Uma data para ser comemorada

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Há vinte e cinco anos, na noite de 9 de novembro de 1989, após semanas de protestos pró-democracia, autoridades alemãs do leste, repentinamente, abriram sua fronteira com a Alemanha Ocidental. Depois de 28 anos como prisioneiros do seu próprio Estado, eufóricos alemães orientais rumavam apressadamente para a antiga divisa e, diante de guardas desnorteados, eram acolhidos em lágrimas pelos seus irmãos do outro lado.

Apesar da aberração que representou aquele muro para a história da humanidade, pode-se dizer, sem medo de errar, que Berlim também foi um grande laboratório, onde conviveram lado a lado, durante décadas, a pujança capitalista e as deletérias práticas do comunismo. De um lado uma cidade moderna, um próspero centro comercial e financeiro, com o conforto e os benefícios que só o capitalismo produz, e de outro apenas desamparo, corrupção e um indisfarçável “salve-se quem puder”. Uma diferença gritante, principalmente se levarmos em consideração o fato de que aquela experiência foi realizada em local com a mesma geografia, o mesmo povo, a mesma cultura, a mesma educação, a mesma história, enfim, os mesmos recursos humanos e naturais.

Abaixo, um artigo que publiquei na época do vigésimo aniversário da queda do muro:

O Muro da Vergonha

Existem basicamente dois tipos de muros. Uns são erguidos para tentar evitar que “visitas” indesejadas adentrem a propriedade particular, enquanto outros pretendem evitar a saída das pessoas. No primeiro caso estão os muros e cercas construídos para delimitar os terrenos de nossas casas, condomínios, fazendas e outras propriedades em geral. No segundo, estão os presídios e as jaulas dos animais perigosos. No primeiro caso, estariam as “políticas” nacionais de imigração e no segundo as de emigração.

O Muro de Berlim, diferentemente do que pretendem fazer crer alguns, fez parte daquele tipo de muro que pretende evitar que as pessoas deixem determinado espaço, quer provisória, quer definitivamente. Foi um muro de prisão, não de limite de propriedade, como é o caso do muro entre EUA e México ou Israel e Palestina, por exemplo. Nesse aniversário de vinte anos de sua derrubada, não podemos esquecer que o Muro de Berlim representou não apenas uma barreira física entre dois mundos totalmente distintos, mas principalmente a ideia de que, num deles, o indivíduo é prisioneiro do Estado.

Enquanto o Muro esteve de pé, não faltaram intelectuais engajados na defesa do sistema que ele representava. Mas houve também alguns poucos que travaram contra aquela aberração uma guerra sem tréguas. Faço aqui uma pequena homenagem a dois deles.

Coincidentemente, um dos maiores guerreiros pela liberdade morreu em julho deste ano, sem que a imprensa nativa tivesse dado muita atenção ao fato. Trata-se do filósofo polonês Laszek Kolakowski, um ex-marxista regenerado que acabou expulso da Polônia e, posteriormente, desde o exílio no Ocidente, foi um dos mentores do Sindicato Solidariedade.

Kolakowski era, portanto, o melhor tipo de marxista possível – o ex-marxista -, tendo concluído, depois de participar dela, que a experiência da Cortina de Ferro foi a “grande fantasia do Século XX”, além de que “nunca houve ou haverá aperfeiçoamento possível [desta ideologia] que não seja pago com deterioração, maldade e desgraça”.

Segundo o polonês, o socialismo podia ser descrito como “uma sociedade na qual um homem está encrencado por dizer o que pensa, enquanto outro obtém privilégios por não dizer o que tem em mente; uma sociedade na qual se vive melhor quando não se tem idéias próprias; um Estado que tem mais espiões do que enfermeiras e mais pessoas nas prisões do que nos hospitais; um Estado onde filósofos e escritores sempre dizem as mesmas coisas que os generais e os ministros – mas sempre depois que estes últimos já se pronunciaram”.

