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De Bastiat para os socialistas

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Rodrigo Constantino nos lembra que hoje comemora-se o aniversário de nascimento do grande, do inigualável Frédéric Bastiat.  Como fã de carteirinha daquele imenso personagem histórico, não poderia deixar de prestar também a minha homenagem, na forma de uma mensagem aos esquerdistas, cujas passsagens e ideias, na sua maior parte, foram retiradas do ensaio “Justiça e Fraternidade”, publicado originalmente, em 1848, no Journal des Économistes.

Prezados camaradas socialistas:

Qualquer um que se atreva a defender os princípios do liberalismo nesta nossa sociedade virtualmente arrebatada pela cultura esquerdista, onde o discurso prevalece sobre as atitudes e as versões têm peso maior do que os fatos, é imediatamente tachado de egoísta, ganancioso, sem coração e outras alcunhas não menos ofensivas. As pechas sobre mim lançadas, carrego-as até com certa tranqüilidade, principalmente porque acredito naquilo que defendo. Ademais, não ganho absolutamente nada com essa, digamos, “ideologia política”, exceto, é claro, a satisfação do dever cumprido. Procuro manter, até onde a minha paciência frente à ignorância e a desonestidade intelectual permite, uma atitude tolerante com as opiniões contrárias.

Algumas críticas – talvez o mais correto fosse dizer censuras -, no entanto, ainda machucam um pouco. Não pelo teor das mesmas, já que os argumentos não fogem muito do habitual e praticamente já os conheço todos, mas porque partem de pessoas que me são caras; de gente cujas opiniões têm algum peso. É esses que dirijo estas linhas, na esperança de que possam entender um pouco melhor o meu pensamento.

Antes de mais nada, é necessário dizer que, malgrado não façamos uso dessas palavras rotineiramente, nós liberais também saudamos com emoção as virtudes da caridade, da solidariedade e da justiça. Conseqüentemente, desejamos ver os indivíduos, as famílias e as nações associarem-se e cada vez mais ajudarem-se mutuamente. Comovem-nos, tanto quanto a qualquer mortal de bom coração, os relatos de ações generosas e a sublime abnegação de algumas belas almas em prol dos mais necessitados.

Além disso, a maioria de nós quer muito acreditar nas boas intenções desses que pretendem extinguir dos corações humanos o sentimento de interesse, que se mostram tão impiedosos com aqueles que apelam ao individualismo e cujas bocas se enchem incessantemente das palavras abnegação, sacrifício, solidariedade e fraternidade. Queremos sinceramente admitir que eles obedecem exclusivamente a essas sublimes causas que aconselham aos outros; que eles dão exemplos tão bem quanto conselhos; que colocam as suas próprias condutas em harmonia com as doutrinas que defendem; queremos muito crer que suas palavras são plenas de desinteresse e isentas de hipocrisia, arrogância, inveja, mentira ou maldade.

Sim, pois cada um desses senhores tem um plano para realizar a felicidade humana, sempre apoiados na máxima de que é possível construir e planificar estruturas e relações sociais até alcançar o ideal da sociedade perfeita, da solidariedade, da caridade e da justiça social, ainda que para isso seja necessário o uso dos meios mais obscenos. Por conta desses ideais supostamente altruístas, se dão o direito de acusar aqueles que os combatem de egoístas, mesquinhos, interesseiros, etc. Essa, porém, é uma acusação injusta, pois se nos fosse demonstrado que é viável fazer descer para sempre a felicidade sobre a terra, através de uma organização social fictícia ou simplesmente decretando-se a fraternidade entre os homens, nós os acompanharíamos com imenso prazer.

Se os contestamos, entretanto, é porque temos suas idéias por falsas e seus projetos por tão pueris como desastrosos. Nunca nos foi demonstrado que a caridade se possa impor, pois onde quer que ela se manifeste só pode ser espontânea ou não é caridade. Decretá-la é o mesmo que aniquilá-la. Se a fraternidade suscita vivamente a nossa simpatia é justamente porque atua fora de toda coação legal. Se a lei raramente pode forçar o homem a ser justo, jamais conseguiria forçá-lo a ser abnegado.

Quando a caridade é livre, espontânea e voluntária, a concebemos e aplaudimos. Admiramos tanto mais o sacrifício que é mais completo. Mas quando se propõe a uma sociedade o princípio de que a fraternidade será imposta pela lei, vale dizer, que a repartição dos frutos do trabalho será feita legislativa e arbitrariamente, sem consideração pelos direitos inerentes ao próprio trabalho, quem pode dizer em que medida este princípio atuará? De que forma um mero capricho do legislador não poderá subvertê-lo?

