Uma defesa do fusionismo
Filipe Altamir*
Uma das atitudes mais comuns para qualquer indivíduo que se auto-proclame de direita, é a percepção da realidade concreta e análise pragmática da realidade, se distanciado completamente de qualquer análise dogmática e ideológica. Uma das características mais comuns de um conservador é a exigência da prudência em atitudes políticas e a crença em uma ordem natural duradoura e permanente, baseado na natureza humana, que por sua vez é imperfeita e, portanto, incapaz de a partir de si mesmo construir um paraíso na terra. O conservador possui os pés no chão e quando o assunto é filosofia política e medidas que irão comprometer a sociedade política, o conservador sempre prefere analisar a realidade e preservar as instituições que, ao longo da civilização humana, espontaneamente foram construídas por uma demanda natural da sociedade política e uma construção gradual da experiência humana.
O perigo de se analisar a situação concreta e estabelecer propostas de cunho político e econômico é quando essa análise se sustenta em abstracionismos baratos, sem o mínimo de prudência ou certas premissas sólidas, baseado somente em dogmas inquestionáveis, inegociáveis, indissolúveis e de certa maneira, infantis. Quando sua visão de mundo está calcada em um determinado princípio o qual julga como absoluto, como o princípio da liberdade, você julgará todas as medidas socio-econômicas baseadas em seu princípio e aplicará medidas políticas e econômicas onde ensejam e endossam seu princípio absoluto. A partir do momento em que julgas a liberdade como um princípio absoluto e inquestionável, o sujeito incorrerá no mesmo erro de um idealista e utopista, como um jovem comunista, que para a sua mentalidade, os fins justificarão os meios. Portanto, o conservador desconfia de qualquer indivíduo que possua uma grande idéia ou proposta que visará a mudança abrupta da sociedade, baseado unicamente em uma projeção hipotética do futuro, se sustentando somente em princípios falsamente éticos onde só se mantêm no mundo da abstração, gerando uma incongruência com a sociedade política e as relações humanas.
O conservadorismo pode ser tido como uma espécie de corrente de pensamento político ou filosófico político, um estado permanente, um sentimento, uma série de atitudes perante à sociedade política e as relações humanas. Surgindo na Inglaterra, no final do século XVIII, cujo precursor de tal pensamento se chama Edmund Burke, como uma reação imediata à mudança abrupta e precipitada da revolução francesa, época o qual onde as utopias e ideologias estavam comprometendo completamente a coesão e a manutenção da ordem das sociedades. O conservadorismo surgiu como uma reação ao irracionalismo humano, ao romantismo idealista esquizofrênico. Um dos pensadores conservadores mais conhecidos é o norte-americano Russell Kirk, o qual seus escritos influenciaram a mentalidade conservadora americana e exerce domínio majoritário até hoje, tendo destaque principal a obra mais influente do pensador: “The Conservative Mind“.
O conservadorismo também possui várias formas e aspectos constituintes, nos EUA surgiu uma corrente que se chamava “fusionismo” o qual unia os aspectos conservadores tradicionalistas ao elemento libertário de defesa incisiva à economia de livre mercado, se opondo à tirania estatal e lutando pela permanência da ordem moral duradoura e atemporal. Os americanos da “direita” possuem ambas características e elementos em seus pensamentos, tantos aspectos libertários quanto conservadores, unindo um espírito de prudência e repúdio à utopias como uma defesa ferrenha ao empreendedorismo, aos valores da livre iniciativa, um livre mercado irrestrito e muitas vezes ao individualismo de Ayn Rand, não sendo a toa que, a obra mais famosa da autora, “A Revolta de Atlas”, é tido como a obra mais influente no pensamento americano, perdendo somente para a Bíblia.
