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Profeta Ezequiel: responsabilidade individual e propriedade privada no Antigo Testamento

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ezekielAntes de tudo o mais, vale dizer que quem aqui escreve não é católico, nem adepto de igreja reformada, nem tampouco judeu; minha crença é outra. Assim sendo, nada do que direi se baseia em qualquer técnica hermenêutica ou exegética ao estilo das igrejas cristãs, ou em alguma tradição interpretativa rabínica. Quem escreve, entretanto, é alguém que, independente disso, reconhece o valor da tradição judaico-cristã para a civilização ocidental. Em minhas leituras da Bíblia, identifiquei que, entre os diversos textos bíblicos que podem ser entendidos como matrizes para valores substantivos dessa civilização, especialmente de um ponto de vista mais propriamente liberal, o livro do profeta Ezequiel, no Antigo Testamento, traz contribuições interessantes que achei por bem dividir com os leitores.

O individualismo metodológico e de responsabilidades fica claro no capítulo 18. Selecionamos alguns trechos:

“A palavra do Senhor foi-me dirigida nestes termos: ‘Por que repetis continuamente este provérbio entre os israelitas: Os pais comeram uvas verdes, mas são os dentes dos filhos que ficam embotados? Por minha vida (…) não tereis mais ocasião de repetir este provérbio em Israel. É a mim que pertencem as vidas, à vida do pai e a vida do filho. Ora, é o culpado que morrerá.

O homem justo, que procede segundo o direito e a equidade, (…) que não oprime ninguém, que restitui o penhor ao seu devedor, que não exerce a rapina, que dá seu pão aos famintos e cobre com vestimenta o que está nu, (…) esse homem é um justo: certamente viverá. (…)

Porém, se esse homem gerou um filho violento e sanguinário, que comete (contra seu irmão) uma destas faltas – embora ele próprio não tenha cometido nenhuma; um filho que come nas montanhas e desonra a mulher do próximo, que oprime o infeliz e o indigente, (…) esse rapaz não poderá permanecer em vida. Após as abominações que houver cometido, ele deve perecer, e seu sangue recairá sobre ele. Se, pelo contrário, o homem gerou um filho que, à vista de todas as faltas cometidas por seu pai, tem cuidado para o não imitar, um filho que não come nas montanhas e não volve os olhos para os ídolos da casa de Israel, que não desonra a mulher do próximo, não oprime ninguém, e não retém o penhor, (…) – esse filho não perecerá pelas iniquidades de seu pai, mas certamente viverá. É seu pai que, pelas violências e rapinas que cometeu contra o próximo e pelo mal que fez no meio do seu povo, é este que há de perecer por causa de suas faltas. (…)

É o pecador que deve perecer. Nem o filho responderá pelas faltas do pai nem o pai pelas do filho. É ao justo que se imputará sua justiça, e ao mau sua injustiça.”

O que temos são passagens muito objetivas que transmitem para os indivíduos a responsabilidade direta pelos seus atos, certos ou errados; não importa discutir aqui, volto a frisar, as crenças ou problemas teológicos a respeito da natureza das punições e recompensas divinas aos erros e acertos humanos, ou mesmo se Deus existe ou não. Trata-se de um detalhe cultural: o componente judaico da matriz do Ocidente já aparece trazendo, há séculos, uma fonte inspiradora dessas ideias que tantas conquistas motivaram.

Ainda em Ezequiel, encontramos, no capítulo 46, a partir do versículo 16, que figura prescrições de organização social, mais esta passagem:

“Eis o que diz o Senhor Javé: ‘Se o príncipe fizer a um de seus filhos uma doação do seu domínio, esse donativo pertencerá a seus filhos a título de propriedade patrimonial. Se fizer semelhante donativo a um de seus servidores, a doação pertencerá também a este, mas unicamente até o ano da libertação no qual ela retornará ao príncipe. É só a seus filhos que continuará como herança. O príncipe não usurpará nada do patrimônio do povo, despojando-o de alguma de suas propriedades; ele constituirá um patrimônio a seus filhos unicamente de sua propriedade, a fim de que ninguém dentre o meu povo seja privado de suas posses.”  

