Como ‘As Seis Lições’ de Mises podem transformar seu entendimento de Economia e Liberalismo

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Introdução

“As Seis Lições” é uma obra baseada em uma série de palestras que o economista austríaco Ludwig von Mises proferiu na Argentina em 1959. O livro é uma introdução acessível às ideias de Mises, voltada para iniciantes em economia e liberalismo. Com uma linguagem menos técnica e mais direta, a obra oferece uma visão geral dos princípios econômicos e sociais defendidos pelo autor, principalmente aos temas abordados por ele em sua Obra Magna, “Ação Humana”, publicada cerca de dez anos antes.

  1. Capitalismo

Na primeira lição, Mises explora o conceito de capitalismo, destacando suas características e benefícios. Ele compara o padrão de vida antes e depois da Revolução Industrial, mostrando como o capitalismo elevou significativamente a qualidade de vida das pessoas, especialmente da classe média baixa, possibilitando, simultaneamente, o expressivo aumento populacional, aliado à melhora na qualidade de vida de cada indivíduo. De forma geral, Mises sintetiza nesta lição os principais conceitos que ele elaborou em sua grande obra “Ação Humana”, lançada há cerca de uma década antes das palestras que deram origem a este livro.

Mises também aborda a soberania do consumidor, explicando que, no capitalismo, a riqueza é obtida ao atender às demandas das massas. Além disso, ele discute a mobilidade social, argumentando que o capitalismo permite que indivíduos de origens humildes ascendam economicamente, algo que era praticamente impossível em sistemas anteriores como o feudalismo.

Algo muito interessante de se notar nesta lição é a relevância dada por Mises ao conceito de inovação (hoje tão comum e em alta). Mises aponta a inovação como a centelha que desencadeou o nascimento do capitalismo moderno. Foi a inovação dos párias da sociedade inglesa, que se propuseram a se organizar e produzir algo direcionado às massas que impulsionou o capitalismo moderno.

Claramente, inovação e evolução estão intrinsecamente ligados, de modo que, sempre que há liberdade, a inovação gera uma evolução constante e crescente como temos vivenciado nas últimas décadas. Será possível que esse novo sprint tecnológico e de inovação que temos vivido, especialmente com a Inteligência Artificial, nos levará a um novo patamar do Sistema Capitalista? Teremos liberdade o suficiente pra que essa inovação, seja, verdadeiramente, uma evolução? Cenas para os próximos capítulos.

  1. Socialismo

Na segunda lição, Mises, antes de partir para a definição de Socialismo, introduz, de forma sucinta e brilhante a explicação sobre o qual relevante é a liberdade econômica. Na visão de Mises, liberdade econômica significa, o poder, do indivíduo, de escolher o próprio modo de se integrar ao conjunto da Sociedade, isto é, por meio da liberdade econômica, o homem pode ser libertado de forma mais ampla, de suas condições naturais, sendo assim, verdadeiramente livre.

Ele reforça o conceito apresentado na lição anterior sobre a soberania do consumidor e aponta os problemas econômicos e sociológicos do socialismo, destacando a ineficiência e a falta de incentivos para a inovação e o progresso.

Mises aborda de forma bastante clara, o principal erro de premissa de Marx ao propor o Manifesto Comunista, ao tomar como base os problemas sociais da sociedade de status do período Feudal e não enxergar a diferença brutal que o capitalismo moderno trouxe às castas inferiores daquela mesma sociedade (i.e., a possibilidade de mobilidade social).

A partir daí, Mises vai definir o socialismo como um sistema de planejamento centralizado e totalitário, feita pelo governo. Oferecendo uma crítica perspicaz ao sistema, Mises expõe uma falha comum aos que flertam com o sistema socialista, dada sua a incapacidade de perceber que onde há centralização de mercado (ou seja, onde não há liberdade de mercado), a existência de outras liberdades individuais não passa de uma ilusão.

Mises então discorre sobre sobre diversas situações e exemplos concretos decorrentes da ideia de ter um planejamento centralizado em uma única figura, indo além da mera análise de questões financeiras e tratando também de aspectos sociais e culturais.

