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Venezuela, França e Brasil: investigando a nova maré

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Créditos: Pedro Ladeira
Créditos: Pedro Ladeira

Após a vitória histórica de Macri na Argentina, ostentando bandeiras mais liberais e destronando o peronismo sem representar os chamados “radicais” sociais democratas, a semana que passa registrou acontecimentos relevantes em três outros países. Correndo o risco da simplificação do que não pode ser simplificado, esses eventos sugerem uma maré diferente em um horizonte geopolítico que vinha sendo marcado pelo predomínio total das esquerdas. Nota-se uma inflexão à direita ou ao centro que merece ser observada – sem que, no entanto, represente uma inflexão genuína e consolidada para o liberalismo, como veremos.

Na Venezuela, depois de um dia tumultuado de eleições, com suspeitas de irregularidades e pressões do governo, com representantes internacionais obstruídos em sua vigilância da lisura do processo, a oposição ao tiranete Nicolas Maduro venceu as eleições parlamentares com larga vantagem. Foi dia de festa pelas ruas do país para a grande parcela da população que acordou para a realidade, diante do drama de empobrecimento e desastre social provocado pelo populismo, e entendeu que chegou a hora de virar a página do chavismo e da malfadada Revolução Bolivariana. A coalizão Mesa da Unidade Democrática conseguiu eleger 110 deputados contra 55 governistas. A legislatura começa em 5 de janeiro.

A comemoração é merecidíssima para todos os democratas latino-americanos e de todo o mundo que entendem ser necessário demolir o sistema autoritário da Venezuela e desfechar mais um golpe mortal no bolivarianismo que domina o continente. Contudo, se o bufão Maduro, apesar de fazê-lo a contragosto e visivelmente forçado pelas circunstâncias e pela atenção voltada para seu país, reconheceu o resultado, é cedo para alívios mais ostensivos. Maduro já disse que o que triunfou foi a “contra-revolução” apoiada pelos ianques. Até aí, nada de novo em sua retórica. Por outro lado, ele ainda controla milícias e Forças Armadas e ainda pode tentar pressionar a legislatura atual por alterações legais que aumentem sua força; não se subestima um ditador quando ele sofre um duro golpe. Além disso, os liberais e conservadores devem sempre ter em mente que, apesar da bravura, da coragem, da mentalidade mais moderna em termos administrativos e da fidelidade à democracia, a oposição que triunfa é majoritariamente social democrata, isto é, está do centro para a esquerda moderada.

O segundo país em que a maré muda, desta vez na velha Europa, é a França. No primeiro turno das eleições regionais, a Frente Nacional, de Marine Le Pen, obteve contundente vitória, liderando em pelo menos seis de 13 regiões na França. O resultado representa um golpe duro para as esquerdas, especialmente para os socialistas (sociais democratas) do presidente François Hollande, que se viram abalados pela questão imigratória e pelas suas políticas frágeis como o desarmamentismo. No entanto, assim como na Venezuela e ainda com mais razão, também não se pode dizer que a vitória de Le Pen é uma vitória do liberalismo. A Frente Nacional é um partido nacionalista e protecionista; a mídia brasileira, quando se pavoneia para dizer que se trata de uma legenda de “extrema direita”, via de regra não tem a menor ideia do que está dizendo e quer dar a entender que Le Pen é tão perigosa quanto o terrorismo islâmico, o que naturalmente é uma estultice. Ainda assim, não saudamos esse triunfo com grande animação. A despeito de reforçar o conteúdo simbólico do Ocidente, o que vemos com simpatia, partidos como a Frente nos parecem escolher para isso caminhos inadequados. Observamos com reservas e compasso de espera as conseqüências de suas políticas.

