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Como chegamos até aqui

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Dia desses, conversando sobre a situação econômica do país, um amigo perguntou como deixamos a coisa chegar nesse ponto?  Esta não é uma pergunta simples, e a resposta bastante complexa.  Tinha razão o velho Nelson Rodrigues quando disse que “o subdesenvolvimento não se improvisa; É obra de Séculos”.

Sem dúvida, nossa história está repleta de oportunidades perdidas e de governos horrorosos.  Para começar, o único governo relativamente liberal que já houve nestas plagas, encabeçado por um homem probo e culto – D. Pedro II –, acabou sendo abruptamente encerrado por um golpe de Estado, que desencadearia numa sucessão secular de governos presidencialistas tacanhos, fossem eles empossados a golpes de estado ou eleições – com as raras e honrosas exceções de praxe.

Mas a pergunta do meu amigo referia-se ao período mais recente, protagonizados por governos que conseguiram transformar a pouca ordem econômica que ainda preservávamos num verdadeiro caos, onde se destacam a atual depressão econômica (queda de 4,08% do PIB em 2015), inflação na casa dos dois dígitos, dívida pública em franca expansão, irresponsabilidade fiscal galopante e, last but not least, índices de competitividade e produtividade em declínio acentuado.

Como já mencionado, a explicação para tanto descalabro não é simples, nem os problemas estão limitados a uma só causa, mas se tivesse de apontar um fator principal para nossos infortúnios econômicos atuais, eu miraria na eclosão sem precedentes do chamado capitalismo de compadrio em Pindorama, pois acredito que todos os problemas citados acima estão, direta ou indiretamente, de alguma maneira, atrelados a esta erva daninha que corrompe os mercados de qualquer nação onde se instale.

Como ensinou Murray Rothbard em seu clássico “Power & Market”, existem apenas duas maneiras [legais, embora não necessariamente legítimas] de se adquirir renda: os meios econômicos (produção e trocas voluntárias) e os meios políticos (obtenção de privilégios especiais à custa de terceiros). No processo de livre mercado são utilizados apenas os meios econômicos e, consequentemente, os ganhos de todos estão atrelados, obrigatoriamente, ao que os outros indivíduos na sociedade estão dispostos a pagar por nossos serviços.  Nesse arranjo, não há espaço para transferência forçada de renda e de riqueza.

Quando os subsídios e favores do governo entram em cena, no entanto, a situação muda de figura.  Através deles são disponibilizados os meios políticos para a obtenção de renda.  Enquanto no livre mercado a acumulação de riqueza é apenas uma resultante de escolhas voluntárias de todos os indivíduos e, por extensão, o meio segundo o qual os homens servem uns aos outros, no sistema de compadrio o subsídio governamental abre o caminho para a repartição da renda em função da capacidade das pessoas ou grupos de pessoas de obter o controle sobre o aparelho de Estado.

A ingerência ostensiva do governo nos mercados, portanto, cria um processo de distribuição de lucros e perdas diferente, onde os ganhos estão apartados da produção eficiente e da troca voluntária, e são determinados por fatores diversos daqueles.  Na medida em que esta distribuição ocorre, a repartição dos lucros é distorcida e desvinculada da prestação de serviço eficiente aos consumidores.

Nesse novo arranjo, os níveis de produção e bem estar geral são comprometidos de duas maneiras: primeiro, pelo desvio de energia e recursos da atividade produtiva para a atividade política (rent-seeking) e, segundo, pelo fato de que o governo inevitavelmente irá cobrar pesados encargos da sociedade, principalmente das empresas e indivíduos produtivos, para beneficiar grupos privilegiados, não raro ineficientes.  Em resumo, os apadrinhados políticos conseguem, legalmente, reivindicar somas cada vez maiores de recursos dos pagadores de impostos (normalmente a fração eficiente da economia).

Aqueles que obtêm sucesso no arranjo de livre mercado são os mais hábeis e eficientes na produção de mercadorias e serviços, portanto, em servir aos seus semelhantes.  Já aqueles que são bem sucedidos através da luta política são os mais hábeis em conseguir favores daqueles que exercem o poder da coerção legal.  Geralmente, o processo de divisão e especialização do trabalho fará com que pessoas diferentes sejam adeptas dessas duas atividades bastante distintas, e, por conseguinte, pela via da concorrência desleal, o esmagamento de um desses grupos será levado a efeito, para que o outro grupo possa beneficiar-se.

No capitalismo de Estado, notadamente em economias grandes e diversificadas como a brasileira, não é fácil elencar todas as distorções e as cadeias lógicas de causa e efeito promovidas pela economia de compadrio. No entanto, não é preciso ser nenhum gênio para inferir como as políticas abundantes de isenções fiscais para determinadas indústrias aumentam a carga tributária sobre a sociedade inteira.  Como as políticas de crédito farto e subsidiado de BNDES, CAIXA e BB para empresas apadrinhadas aumentam tanto o ônus fiscal quanto o custo do dinheiro para as demais.  Como o conluio e a corrupção, que envolveram praticamente todos os grandes contratos governamentais nos últimos anos, fizeram com que empresas ineficientes subjugassem as eficientes na corrida por maiores receitas e lucros.  Como o aumento absurdo dos gastos públicos fez com que a inflação alcançasse índices que não víamos há décadas.

Não raro, essas distorções são invisíveis aos olhar distraído e até mesmo aos índices agregados, pois os verdadeiros empreendedores – como apontou Adam Smith – são capazes de superar muitas das obstruções impertinentes que loucura estatal é capaz de colocar em seu caminho, e continuar promovendo a prosperidade geral.   Porém, há limites para esta habilidade, especialmente quando a economia de compadrio resulta em distorções insuperáveis, bloqueando todos os incentivos da atividade empresarial e, consequentemente, os ganhos naturais do processo de especialização e divisão do trabalho.  Parece que, infelizmente, alcançamos este patamar.

O mais desanimador, entretanto, é que sair dessa verdadeira armadilha não é tarefa fácil e demanda um tempo razoavelmente longo, principalmente no que concerne à desmontagem do vasto sistema de privilégios (não apenas empresariais e corporativos, mas também individuais) erguido por sucessivos governos, desde a Constituição de 1988.

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João Luiz Mauad

João Luiz Mauad

João Luiz Mauad é administrador de empresas formado pela FGV-RJ, profissional liberal (consultor de empresas) e diretor do Instituto Liberal. Escreve para vários periódicos como os jornais O Globo, Zero Hora e Gazeta do Povo.

2 comentários em “Como chegamos até aqui

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    19/02/2016 em 1:59 pm
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    Boa tarde, Mauad. Vou usar esse espaço para fazer uma pergunta, pois na área de Contatos já enviei umas três mensagens sem resposta. Já comentei por aqui que sou artista, na área do cinema, e estou muito interessado na filosofia liberal, que só agora estou conhecendo mais a fundo. Gostaria de saber o que você opina sobre as políticas públicas de apoio ao cinema, como a contribuição ao Condecine, que havia ajudado a dar um pequeno impulso à produção, e que acabamos de perder em uma liminar. Dado que a indústria americana vive na prática em situação de monopólio, não seria correto a gente continuar se defendendo com medidas protecionistas mesmo, como a do Condecine, contribuição que banca cerca de 80% do Fundo Setorial do Audiovisual? Abs, Alexandre. http://cinema.uol.com.br/noticias/redacao/2016/02/18/artistas-do-audiovisual-repudiam-calote-de-teles-a-ancine.htm

  • Avatar
    18/02/2016 em 2:10 pm
    Permalink

    Muito bom.

Fechado para comentários.

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