O pensamento conservador, segundo Kirk, foi definido em um dos seus mais célebres textos intitulado de “10 princípios conservadores”, onde ele traça uma lista de princípios sistematizando todos os elementos e características mais comuns ao pensamento conservador e o que norteia o seu próprio pensamento. Princípios da crença em uma ordem moral permanente e atemporal; prudência em contraponto à mudanças abruptas e precipitadas, evitando que o racionalismo humano acabe fazendo a sociedade tropeçar no próprio cadarço, os conservadores acreditam que as instituições sociais e políticas que verdadeiramente funcionam são as que foram desenvolvidas por um longo processo e gradual de mudança e experimentação e não por meras ideologias e projeções do futuro, mas sim a partir da experiência humana do passado; muitos conservadores modernos possuem traços adicionais do libertarianismo, defendendo de forma ferrenha o livre mercado sob a ótica da Escola Austríaca de Economia e a Monetarista de Chicago, tomemos por exemplo, as principais influências na área econômica do pensamento conservador em defesa do liberalismo: Adam Smith, Ludwig von Mises, F.A Hayek, Milton Friedman, Thomas Sowell e muitos outros. Nos tópicos subsequentes me encarregarei de explicar o por que o livre-mercado funciona e deve ser defendido. Em suma, não há nada mais conservador do que um estado de consciência sólido e rígido de ceticismo político, duvidando de qualquer medida autoritária, estatal e coletivamente milagrosa que visa corrigir supostas falhas da sociedade que, em sua grande maioria, são oriundas das próprias medidas governamentais. É como o Ronald Reagan e Hans Hermann Hoppe já afirmaram: há muitos pontos e aspectos em comum entre libertários e conservadores, e ambas ideias podem sim serem fusionadas ensejando uma força política que vá de contraponto ao coletivismo e o utopismo cego de muitos burocratas e líderes mal intencionados.
DEFENDENDO O LIBERTARIANISMO E LIBERALISMO
Libertarianismo é uma filosofia política que possui vários segmentos em seu corpo institucional, a origem do termo foi promulgada pelo filósofo e economista Murray Rothbard, termo esse que foi furtado dos anarquistas clássicos da esquerda em virtude a uma reação pela esquerda ter usurpado do termo “liberal” nos EUA. Nos parâmetros norte-americanos, um liberal é um socialista democrático, alguém de esquerda, a ala progressista, enquanto que no resto do mundo o liberal seria para configurar e designar um indivíduo que defendesse os valores clássicos do liberalismo econômico e político, desde Adam Smith até os neoclássicos como Mises, Hayek e Milton Friedman.
Libertarianismo por sua vez, como uma filosofia política, conta com certos conceitos característicos e uma defesa ética da liberdade como um princípio absoluto e muitas vezes inegociável. Há o princípio da não-agressão em sua doutrina, que resumidamente repudia toda e qualquer iniciação de agressão contra inocentes. Um indivíduo A que desobedece a ordem espontânea e natural das relações humanas e resolve furtar o fruto produtivo de B estará quebrando o princípio da não-agressão, uma vez que iniciou o espólio contra um indivíduo inocente. Portanto, B, tem por direito natural a agir em agressão para reestabelecer a justiça e recuperar o prejuízo provocado por A, que merece a devida punição por ter iniciado a agressão e transgredido a coesão das trocas voluntárias. Dentro do princípio da não-agressão é permitido que outros indivíduos se unam em proteção ao princípio quebrado de um inocente e juntos punirem o agressor originário.
No libertarianismo também há o conceito de auto-propriedade o qual resume que todo indivíduo é propriedade de si mesmo, sendo legítimo o indivíduo decidir seus objetivos, traçá-los e tomar as decisões que somente a ele impactará, mesmo que de forma negativa. O indivíduo como proprietário de si mesmo teria, em tese, o direito de se suicidar, de usar drogas e até mesmo vender seus próprios órgãos, o que entra em conflito com os conservadores que são veementemente contra. Esse é o libertarianismo moderno, embora hajam os libertários jusnaturalistas clássicos, que possuem suas influências nos princípios como direitos negativos, inalienáveis e naturais ao ser humano, tendo como referências principais São Tomás de Aquino e John Locke. Os direitos naturais defendidos se resumem em: direito à vida, liberdade e propriedade. Uma das influências jusnaturalistas podem ser encontradas na Constituição Americana que deixa claro ao cidadão americano os três direitos citados anteriormente com uma ressalva de que, no lugar do direito de propriedade explícito, há o direito à busca pela felicidade, o qual não pode ser confundido com o direito à felicidade em si. O direito à busca pela felicidade pode se resumir em direito à propriedade, uma vez que, para traçar seus objetivos, o ser humano naturalmente estabelecerá posses e demarcações, assim como negociações contratuais de transações de bens e serviços.