E, finalmente, voltamos à América Latina, para o nosso Brasil. Correm os trâmites para o processo de impeachment de Dilma Rousseff. Os partidos se puseram, ao começo da semana, a indicar os nomes para compor a Comissão Especial que emitirá o primeiro parecer sobre o conteúdo da denúncia, submetido depois à avaliação do Plenário. Para nossa surpresa, os políticos se dividiram e decidiram apresentar chapas concorrentes para formação da Comissão, o que atrasou os trabalhos e adiou a definição. E não foi graças à oposição: o PMDB fragmentado foi a causa de tudo. Peemedebistas menos ligados ao governo, ou reconhecidamente hostis, se irritaram com o PMDB-RJ, na figura de Leonardo Picciani, líder da legenda na Câmara, que indicou apenas governistas para representá-la na Comissão. O PDMB carioca, aliás, merece o registro desonroso pelo desserviço que presta à nação protegendo Dilma Rousseff.

A confusão na Câmara não foi tudo. A figura do vice-presidente Michel Temer, futuro presidente do Brasil caso Dilma seja derrubada, esteve no centro das atenções. Era natural que, diante da sua discrição, fossem promovidas especulações sobre seu papel nas conspirações e negociações que, previsivelmente, estão em andamento. O problema se intensificou quando Dilma começou a dizer que confia inteiramente em Temer, e afirmou que teria com ele uma reunião que não aconteceu. Os noticiários andaram dando conta, também, de encontros de Temer com líderes da oposição. Na terça-feira (07/12), veio a cereja do bolo. Uma carta enviada pelo vice à presidente Dilma foi vazada para a imprensa. Diz-se que por um descuido inacreditável do Planalto; talvez, a meu ver mais provavelmente, por deliberação do próprio Temer; julguem como quiserem.

O fato é que o tom da correspondência é duríssimo. Temer se queixa de ter sido, no primeiro mandato de Dilma, um mero “vice decorativo”, sem participação em qualquer decisão importante. Diz ter tido sempre “ciência da absoluta desconfiança” de Dilma “e do seu entorno” em relação a ele “e ao PMDB”. “Desconfiança incompatível”, continua Temer, “com o que fizemos para manter o apoio pessoal e partidário ao seu governo. Basta ressaltar que na última convenção apenas 59,9% votaram pela aliança. E só o fizeram, ouso registrar, porque era eu o candidato à reeleição à vice. Tenho mantido a unidade do PMDB apoiando seu governo usando o prestígio político que tenho, advindo da credibilidade e do respeito que granjeei no partido”. Acusa ainda o governo de desejar a “divisão” interna do PMDB e salienta sua confiança de que o país “terá tranquilidade para crescer e consolidar as conquistas sociais” após os momentos de crise, e sua certeza de que Dilma não tem e jamais terá confiança nele ou em seu partido.

Quais as conseqüências notórias da mensagem exposta nessa carta? Em primeiro lugar, pouco depois de o PMDB lançar uma proposta de política econômica com ares muito mais liberais que a sistemática petista – e estranhamente mais explícita até do que a plataforma tucana de Aécio Neves -, Temer discursa, em sua carta, como alguém que propõe a unidade nacional e a tranquilidade para crescer, em contraste com um partido divisionista, destrambelhado e belicoso que ocupa o governo na figura da presidente. Além disso, mesmo que seja verdadeira, a afirmação de ter sido um “vice decorativo” tem um efeito inevitável de “descolar” a imagem de Temer das decisões catastróficas do governo. A meu ver, são poucas ou nulas as dúvidas: Michel Temer está abandonando Dilma Rousseff. E isso é gravíssimo para a presidente, considerando-se que ele tem imediatas perspectivas de poder.

O velho e esperto PMDB, a raposa fisiológica e oligárquica da Nova República, é, mais uma vez, o fiel da balança. As ruas deverão ser importantes – como já o foram, em 15 de março, 12 de abril e 16 de agosto. O desgaste econômico também. Mas, na votação, os interesses do PMDB, seu senso de oportunidade, de vantagens e desvantagens, pesarão decisivamente. Golpe? De forma alguma. Temer foi eleito juntamente com Dilma. Se ela cai, ele assume. O PT aceitou as regras do jogo, mesmo que a lisura da votação seja questionável diante das desconfianças legítimas quanto às urnas eletrônicas, e, portanto, não pode reclamar se o PMDB assumir o poder do país.