Por fim, Mises explica o principal erro, agora sob a perspectiva puramente econômica, de que sem preços definidos de forma livre pelo mercado (oferta versus demanda), os planejadores centrais não têm como saber quais bens são mais valorizados pelos consumidores ou quais métodos de produção são mais eficientes. Isso resulta em uma alocação ineficiente de recursos e, eventualmente, no colapso do sistema econômico como um todo. Ele também discute como o socialismo desincentiva a inovação e o empreendedorismo, criando um obstáculo natural à própria evolução da sociedade, pois não há recompensa para aqueles que assumem riscos e criam novos produtos ou serviços.

Com o ressurgimento de movimentos socialistas e debates sobre o papel do estado na economia, a crítica de Mises ao socialismo é extremamente pertinente. A discussão sobre a viabilidade do planejamento centralizado (como vemos na China, por exemplo) versus a eficiência dos mercados livres continua a ser um tema central nas políticas econômicas modernas. Isso nos leva a refletir sobre os limites do planejamento centralizado e como podemos equilibrar a potencial necessidade de intervenção estatal com a eficiência dos mercados livres. A questão central dessa discussão é imaginar como garantir que as políticas públicas propostas pelo Estado sejam efetivamente capazes de promover o bem-estar social sem sufocar a inovação e a eficiência econômica.

  1. Intervencionismo

A terceira lição trata do intervencionismo, onde Mises explica o conceito e fornece exemplos de intervenção no mercado, como o controle de preços. Ele discute os problemas que surgem quando o governo interfere no mercado, usando o exemplo específico do controle de preços do leite. Mises argumenta que fixar preços abaixo do valor de mercado leva a distorções e ineficiências econômicas.

Mises explica que o controle de preços cria escassez, pois os produtores não têm incentivos para produzir bens a preços que não cobrem seus custos. Isso leva a filas, racionamento e mercados negros. Ele também discute como as intervenções governamentais podem criar ciclos de dependência, onde cada intervenção leva a mais problemas que requerem ainda mais intervenções, resultando em um ciclo vicioso de controle estatal crescente.

Por fim, ele explica de forma muito clara uma situação extremamente evidente em nossa sociedade moderna: como se dá a criação de cartéis. Gerados pela intervenção protecionista estatal, esta situação específica é um ciclo vicioso por meio do qual são justificadas inúmeras outras intervenções estatais, o que ocorre desde a 2ª Guerra Mundial até os dias de hoje na Europa, nos EUA e também, de forma muito ampla, aqui em terras tupiniquins.

Em um mundo onde políticas de controle de preços e outras formas de intervenção estatal são frequentemente debatidas, a análise de Mises sobre os efeitos negativos dessas intervenções é altamente relevante. Exemplos contemporâneos incluem os controles de preços de medicamentos, alugueis e o protecionismo existente em várias partes do mundo. Isso nos leva a refletir sobre as consequências não intencionais das intervenções governamentais no mercado e como podemos (se e quando possível) desenhar políticas que minimizem essas distorções. A questão principal é como equilibrar a necessidade de regulação com a preservação dos incentivos de mercado que promovem a eficiência e a inovação.

  1. Inflação

A quarta lição aborda a inflação. Mises explica o que é inflação, seus problemas e fornece exemplos históricos, como o aumento dos preços na Europa devido à importação de metais preciosos das Américas e também a história por trás do fenômeno da hiperinflação na Alemanha. Ele também discute como a inflação distorce a estrutura produtiva, causando desequilíbrios econômicos.

Mises argumenta que a inflação é causada pela expansão da oferta monetária além do crescimento da produção de bens e serviços. Critica também, de forma sutil, a clara falha na concepção deste fenômeno por quem entende, de forma um tanto equivocada, que a inflação corresponde à elevação dos preços, tal como é bastante divulgado pelos veículos de mídia hoje em dia.

Certamente, conforme Mises explica, o aumento generalizado dos preços, corroendo o poder de compra da moeda, é um efeito direto do fenômeno da inflação. Ele também discute como a inflação redistribui a riqueza de maneira arbitrária, beneficiando os primeiros a receber o novo dinheiro (geralmente o governo e os bancos) às custas daqueles que o recebem por último (trabalhadores e poupadores).

