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Sobre casamento gay e liberdade de expressão na visão liberal

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expresscasmgayTivemos nessa semana, no Brasil e no mundo, casos emblemáticos na discussão sobre casamento gay e liberdade de expressão a favor e contra esse direito.

Domesticamente, Levy Fidélix, candidato à Presidência da República no ano passado, foi condenado a pagar um milhão de reais por ter dito, em debate político, que aparelho excretor não gera filhos. Na mesma segunda, a TV Globo levou ao ar uma cena na nova novela das nove, onde duas atrizes com idade bastante avançada, Fernanda Montenegro e Nathalia Timberg, se beijam ostensivamente, caracterizando assim para o público seu relacionamento idoso lésbico.

No exterior, o famoso estilista Domenico Dolce, em entrevista na semana passada, embora homossexual, defendeu o modelo tradicional de família, apontando consequências psicológicas ruins para crianças adotadas por casais homossexuais e afirmando que o modelo tradicional foi uma construção social histórica testada por muito tempo, sendo a base de uma sociedade sadia. O músico Elton John, que é casado e tem filhos com seu marido (obviamente que através de uma mãe de aluguel), lançou uma campanha de boicote aos produtos “Dolce & Gabbana”, cuja marca pertence ao estilista. Ontem, Stefano Gabbana, estilista sócio de Dolce e também homossexual, saiu em defesa de Dolce, argumentando pela liberdade de expressão de homossexuais em defesa da família tradicional, além de afirmar que concorda na matéria com Dolce e chamar Elton John de homossexual intolerante com quem pensa diferente.

Vamos apresentar uma concreta perspectiva liberal sobre o caso.

Primeiramente sobre o casamento gay, a melhor posição liberal sobre o tema é no sentido de que direitos civis devem ser iguais para todos os indivíduos, independentemente de opção sexual. No entanto, isso não significa necessariamente uma defesa ao casamento gay. De fato, a melhor visão liberal é pela inexistência de qualquer tipo de casamento estatal, seja ele hétero ou homossexual, devendo ser disponibilizado pelo Estado apenas a possibilidade de um contrato de união familiar livre. Essa afirmação merece melhor explicação.

Historicamente, o casamento foi construído como um contrato pelo Direito Romano, e desse contrato se originava uma família, formada entre um homem e uma mulher. Esse modelo subsistiu ao longo dos séculos e foi reforçado pelo cristianismo, incorporado pela Igreja Católica como sacramento, sendo um reflexo, na vida do católico, do casamento do Pai, Deus, com a mãe, Igreja. Em ambos os casos, mostra-se o caráter privado do casamento, e não público.

Esse caráter privado do casamento foi ruindo no último século, através dos movimento de laicização do Estado e da demanda social por um casamento que não fosse ligado a nenhuma religião. Os Estados laicos então passaram a fornecer um modelo de casamento civil para formação familiar com regras expedidas pelo próprio poder público, e como o poder público é regido por interesses políticos, o casamento estatal teve regras autoritárias e modelos rígidos, como, por exemplo, no caso de regimes de bens. O casamento cada vez mais deixou de ser um contrato, de livre disposição dos contraentes e com termos livremente acordados, e passou a ser um instituto legal autônomo, com fortes normas de ordem pública impostas pelo Estado. Dada a forte presença da cultura heterossexual, que é comprovadamente eficaz na estabilização das relações sociais, não foi permitido o casamento homossexual. O casamento heterossexual se impôs como norma de ordem pública.

Com a mudança cultural recente e a reivindicação de grupos minoritários homossexuais em todo o mundo ocidental (no mundo árabe ser homossexual, em regra, tem como penalidade a morte), os Estados passaram a, cada vez mais, transformar em lícito o casamento gay. Os grupos organizados homossexuais agora passam a pressionar para que entidades religiosas sejam obrigadas a realizar casamentos religiosos entre homossexuais, mesmo contra a doutrina interna e privada das religiões.

