A ética jornalística na era dos algoritmos

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Vivemos uma revolução silenciosa, mas significativa, na forma como nos informamos. Se antes a responsabilidade pela notícia recaía sobre grandes redações e jornalistas formados, hoje qualquer cidadão com um celular pode se tornar um emissor, ou, infelizmente, um propagador de desinformação. Nesse contexto, a leitura do livro Sobre Ética e Imprensa,do jornalista e professor Eugênio Bucci, publicado nos anos 2000, surpreendentemente atual, é talvez mais necessária do que nunca.

Bucci parte de um princípio fundamental: a liberdade de imprensa só cumpre seu papel democrático quando caminha ao lado da responsabilidade. “A ética jornalística não é uma doutrina, é um modo de ser”, escreve ele logo no início da obra. Em capítulos como “A imprensa e a verdade dos fatos” e “A ética como forma”, Bucci defende que a ética não se impõe por normas externas, mas deve ser incorporada à prática cotidiana do jornalismo, como uma disciplina interna e constante. Isso exige um compromisso com a verdade, com a escuta plural e com o interesse público, valores que estão sendo corroídos pela lógica digital. O problema é que, nas redes sociais, o que vale nem sempre é a veracidade, mas o engajamento. O algoritmo premia a polêmica, a superficialidade e até a mentira.

Nesse novo ambiente, o jornalismo sério perde espaço para o espetáculo. Influenciadores sem qualquer compromisso com a apuração dos fatos ocupam o lugar de colunistas. Vídeos virais substituem reportagens. O público, muitas vezes, não distingue o que é jornalismo do que é entretenimento disfarçado de notícia.

Nas redes, vemos políticos adotando estratégias de “lacração” para ganhar cliques e curtidas: discursos inflamados, xingamentos, provocações e cortes sensacionalistas que viralizam, mesmo que esvaziados de conteúdo ou, pior, recheados de mentiras. Muitos usam a visibilidade para atacar adversários com acusações caluniosas, distorcer fatos ou simplesmente transformar o debate público em espetáculo de baixíssimo nível. O confronto substitui o diálogo.

Ao mesmo tempo, influenciadores vendem produtos “milagrosos” sem qualquer respaldo técnico, divulgam métodos de emagrecimento ou de suplementação sem serem nutricionistas ou médicos, recomendam tratamentos e diagnósticos como se fossem especialistas, entre outras aberrações. Tudo pelo engajamento. A desinformação, nesses casos, nem sempre é erro, mas estratégia de sobrevivência.

Diante disso, a ética na comunicação não pode mais ser uma preocupação restrita às redações. Ela se tornou uma demanda coletiva. Se todos podem publicar, todos também precisam ser responsáveis pelo que publicam. Isso não significa defender a censura ou controles estatais. Pelo contrário: a liberdade de expressão continua sendo um valor essencial. Mas, como alertava o liberal Karl Popper, “a liberdade é um valor supremo, mas não absoluto: deve ser compatível com o respeito ao outro”. Assim como John Stuart Mill via na liberdade de expressão um meio de aproximação da verdade e não o fim em si, Bucci defende a imprensa como ferramenta da democracia. “O jornalismo é uma forma de conhecimento, e sua legitimidade depende da fidelidade aos fatos e da recusa em manipular o público”, afirma ele no capítulo “Imprensa e manipulação”. Quando essa responsabilidade se perde, a liberdade de imprensa corre o risco de ser corrompida por interesses particulares.

Hoje, precisamos ir além da crítica à imprensa tradicional ou do desprezo com os produtores de conteúdo na internet. É hora de pensar em soluções. Devemos incentivar a educação midiática desde cedo para formar leitores críticos, capazes de identificar fontes confiáveis e desmascarar notícias falsas. Também é necessário repensar o papel das plataformas digitais, que se tornaram o meio principal de informação. Como escreve Bucci: “A imprensa não pode ser neutra diante da injustiça ou do arbítrio. Sua obrigação moral é com a democracia, com os direitos humanos e com a dignidade do outro”. Esse compromisso, antes restrito aos jornalistas, é agora responsabilidade de todos nós.

*Natália Ribeiro é jornalista e membro do IFL.

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