Com a recente preocupação global sobre a inflação devido às políticas monetárias expansivas adotadas em resposta à pandemia de COVID-19, a análise de Mises sobre os efeitos da inflação é extremamente relevante. A discussão sobre como a inflação pode distorcer a economia é crucial para entender os desafios econômicos atuais. Isso nos leva a refletir sobre como podemos tomar medidas que sejam razoáveis e verdadeiramente eficientes para controlar a inflação sem prejudicar o crescimento econômico, bem como sobre quais são as melhores práticas para evitar as distorções causadas pela inflação. A questão crucial da economia moderna, em especial por aqui, no Brasil, é como equilibrar a necessidade de estímulo econômico com a preservação da estabilidade monetária.

Particularmente, noto que o Brasil tem um desafio ainda maior e especial com o recente desastre sem precedentes no Rio Grande do Sul, uma vez que um governo centralizador e populista, já extremamente pressionado por um grande déficit fiscal, tenderá a adotar medidas populistas e altamente inflacionárias para atuar na (extremamente urgente e necessária) reconstrução do Estado.

  1. Investimento Externo

Na quinta lição, Mises fala sobre a importância do investimento externo para o desenvolvimento econômico de um país. Ele argumenta que, para crescer, um país deve estar aberto a receber investimentos externos. Mises critica medidas protecionistas que impedem esses investimentos, usando a Argentina como exemplo de um país que, na época, era hostil ao investimento externo.

Importante notar, mais uma vez, a enorme preocupação dada por Mises em situar seus interlocutores sobre quais foram os verdadeiros impactos do capitalismo moderno, a despeito do discurso de disparidade e inadequação promulgadas pelos críticos ao sistema. O exemplo dado sobre as condições de um inglês de 1750 mostra que eram significativamente piores que as condições de um indiano naqueles dias. Essa análise é claramente e propositalmente “esquecida” pela esquerda, uma vez que são inegáveis a evolução do padrão de vida da humanidade desde o advento do capitalismo moderno.

Apesar da existência dos que são chamados países “subdesenvolvidos”, essa classificação não diz respeito à condição particular do povo ou cultura do país, mas sim à comparação entre os mercados deste país com os demais. Essa diferença, por sua vez, é, na visão de Mises, ocasionada pela diferença de investimento per capita entre as nações mais avançadas e nas nações em desenvolvimento. As diferenças entre essxes países se dão em virtude (a) do nível de segurança e liberdade dos mercados e (b) do tempo no qual o acúmulo de capital e investimento é possível em cada país.

Mises explica que o investimento externo traz não apenas capital, mas também tecnologia, know-how e acesso a mercados internacionais. Ele argumenta que as políticas protecionistas que visam a proteger as indústrias nacionais muitas vezes resultam em ineficiências e atrasam o desenvolvimento econômico, gerando distorções econômicas, criando cartéis e um ciclo vicioso em que, no senso comum, se clama cada vez mais pelo intervencionismo estatal na economia. Em vez disso, ele defende a abertura econômica e a integração nos mercados globais como caminhos para o crescimento sustentável.

Em um mundo globalizado, a discussão sobre o papel do investimento externo é crucial. Países em desenvolvimento, em particular, podem se beneficiar enormemente de investimentos estrangeiros, mas também enfrentam desafios relacionados à soberania econômica e ao controle de recursos. Isso nos leva a refletir sobre como podemos atrair investimentos externos sem comprometer a soberania econômica e quais políticas podem equilibrar a necessidade de capital estrangeiro com a proteção dos interesses nacionais. A questão é como criar um ambiente econômico que seja atraente para investidores estrangeiros enquanto se protegem os interesses estratégicos do país.

  1. Políticas e Ideias

Na última lição, Mises destaca a importância das ideias na formação das políticas e na transformação social.

Ele explica como se deu o processo de criação do welfare state e dos partidos políticos, bem como dos processos que tais fenômenos desencadearam na divulgação de ideias, visando a persuadir e convencer a população de determinados conjuntos de ideais. Explica também o processo de evolução dos partidos para os atuais “grupos de pressão”, quais sejam, aqueles que desejam obter um privilégio à custa do restante da nação, ou seja, grupos políticos que nascem com um claro viés intervencionista.

Evoluindo na análise, Mises demonstra a ineficiência dos poderes legislativos, nos quais há representantes de diversos grupos e sindicatos, não havendo apenas uma coisa que não está ali representada: a nação como um todo. Os governos modernos evoluíram, portanto, com um claro viés intervencionista, que gera distorções e problemas significativos em uma nação, como foi demonstrado na lição sobre o Intervencionismo.