Como o liberalismo defende a maximização dos direitos civis e a liberdade contratual e religiosa, a melhor forma para pacificar a guerra entre religiosos e homossexuais é a desestatização com total contratualização das relações humanas. Cada indivíduo seria livre para contratar com outro a criação da sua unidade familiar, sem normas de ordem pública (a não ser as de limite de idade), de forma que cada um saiba o modelo que quer para si, e o que é mais importante, escolher as repercussões desse contrato no campo patrimonial e previdenciário.

Já o casamento seria revigorado como instituição religiosa e privada, consagrado pelas igrejas em suas regras próprias, mas sem nenhuma repercussão civil para quem o contrair. Ou seja, os efeitos de um casamento religioso seriam apenas… religiosos! No entanto, como atividade privada, o Estado não poderia interferir nas regras próprias de cada igreja no que tange a permissão ou não de casamentos homossexuais.

Com isso, ficaria preservado o caráter santo do casamento para os religiosos e, no que tange à sociedade civil como um todo, cada um realizaria o contrato de união familiar que desejasse, sem que isso fosse considerado casamento aos olhos religiosos, instituindo-se assim um sistema de ampla isonomia e liberdade civil além de real separação entre igrejas e Estado.

No que tange à liberdade de expressão, o liberalismo defende a sua máxima extensão, até mesmo para se falar coisas que desagradem terceiros. O limite liberal de atuação humana na liberdade do outro é o chamado “princípio da não-agressão”, mas, para a maior parte da doutrina liberal moderna, essa agressão está circunscrita à atividade física, sendo que o ataque verbal, por ser demasiadamente subjetivo e impossível de ser medido, nunca pode ser considerado verdadeira agressão. A melhor doutrina liberal é, então, no sentido de liberdade total de expressão, ainda que isso possa ofender terceiros. A liberdade total de expressão é a base da verdadeira democracia, pois sem debate de ideias, por mais tola que possa a ideia ser, não há como se embasar um sistema político, jurídico e econômico legitimamente construído por todos.

Para muitas pessoas, principalmente para homossexuais, as ideias conservadores dos gays Dolce e Gabbana podem parecer tolas e retrógradas, como foi a interpretação de Elton John. No entanto, liberdade pressupõe responsabilidade, e a liberdade de expressão pressupõe responsabilidade com o que é dito. Assim como Dolce e Gabbana não agrediram Elton John, a campanha de boicote do músico também não agride os estilistas. Na verdade, o mesmo fundamento de liberdade que suporta as atitudes de Dolce e Gabbana, legitimam o direito de Elton John a organizar boicotes de maneira não-violenta. Ambos têm direito de exercer sua cidadania como lhes aprouver, desde que não se engajem em atos de violência uns contra os outros.

Parece ser bastante diferente a atitude legítima de Elton John em comparação à violenta atitude do Ministério Público e do movimento gay brasileiro contra Levy Fidélix. Seria totalmente legítimo, na visão liberal, que o movimento gay boicotasse Levy, não votando nele, ou não o contratando para fins pessoais e/ou profissionais. No entanto, usar a máquina estatal, que é um instrumento de coerção organizada, para extrair violentamente de Levy parte do seu patrimônio por expressar uma opinião, é o que há de mais politicamente anti-liberal, e é, em suma, a antítese do que um Estado Democrático de Direito deveria pregar e realizar. O movimento gay brasileiro acabou sendo o algoz violento de uma vítima pacífica que apenas expressou uma opinião com termos pouco educados, além de infeliz, ao nosso ver.

Em suma, a melhor maneira de resolver os dois casos em comento, tanto a legalização de relações livres homossexuais como a campanha contra essas relações, é através de mais liberdade para todas as partes, religiosos e homossexuais, e não menos, como andamos vendo, lamentavelmente, nos últimos tempos.

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Bernardo Santoro

Bernardo Santoro

Mestre em Teoria e Filosofia do Direito (UERJ), Mestrando em Economia (Universidad Francisco Marroquín) e Pós-Graduado em Economia (UERJ). Professor de Economia Política das Faculdades de Direito da UERJ e da UFRJ. Advogado e Diretor-Executivo do Instituto Liberal.