Apesar da interessante tese que elaborou, com propostas liberais, o PMDB não tem esse DNA. Assim como na Venezuela e na França, portanto, temos uma inflexão “à direita”, não necessariamente “na direita”, ao menos não no liberalismo propriamente dito, dentro do modelo que nos agradaria. Ainda assim, essa constatação não tem o propósito de desanimar. Precisamos sentir a atmosfera, aproveitá-la e insistir em defender as nossas bandeiras. Os ares, sem dúvida, são novos e mais respiráveis, e aí podemos ter um terreno melhor para crescer.

PS: Depois de finalizarmos este texto, Delcídio do Amaral, líder do PT no Senado que fora preso, confirmou que fará delação premiada, e a comissão especial que elaborará parecer sobre o pedido de impeachment de Dilma foi eleita em sessão tumultuadíssima na Câmara, ao estilo de um estádio de futebol ou de um circo, com direito a governistas quebrando a urna de votação e deputados querendo, literalmente, “sair no braço”; ao fim das contas, porém, a chapa favorita da oposição foi a vencedora. O relógio da era PT parece estar mesmo fazendo “tic-tac”.

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Lucas Berlanza

Lucas Berlanza

Jornalista formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), colunista e presidente do Instituto Liberal, membro refundador da Sociedade Tocqueville, sócio honorário do Instituto Libercracia, fundador e ex-editor do site Boletim da Liberdade e autor, co-autor e/ou organizador de 10 livros.

3 comentários em “Venezuela, França e Brasil: investigando a nova maré

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    09/12/2015 em 12:20 pm
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    Prezado Lucas, quando vi os resultados das eleições venezuelanas, levantei esta questão no Twitter e nos fóruns do Whatsapp: quem é esta oposição que está sendo eleita no país vizinho? Numa região amplamente dominada pelas esquerdas, me parece que qualquer oposição claramente direitista estaria fadada ao fracasso. Estas oposições então deveriam ser moderadas, no máximo centristas. Num contexto mais amplo, esta inflexão genuína à direita não me parece ser cenas para os próximos capítulos. Enxergo uma tendência de longo prazo neste movimento, saindo das esquerdas radicais, passando pela esquerda moderada/centrista da social democracia, depois centro-direita e direita genuína. Acredito que este movimento de correntes aconteça nos próximos 5-8 anos. De qualquer forma, o que sociedade latina está percebendo é que o modelo social-comunista dos líderes do Foro de São Paulo está exaurido, modelo este que não seria levado totalmente a contento, uma vez que boa parte desta sociedade é conservadora e por mais que muitos queiram as benesses do governo, como acontece no Brasil, não querem o próprio governo ditando regras na sua individualidade.

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      09/12/2015 em 12:39 pm
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      Assim espero, prezado Wagner. Na verdade, é bom deixar claro que quando digo “inflexão à direita”, falo relativamente, por comparação. Considerando esse uso dos termos e do espectro político, diríamos que o que é menos esquerdista estaria à direita do que é mais, mesmo que não seja o que se chamaria de “direita” propriamente dita. Nesse sentido, a inflexão à direita já está acontecendo; só não está acontecendo uma entrada “na” direita. Obrigado pelo comentário!

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        09/12/2015 em 5:52 pm
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        E esta “menos esquerdista” é o que leva tanta gente ao erro de chamar o PSDB de direita, mostrando claramente o desconhecimento do termo. Concordo com o que você disse. Acho que a AL passará por um processo de amadurecimento político daqui para frente, o que permitirá a descoberta total da direita.

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