A voz da liberdade: Churchill, Madison e o erro histórico de Alexandre de Moraes
“Na entrevista que concedeu à The New Yorker, o ministro Alexandre de Moraes afirmou que “os nazistas teriam conquistado o mundo se tivessem o X”, numa alusão direta à rede social de Elon Musk. A frase, provocativa e midiaticamente eficaz, revela, no entanto, uma profunda incompreensão da história do século XX e uma visão preocupante sobre os fundamentos da liberdade em uma democracia.
Comecemos pelo essencial: os nazistas não precisavam de redes sociais livres — porque jamais tolerariam a existência de uma. O regime de Adolf Hitler foi erguido sobre o controle total da comunicação. Joseph Goebbels, ministro da propaganda, compreendia perfeitamente o risco representado pela liberdade de expressão. Por isso, dominou os jornais, o rádio, o cinema e o teatro. A máquina nazista não se alimentava da controvérsia, mas do silêncio imposto ao dissenso. Sua força estava na ausência de vozes alternativas, na eliminação do debate, na supressão da dúvida.
Comparar isso a uma rede como o X — marcada justamente pelo pluralismo, pelo confronto e, sim, até pelo excesso — é inverter a lógica dos fatos. O X representa o que Goebbels mais temia: um ambiente em que o Estado não detém o monopólio da narrativa.
Essa inversão não é apenas um erro de interpretação. É uma tentativa de legitimar o controle da palavra com o pretexto de proteger a democracia — o que, ironicamente, foi exatamente o que regimes autoritários fizeram ao longo da história.
A imagem que desmonta toda essa construção está registrada no prefácio de Never Give In!, coletânea de discursos de Winston Churchill, organizada por seu neto. O autor narra o testemunho de uma mulher alemã que, durante a guerra, ouvia escondida as transmissões da BBC. Ela não compreendia o inglês. Mas sabia — pela firmeza e pelo tom da voz — que aquilo era liberdade. Aquela era a presença de algo maior do que o medo: a verdade.
Não foi o silêncio que derrubou o nazismo. Foi a persistência da palavra livre. Não foi a censura que protegeu o Ocidente. Foi a coragem de falar, mesmo quando ouvir era proibido.
Esse episódio real nos remete à concepção original da liberdade de expressão, tal como formulada por James Madison, arquiteto da Primeira Emenda da Constituição americana. Para Madison, o direito de expressão não existe para proteger ideias populares ou confortáveis — mas exatamente para limitar o poder daqueles que querem decidir o que pode ser dito e o que deve ser calado.
Em 1799, Madison escreveu:
“O povo não deverá ser privado nem ter restringido seu direito de falar, escrever ou publicar seus sentimentos; e a liberdade de imprensa, como um dos grandes baluartes da liberdade, deverá ser inviolável.”
A frase poderia ser dirigida diretamente ao presente. A tentativa de vincular a liberdade de expressão à ascensão do nazismo é mais do que anacronismo: é um argumento perigoso, porque inverte o eixo de proteção da Constituição. Em vez de garantir o direito de cada cidadão se expressar livremente, sob risco do Estado, transfere-se ao Estado o poder de decidir quem pode falar — e sobre o que.
A Primeira Emenda americana, tão cara a Madison, não nasceu para ser flexível. Ela nasceu para ser um limite rígido ao governo. Seu espírito deveria inspirar qualquer democracia constitucional séria: não cabe ao Estado dizer o que é verdade. Cabe ao povo decidir, em liberdade.
A censura, ainda que travestida de “regulação responsável”, continua sendo censura. E, como a história mostrou, sempre começa com o pretexto de “proteger a democracia” e termina com a destruição dela. A fala de Moraes é mais um passo nesse caminho tortuoso, em que os juízes se colocam como intérpretes morais da liberdade alheia — enquanto a própria Constituição se cala diante da exceção permanente.
Que nunca nos esqueçamos da mulher alemã, sem inglês, ouvindo Churchill: porque ali estava a essência da liberdade — não na compreensão, mas no direito de ouvir.
*Leonardo Corrêa – Advogado, LL.M pela University of Pennsylvania, Sócio de 3C LAW | Corrêa & Conforti Advogados, um dos Fundadores e Presidente da Lexum.