Kolakowski era particularmente severo com os apologistas ocidentais (Sartre, o pessoal da Escola de Frankfurt et caterva) dos regimes marxistas, os quais sugeriam que os progressos econômicos e sociais eventualmente alcançados pelos países comunistas, de alguma forma justificavam as atrocidades cometidas: “A falta de liberdade é apresentada como se fosse temporária. Os reportes nessa linha dão a impressão de que são fatos não prejudiciais. Na verdade, eles não são simplesmente falsos, mas absolutamente corrompidos. Não que nada tenha mudado nesses países, nem que não tenha havido progressos econômicos, mas porque a escravidão política foi instalada no tecido social como a mais absoluta condição de sobrevivência”. Ele desmistificou a ideia de socialismo democrático como algo contraditório (uma “bola de fogo gelada”), e os modernos marxistas como “meros repositórios de slogans, cujo objetivo é organizar interesses diversos”.

Outro grande intelectual que ousou nadar contra a maré acadêmica da época, especialmente dentro de seu próprio país, foi o francês Jean-François Revel. Obcecado por demonstrar que o nazismo e o comunismo eram como irmãos siameses, Revel dizia ser inútil tentar descobrir qual dos regimes totalitários do século XX foi o mais bárbaro, porque ambos impuseram a tirania, o pensamento unificado e deixaram como herança uma montanha de cadáveres. O parentesco do comunismo com o nazismo é, para a esquerda em geral, um tema sempre delicado e, como qualquer tabu, sabiamente escamoteado. Por exemplo, quando um ideólogo marxista, como Stalin, se comporta como um carrasco nazista, a explicação é simples: a culpa é do personagem e de seu caráter perverso, nunca do sistema. Stalin seria então um verdadeiro nazista, apenas fantasiado de comunista. Já o comunismo é diferente, “pois emprega a dissimulação ideológica, veiculada pela utopia. Promete a abundância e provoca miséria; promete a liberdade, mas impõe a servidão; promete a igualdade e leva à mais desigual das sociedades – com a nomenklatura, classe privilegiada a tal ponto como jamais se conheceu, nem mesmo nas comunidades feudais. Ele promete ainda respeito à vida humana, mas realiza execuções em massa; promete o acesso de todos à cultura, mas leva ao embrutecimento generalizado; promete o “novo homem”, mas o fossiliza”.

“A repressão em campos de concentração ou em cárceres diversos, os processos sumários e fraudulentos, os expurgos assassinos, as ondas de fome provocadas por programas estupidamente planejados e pavorosamente executados acompanharam todos os regimes socialistas, sem exceção, ao longo da história. Seria fortuita esta associação?” – questiona o velho Revel. “Será que a verdadeira essência do comunismo reside no que jamais foi, ou nunca produziu. Que sistema é esse, que dizem ser o melhor, porém dotado dessa propriedade sobrenatural de nunca conseguir colocar em prática senão o contrário do que prega? Que linda cerejeira será essa, na qual, por um acaso incompreensível, só brotam cogumelos venenosos?”

O nazismo e o comunismo cometeram atrocidades comparáveis, tanto por sua extensão quanto por seus pretextos ideológicos. Isso não foi, entretanto, resultado de uma “coincidência fortuita de comportamentos aberrantes”. Ocorreu, muito pelo contrário, porque ambos comungavam os mesmos princípios e idéias fundamentais, sedimentados por convicções pétreas, e – mais importante! – empregavam o mesmo modus operandi. É emblemático o fato – aliás, inconteste – de que tanto uma ideologia quanto a outra sempre defenderam – e nunca esconderam isso – a tese de que os fins justificam quaisquer meios.

 

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João Luiz Mauad

João Luiz Mauad

João Luiz Mauad é administrador de empresas formado pela FGV-RJ, profissional liberal (consultor de empresas) e diretor do Instituto Liberal. Escreve para vários periódicos como os jornais O Globo, Zero Hora e Gazeta do Povo.