7 comentários em “Sobre casamento gay e liberdade de expressão na visão liberal

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    24/03/2015 em 12:04 pm
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    Ótimo texto. Sou totalmente de apoio.

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    22/03/2015 em 4:13 pm
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    Da coluna de Elio Gaspari:

    “Geraldo? Não, Vera

    “Vem aí mais uma barulheira. O Conselho de Combate à Discriminação dos Direitos de Gays, Lésbicas, Travestis e Transexuais determinou a todas as escolas do país, inclusive as religiosas, que mudem algumas normas de funcionamento.

    “Se o estudante Geraldo quiser ser chamado de Vera, por Vera deverão chamá-lo, inclusive nos documentos. Se Daiane quiser ser Sebastião, dá-se o mesmo.

    “Se a escola tem uniforme, Geraldo poderá se vestir de Vera e Daiane, de Tião.

    “A medida vale inclusive para adolescentes, sem que seja necessária a autorização dos pais.”

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    20/03/2015 em 10:38 pm
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    Não sei se o termo “discurso de ódio” tem juridicamente algum significado muito diferente do que parece significar. Para mim ficou claro o seguinte: Levy não gosta de gays, considera homossexualismo uma problema psicológico e não é a favor de casais gays. Eu estou procurando o ódio no discurso do político até agora e não achei. A fala dele, por mais equivocada que possa estar, está mais para zombaria do qualquer outra coisa; parece uma sátira.

    https://www.youtube.com/watch?v=VI60G2Z10KM

    Levy tem mais de 60 anos de vida. É bastante tempo. Alguém tem conhecimento de ele ter cometido (ou incentivado cometer) alguma violência física contra gays ou algo do gênero? Ele é uma pessoa pública que, após essas declarações polêmicas, deve ter tido sua vida pregressa devassada pela imprensa em busca de um sinal de homofobia. Que eu saiba nada acharam para usar contra ele, a não ser o fato de ele não gostar de veados –o que de forma alguma poderia ser crime, assim como, por ex., não gostar de liberais também não o pode ser.

    Agora, veja se este quadro da Escolinha do Professor Raimundo, do início da década de 1990, poderia ser passado na tv hoje em dia. Há outros no Youtube.

    https://www.youtube.com/watch?v=Hed11-HJjVg

    Em apenas 20 anos grupos organizados conseguiram mudar o que é aceitável ou não ser dito abertamente. Por acaso na época do Escolinha havia aumento de violência contra gays em consequência desse quadro? Chico Anysio por acaso era um homofóbico que usava o seu programa para estimular a violência contra gays? Óbvio que não. Tudo o que era dito no programa era levado na brincadeira, afinal era um programa de humor.

    O curioso é que pessoas que não viam o menor problema nesse quadro naquela época, hoje não veem com bons olhos esse tipo de coisa, talvez por influência da gritaria LGBT e do politicamente correto. Isso serve para não subestimarmos a capacidade de grupos organizados, como por ex. os de gays, cotistas, de mudar a cultura, os costumes de uma sociedade, sob alegações na maioria das vezes estapafúrdias. Hoje em dia mesmo, no Rio e em Sampa há passeatas enormes em favor de gays etc., as quais ocorrem sem maiores problemas, e ainda assim há o discursinho coitadista e oportunista de discriminação. Finalmente, abaixo um pouquinho da estupidez atual de um desses grupos (“Quando o oprimido fala, o opressor cala a boca”).

    https://www.youtube.com/watch?v=P0qAvA8tDOc

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    20/03/2015 em 1:30 pm
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    Maravilhoso ler, sábias considerações sobre Democracia. Meus parabéns!

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    19/03/2015 em 5:19 pm
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    Irretocável.
    Parabéns!

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    19/03/2015 em 5:04 pm
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    Parabéns pelo seu texto Bernardo. Pontual.

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    19/03/2015 em 4:45 pm
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    Sensacional seu texto!

Fechado para comentários.

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