Buscando alternativas ao problema do governo moderno, Mises refuta a ideia de uma ditadura (que nada mais é do que um planejamento centralizado e totalitário), uma vez que isso jamais poderia ser uma resposta para os problemas da liberdade.

Estaríamos então sem saída, à beira do declínio de nossa civilização globalizada e moderna? Mises entende que não. Ele critica essa ideia, proposta por Spengler Toynbee, voltando ao cerne da queda do que, certamente é, até os dias atuais, a principal civilização da história: o Império Romano. Segundo Mises, sua queda se deu devido à combinação fatal de excesso de Intervencionismo aliado à Inflação sem controle, que fez com que o modelo, de bastante sucesso, da divisão de trabalho propagada pelo Império, viesse ao colapso e o povo passasse a deixar as cidades e voltar para o campo buscando não morrer de fome. A partir daí, foram criadas diversas “vilas” que, por sua vez, evoluíram para os feudos medievais.

Ao olhar para esse cenário, Mises entende razoável equipararmos os mesmos problemas com os desafios atuais a ponto de nos espantarmos e pensarmos que estamos indo, inevitavelmente rumo ao mesmo destino (ou até mesmo um destino pior, visto que, agora, as decisões são tomadas de forma muito mais consciente por burocratas, escritores e professores que advogam por sistemas tais como o socialismo).

Para Mises, tudo o que ocorre hoje em nossa sociedade é fruto de ideias, sejam elas boas ou más. Portanto, para não termos um fim drástico enquanto sociedade, é crucial espalhar ideias corretas e combater ideias incorretas. Mises dá exemplos de revoluções influenciadas por ideias disseminadas por intelectuais e enfatiza que “ideias, somente ideias, podem iluminar a escuridão”.

Mises argumenta que as ideias são a força motriz por trás das mudanças sociais e políticas. Ele explica que as revoluções e transformações sociais ocorrem quando novas ideias ganham aceitação entre a população. Portanto, é crucial que as ideias corretas sejam disseminadas e que as ideias incorretas sejam refutadas. Mises enfatiza que a batalha de ideias é contínua e que a educação e o debate intelectual são fundamentais para o progresso social.

Em uma era de polarização política e disseminação rápida de informações (e desinformações), a análise de Mises sobre o poder das ideias é extremamente relevante. A batalha de ideias continua a ser um campo crucial na formação de políticas e na direção do progresso social. Isso nos leva a refletir sobre como podemos promover a disseminação de ideias corretas em um ambiente de informação saturada e quais estratégias podem ser usadas para combater a desinformação e promover um debate saudável. A questão é como garantir que o debate público seja informado por evidências e raciocínio lógico em vez de ser dominado por retóricas e desinformações.

Conclusão

As Seis Lições é uma excelente introdução às ideias de Ludwig von Mises, ideal para quem está começando a estudar economia e liberalismo. No entanto, para um entendimento mais profundo, é recomendável que os leitores avancem para obras mais detalhadas e acadêmicas do autor, como Ação Humana, Socialismo e The Theory of Money and Credit.

A obra de Mises oferece insights valiosos sobre a natureza dos sistemas econômicos e as forças que moldam a sociedade. Para além de um estudo meramente econômico, vejo nas obras de Mises uma acurácia e precisão de análise extremamente relevantes para que seja possível enxergar a antropologia e a história de forma lógica e racional e não apenas como uma série de eventos subsequentes e aleatórios que nos trouxeram até o que vivemos hoje.

Suas análises sobre capitalismo, socialismo, intervencionismo, inflação, investimento externo e o poder das ideias são extremamente relevantes para os debates contemporâneos. Ao conectar os conceitos discutidos no livro (e nas demais obras de Mises) com questões atuais, podemos obter uma compreensão mais profunda dos desafios econômicos e sociais que enfrentamos hoje, sendo aptos para enxergar e discernir medidas que sejam efetivas para solucioná-los.

*Samuel Gustavo Calazans Dimbarre é sócio da área de Mercado de Capitais e Bancário do OMSD Advogados, com ampla experiência no setor jurídico. Casado e pai de quatro filhos, Samuel também é associado do Instituto de Formação de Líderes de São Paulo (IFL-SP), onde contribui para o desenvolvimento de futuros líderes.

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