Um comentário em “Uma data para ser comemorada

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    09/11/2014 em 9:50 pm
    Permalink

    NÃO HÁ PROVA MAIS CABAL, MAIS INCONTESTÁVEL e absolutamente visivel e gritante CONTRA a PORCA IDEOLOGIA socialista do que a NECESSIDADE dos GOVERNOS SOCIALISTAS de PRENDEREM SUAS POPULAÇÕES ESCRAVAS dentro do seu FEUDO ESTATAL totalitário, que preconiza o Poder absoluto e hegemônico da classe estatal hierarquizada sobre o restante da população IGUALADA NA SUBMISSÃO ABSOLUTA AOS GOVERNANTES que efetivamente ESCRAVIZAM populações inteiras, explorando-as e lançando-as na SERVIDÃO,l na miséria e indigência. Num franco contraste entre a vida nababesca da alta hierarquia socialista e a população que trabalha e produz para garantir à hierarauia governante a pompa e o luxo obtido através da efetiova exploração da população pela AMEAÇA de FORÇA, aameaça de causar à esta população um dano ainda maior do que aquele que exige que integrantes da população trabalhem exclusivamente para essa hierarquia estatal que assim literalmente escraviza os trabalhadores.

    Essa é a grande verdade dialética, aquela que muda o tempo todo e o que fala aqui ou agora já não é o que depois lá pratica.
    A grande dialética marxista se prova quando aquilo que Marx inventou dizendo ser a realidade – a descrição ESTÓRICA e não histórica do capitalismo – criticando-a como foco principal, ou mesmo meio único, para reivindicar apoio para o seu inexplicado, e nem mesmo bem descrito, projeto de socialismo, acabou revelando-se o seu real projeto socialista. Caso este onde a SÍNTESE se deu pela TRANSMUTAÇÃO DA ANTÍTESE NA PRÓPRIA TESE. …ESSA SIM É A VERDADE DA DIALÉTICA MARXISTA QUE PRECONIZA A PRAXIS EM SUA DIALÉTICA POLITICA.

    Nenhuma ditadura criou “cortinas de ferro” (cercas/barricadas de arame com faixas minadas para impedir que sua população, então escrava, fugisse de seus senhores estatais. E. Geisel inventou o empréstimo compulsório para permitir que cidadão brasileiros viajassem ao exterior (alguns milhares de dólares), pois que era um maníaco NACIONAL-SOCIALISTA e seu braço direito no congresso é ministro de Lula e dilma.

    Só esse incontestável fato deveria ser suficiente para que cada defensor do socialismo, auto intitulado esquerda, recebesse uma cuspida, tão a infâmia que defende com espantoso descaramento, só possível em MANÍACOS que deliram com a idéia de que defendem um “FIM SUPREMO e REDENTOR” como justificativa para os MEIOS que almejam como real objetivo camuflado por sua funesta ideologia desconexa.

    Todo lugar, sem exceção, onde o socialismo, seja bolchevique, fascista ou nacionalista levou ao desastre com funestas consequências para a população.

    É estarrecedor que tal empulhação politica consiga adeptos com o displante de defende-la, mesmo diante de FATOS inquestionáveis como o Muro de Berlim, a miséia cubana e norte coreana, bem como um rastro de MAIS DE CEM MILHÕES DE VÍTIMAS executadas na própria população por líderes socialistas que se santificavam com o fraudulento discurso da igualdade para se fazerem os mais enormemente desiguais através da violência.
    É ridículo que intitulados adversários da IDEOLOGIA MARXISTA repitam todo o linguajar manipulador destes pulhas embusteiros e repitam como papagaios que há igualdade nos paises socialista: NÃO HÁ, NUNCA HOUVE!!! …A alta hierarquia na URSS, no leste europeu, na Coréia do Norte, em Angola, em Cuba e etc. etc. SEMPRE VIVERAM COMO NABABOS escravizando a população e PRENDENDO-A em SEUS NEO-REINOS FEUDAIS HIERARQUIZADOS, tal qual eram na idade média. Curiosamente igualmente concebidos por falatŕio igualitário e de galanteios aos pobres e bandidos alinhados.

    PLUS ÇA CHANGE PLUS C’EST LA MÊME CHOSE!!!!

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