O que pode-se encontrar em comum entre o conservadorismo e o libertarianismo é a defesa da economia de livre mercado e a supremacia individual em oposição à toda e qualquer doutrina coletivista. Os contrapontos entre conservadores e libertários se resumem em questões éticas, muitos libertários têm a liberdade como princípio absoluto sendo compelidos a defender toda e qualquer medida no campo social sem levar em conta as consequências de tais medidas, sem parar para analisar o contexto atual do país e a realidade concreta. A questão do aborto não é de consenso entre os libertários, embora sua grande maioria defenda o aborto, muitos consideram o bebê em seu estágio inicial um indivíduo autônomo e dotado do direito inalienável à vida, portanto, até mesmo para a ótica libertária, o aborto pode ser tido como algo condenável, apesar de outras questões serem defendidas com unanimidade entre os libertários como: livre comércio de órgãos, tutela de bebês, livre mercado de drogas, escravidão voluntária, eutanásia e etc.
O problema de muitos conservadores é focar somente e quase sempre no âmbito cultural e mais filosófico do que o econômico, e o problema do liberal e libertário é focarem basicamente tudo somente no aspecto econômico, ignorando a guerra cultural e muitas vezes, sob uma análise dogmática, sectária e principiológica, ignorar a realidade concreta, sobrepujando seu princípio de liberdade inquestionável ao realismo, contexto histórico, cultural e a própria realidade. Não há dúvidas que o conservadorismo pode ser compatível com o liberalismo/libertarianismo em muitos aspectos, cabe agora ambos os lados discutirem pontos em comum acordo e estabelecer uma frente de oposição capaz de ensejar mudanças significativas no nosso país.
*Estudante de Filosofia e Economia
O texto está excelente. Mas basta publicar um texto assim para aparecer gente escrota como o Rhyan e o Filipe Celeti para defender um purismo ridículo, bem próprio de gente apaixonada por ideologia.
Qualquer um que pense como eles deveria estudar o conceito de política da perfeição do Oakeshott e parar de bancar o palhaço.
Não concorda com eles? Então refute-os. O seu comentário, além da linguagem chula, só apresenta ad hominem e xingamento ao tal “purismo” sem apresentar um único argumento que justifique e refute. Além disso, fica claro a carga dogmática e ideológica do seu comentário, ao chamar o que não concorda de “ridículo” e os autores de “palhaços”, além de “mandar estudar” (você pelo visto é craques em erística, leu muito Schopenhauer foi?)sem apresentar uma única defesa decente do seu ponto de vista, o que deixa claro que além da desonestidade intelectual, há a incapacidade de organizar até um comentário de blog sem cair em contradição (você age justamente com o perfil que criticas e isso fica claro). Famosa auto-refutação. Depois quem precisa estudar conceitos “básicos” são os outros… Achei que lógica fosse básico!
Caro, Douglas. Escrevi uma resposta ao texto do Altamir. Sinta-se convidado a lê-lo para ver se defendi algum purismo ou cousa que o valha.
Sabedoria a você.
Conheço bem os conservadores (na prática). Nos assuntos pessoais são extremamente dogmáticos e coletivistas, detestam liberdades individuais, ignoram a filosofia do livre arbítrio como a base econômica da liberdade. No campo econômico têm discursos liberais (quando têm), mas não passa de discurso. O melhor exemplo disso é Ronald Reagan, inflacionista, deficitário e intervencionista. O partido republicano é um ex. típico de que conservadores são tão inimigos da liberdade quanto esquerdistas.
A tradição Liberal é infinitamente mais importante que qualquer tradição conservadora. Misturar as coisas só vai resultar em uma piora.
É só olhar o Tea Party atual pra ver como fusionismo é suicídio para liberais/libertários.
muito bom esse texto!!!
Excelente texto! Perfeito!
Que pisada na bola esse texto. Muita coisa precisa ser comentada….