Civilidade jurídica

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Muito se enaltecem a Constituição e a atuação do Poder Judiciário como uma espécie de ápice do ideal civilizatório.

Contudo, tantas vezes já se viu que uma Constituição extensiva e excessivamente principiológica, aliada a um Poder Judiciário ativista, não significam muita coisa, na verdade podem representar inclusive um golpe ao Estado de Direito!

O Terceiro Reich manteve uma complexa estrutura jurídica, dotada de códigos, juízes e tribunais. Os nazistas chegaram ao poder por meios em grande parte legais, e Carl Schmitt, o mais notório dos juristas alemães, ofereceu a base teórica para que os tribunais se sentissem legitimados a suspender as liberdades em nome de uma ideia mística de unidade do povo e da autoridade do Führer.

Os tribunais soviéticos nunca deixaram de celebrar seus rituais formais: julgamentos encenados, confissões extraídas sob tortura, sentenças proferidas em nome da “justiça popular”, pantomimas legais em que aplicavam a lei de acordo com os grandes objetivos do sistema.

Tudo feito dentro da ordem, em nome da ordem e visando à ordem.

O itinerário é sempre o mesmo: concentrar-se na ideia de exceção, construir a convicção geral de que o momento presente é excepcional e que exige uma atuação dura e exemplar das Cortes, que justifica inclusive e, sobretudo, a elasticidade e a arbitrariedade das interpretações da lei.

Ora: não é a existência de um sistema jurídico que assegura a liberdade e o Estado de Direito, mas a forma como esse sistema concebe a autoridade.

Frases como “se o juiz decidiu, está decidido” ou “decisão não se discute, se cumpre” resultam da fantasia de que, se há Judiciário, há justiça, legalidade e respeito ao Estado de Direito. Nada mais falso.

Devendo ser cumpridas ou não as decisões, o cidadão tem todo o direito de discuti-las sob o ponto de vista de sua legitimidade e conformidade ao que estabelece a lei.

A experiência americana, a mais longeva democracia constitucional do Ocidente, não por acaso se ancora na tripartição dos poderes, no governo limitado pela lei e no respeito e aplicação do texto constitucional tal como concebido por seus fundadores.

E, como séculos depois enfatizou Antonin Scalia, um dos Justices da Suprema Corte: “A Constituição é uma lei — e não um texto vago à espera de um intérprete iluminado.”

A previsibilidade do direito não é um detalhe técnico, mas seu fundamento. As leis são o que está escrito, não o que os juízes acham que está escrito ou o que deveria estar escrito.

Um regime claramente autoritário, porém com regras bem definidas, acaba sendo menos opressor do que aquele em que tudo depende da interpretação deliberada e casuística dos juízes. Ao menos o indivíduo sabe, no primeiro cenário, com o que está lidando.

O atual e disseminado ativismo judicial, que transforma o juiz em legislador moral, dotado de um mandato implícito para, acima dos demais poderes, recivilizar e reordenar a sociedade, definir políticas públicas, redesenhar instituições e reordenar relações sociais, vem a ser a mais absoluta corrupção dos valores e concepções que fizeram a força e a longevidade das democracias liberais, especialmente a americana.

Os liberais sabem há muito: o poder corrompe, o poder absoluto corrompe absolutamente e conduz a delírios autorreferenciais de grandeza e onipotência, nublando a capacidade de dialogar com a realidade.

É o que temos visto.

*Sergio Lewin – Advogado e Fundador da Lexum.

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A Lexum é uma associação dedicada à defesa da liberdade e do Estado de Direito no Brasil. Fundamentamos nossa atuação em três princípios essenciais: (1) o Estado existe para preservar a liberdade; (2) A separação de poderes é essencial para a nossa Constituição Federal; e, (3) A função do Judiciário é dizer o que a lei é, não o que ela deveria ser. Promovemos um espaço para advogados liberais clássicos, libertários e conservadores, estimulando o livre debate e o intercâmbio de ideias.

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