueles que se debruçavam nos 58 milhões de votos de Bolsonaro e clamavam (com razão) pela necessidade de se respeitar a vontade popular e buscar entender o significado da vitória (em especial, o porquê da rejeição ao PT), demonizem aqueles que agora decidiram de outra forma e se esquivem de buscar entender a rejeição ao bolsonarismo.

Agora, a vitória de Lula foi estreita e, mesmo com todo o repertório supracitado, Bolsonaro, na guerra de rejeições, ainda conseguiu uma votação expressiva, além de seu campo ter feito uma grande bancada no primeiro turno e eleito muitos governadores. Isso só reforça o argumento central do meu artigo: bastava ter feito um bom governo, e bom governo implicava moderação. Talvez, se o apelo de tantos pela moderação tivesse sido ouvido e assimilado, a coisa tivesse sido diferente; mas o campo populista da direita não queria intercâmbio algum com o que adjetivavam como “esquerdismo”.

Alguns podem derivar do capital político de Bolsonaro que ele deve continuar figurando como a opção da direita contra o petismo. Para além de ser um erro nos aglutinarmos em torno de um nome, qualquer que seja (o personalismo faz tão mal quanto o fisiologismo), se um nome houvesse, não poderia ser o de Jair Bolsonaro e nem de ninguém que se assemelhe ideologicamente a ele. Se, mesmo depois de Bolsonaro ter efetivamente trazido o PT de volta, dando um inédito terceiro mandato a Lula, a opção for permanecer sob o guarda-chuva do bolsonarismo, incorreremos naquela falsa definição de insanidade (repetir os mesmos erros esperando resultados diferentes). Precisamos enterrar de vez o personalismo bolsonarista, antes que ele, nos dividindo e canibalizando, enterre o que logramos alcançar a partir de 2014, isto é, quebrar a hegemonia das esquerdas no debate público. Que também não fiquemos reféns de um identitarismo ideológico, tão ruim quanto as demais formas de identitarismo, andando em círculos e conversando exclusivamente dentro de uma bolha, cada vez mais diminuta, até finalmente estarmos falando com as paredes. Não é a direita que precisa de uma oposição ao petismo e o que ele representa; é o país, e o país, assim como nosso campo, é plural e urge ser democrático.

Fontes:

https://noticias.uol.com.br/reportagens-especiais/ex-cunhada-implica-jair-bolsonaro/#page1

https://www.estadao.com.br/politica/propina-em-ouro-via-biblia-e-no-pneu-entenda-o-escandalo-dos-pastores-e-gabinete-paralelo-no-mec/

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Gabriel Wilhelms

Gabriel Wilhelms

Graduado em Música e Economia, atua como articulista político nas horas vagas. Atuou como colunista do Jornal em Foco de 2017 a meados de 2019. Colunista do Instituto Liberal desde agosto de 2019.

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