Quando se admite, como regra geral, que o Estado estará encarregado de fazer a fraternidade em favor dos cidadãos, não é difícil antever que todos serão transformados em suplicantes. Que todos se agitarão para reclamar os favores do Estado. Todos terão boas razões para provar que a caridade legal deve ser entendida no seguinte sentido: “as vantagens para mim e as cargas para os outros”. O esforço de cada um será no sentido de arrancar do legislador um fragmento do privilégio “fraternal”. Por certo, as classes menos favorecidas, ainda que tenham os maiores títulos, não terão sempre os maiores êxitos.

Se fosse possível decretar a fraternidade universal; se, como querem muitos, conseguíssemos fazer desaparecer do mundo, por um mero estalar de dedos, o interesse pessoal; se fosse possível estabelecer que não haveria mais egoísmo; se pudéssemos operar o milagre de fazer com que o Estado desse tudo a todos, sem tomar nada de ninguém, que se fizesse, então. Quem não se regozijaria de que a humanidade chegasse à perfeição e à felicidade por um caminho tão curto e tão fácil?

Quem não gostaria de jogar sobre as costas do Estado a subsistência, o bem-estar e a educação de todos? De transformar o Estado nesse ser generoso, criativo, presente em tudo, abnegado em tudo, capaz de amamentar a infância, instruir a juventude, assegurar trabalho aos fortes, dar retiro aos débeis, que pudesse intervir diretamente para aliviar todos os sofrimentos, satisfazer e prevenir todas as necessidades, abastecer de capitais a todas as empresas, de luzes a todas as inteligências, de bálsamo a todas as feridas, de asilo a todos os infortunados?

Quem não gostaria de ver todos esses benefícios fluir da lei como uma fonte inesgotável? Quem não estaria feliz de ver o Estado assumir sobre si toda a pena, toda previsão, toda responsabilidade, todo dever, tudo isto que a providência, cujos desígnios são impenetráveis, colocou de laborioso e pesado a cargo da humanidade, e reservar aos indivíduos de que ela se compõe o lado atrativo e fácil; as satisfações, as certezas, a calma, o repouso; um presente sempre seguro, um futuro sempre sorridente, a fortuna sem cuidados, a família sem cargas, o crédito sem garantias, a existência sem esforços?

Certamente quereríamos tudo isso, se fosse possível. Mas, será possível? Eis a questão. Cremos que existe nesta personificação do Estado a mais estranha e a mais humilhante das mistificações. Que seria então este Ente que toma a seu cargo todas as virtudes, todos os deveres, todas as liberalidades? De onde sacaria seus recursos para derramá-los em benefícios sobre os indivíduos? Não seria dos próprios indivíduos? Como poderiam estes recursos multiplicarem-se passando pelas mãos de um intermediário parasitário e voraz? Não é claro que esse mecanismo é de natureza que absorve muito das forças úteis e reduz muito a parte dos trabalhadores?

A caridade implica sempre a idéia de abnegação, de sacrifício, e por isso não se manifesta sem arrancar lágrimas de admiração. Se transformarem a fraternidade numa prescrição legal, cujos atos sejam previstos e obrigatórios, que restará desta definição? Nada mais que uma coisa: o sacrifício, mas o sacrifício involuntário, forçado, determinado pelo medo do castigo. E, de boa fé, que seria um sacrifício desta natureza, imposto a uns em proveito de outros? Seria caridade? Não, seria injustiça, seria espoliação legal, a pior das espoliações, posto que sistemática, permanente e inevitável.

Eis então a síntese de toda a nossa controvérsia. Enquanto vocês buscam o ideal utópico da sociedade perfeita nos inúmeros planos e esquemas artificiais, nós, por outro lado, encontramos a harmonia na natureza do homem e das coisas. Simplesmente, não concordamos que se coloque a arbitrariedade, o imposto e a coação acima da liberdade individual. Não podemos admitir que se tire, de cada trabalhador, o direito universal e inalienável de utilizar os frutos do próprio trabalho da forma que melhor lhe convier.

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João Luiz Mauad

João Luiz Mauad

João Luiz Mauad é administrador de empresas formado pela FGV-RJ, profissional liberal (consultor de empresas) e diretor do Instituto Liberal. Escreve para vários periódicos como os jornais O Globo, Zero Hora e Gazeta do Povo.

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