O trecho expressa uma clara sustentação da propriedade privada. Limita a expressão potencialmente tirânica do poder do príncipe, que então representaria a força do Estado, sobre os bens materiais e propriedades dos seus “súditos”. Já nesse texto bíblico, portanto, temos resguardadas as dimensões dos direitos individuais de uso e disposição de recursos, a necessidade imperiosa de respeitá-los. Os pronomes possessivos já se fazem presentes; “suas posses”. Estamos diante de um conceito, portanto, que já nos acompanha há muito, muito tempo.

Dividimos essas interessantes referências apenas para chamar a atenção para o fato de que, dessa ou daquela maneira, as boas ideias estão, mais ou menos bem expressas, com clareza ou em gérmen, atravessando os tempos, antes de serem solidamente concretizadas na prática e na organização social. É por isso que devemos, na intenção de desfraldar essas mesmas boas ideias e esses mesmos bons princípios, em primeiro lugar, identificá-los, e esse fato é uma evidência forte a seu favor; em segundo lugar, manifestar algum respeito pelo patrimônio cultural e histórico que os legou e possibilitou.

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Lucas Berlanza

Lucas Berlanza

Jornalista formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), colunista e presidente do Instituto Liberal, membro refundador da Sociedade Tocqueville, sócio honorário do Instituto Libercracia, fundador e ex-editor do site Boletim da Liberdade e autor, co-autor e/ou organizador de 10 livros.

3 comentários em “Profeta Ezequiel: responsabilidade individual e propriedade privada no Antigo Testamento

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    16/06/2015 em 11:32 pm
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    Se bem o colunista percebeu, o profeta Ezequiel falava sem rebuscamentos semânticos filosóficos típicos daqueles que destrincham uma enciclopédia vernácula que nem ele mesmo entende, ficando o dito pelo não dito de forma que a rica mensagem fica na dialética dos doutores da lei e não alcança os baldos de inteligência; ou seja – esnobou sabedoria e não disse nada. O que quero dizer é que o profeta falou para as massas na linguagem típica da época e quis somente dizer que o todo cidadão tem direito a vida, a propriedade privada sem ter quer pagar ou se submeter aos poderosos, como bem disse: “O príncipe não usurpará nada do patrimônio do povo, despojando-o de alguma de suas propriedades; ele constituirá um patrimônio a seus filhos unicamente de sua propriedade, a fim de que ninguém dentre o meu povo seja privado de suas posses.” ou seja o criador não determinou que esta ou aquela localidade pertença a quem quer que seja, mas a todos indistintamente, com isso, já combatia os latifúndios que se criaram depois disso. Em outras palavras todos tem direito de usufruir os bens da terra, assim como os animais desfrutam o seu uso para as suas necessidades fundamentais de sobrevivência sem precisar prestar contas a ninguém. Logo, Ezequiel foi um dos precursores da doutrina do “COMUNISTA SOCIALISTA”. Lenine, mais tarde, apenas a adaptou aos tempos modernos; que foi e continua sendo prontamente torpedeada pelos amigos de Marx, o capitalismo predador, que cresceu a custa da miséria humana, tal como dizia o profeta, usurpando o direito a livre moradia.

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      17/06/2015 em 4:56 pm
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      Análise mais tosca que esta não há!
      Pelo jeito de profeta e kurumim todo têm um pouco, quiça você!

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        21/06/2015 em 11:51 am
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        O verdadeiro profeta sabe que muitas vezes é “MELHOR FICAR CALADO E PASSAR POR IGNORANTE, DO QUE ABRIR A BOCA (ou escrever) E ACABAR COM A DÚVIDA”. A bíblia toda é um livro histórico muito lido e pouquíssimo compreendido, até pelos pseudos sábios teólogos, além de ser um tratado de psicologia social que contém a chave do verdadeiro sistema social que os homens relutam em colocar em ação, por que compromete seus mesquinhos interesses materiais, que só tem levado os “humanos” ao extermínio sistemático em busca da ilusória fantasia da riqueza material; porque ao deixarem esse mundo, nada leva, mas deixa disseminando fratricidas disputas pelas suas heranças. Isso também esta escrito em Ezequiel, mas é só para quem tem olhos de ver e ouvidos de ouvir, e… inteligência para discernir.

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