Uma bela chinelada no Estado Babá
Quem primeiro deu destaque à matéria foi Lauro Jardim, da Veja. Rodrigo Constantino também já falou a respeito, havendo, portanto, muito pouco mais a dizer. Entretanto, pela importância do tema, pela coragem externada na decisão, bem como pela clareza argumentativa, considero oportuno transcrever os principais trechos do acórdão, de 29 de junho de 2015, da 5ª Câmara de Direito Público do tribunal de Justiça de São Paulo, que teve como relator o desembargador Firmino Magnani Filho (os grifos são nossos):
- Ação ajuizada por Arcos Dourados Comércio de Alimentos Ltda (McDonald’s) com pedido de anulação da penalidade imposta no Auto de Infração nº 5465 Série D7, nos autos do Processo Administrativo nº 1722/10, motivada pela veiculação de publicidade supostamente abusiva na venda do kit Mc Lanche Feliz, em detrimento da hipossuficiência do público infantil (fls 42/43). Sanção cominada à razão de R$ 3.192.300,00.
Ação julgada procedente, anulada a autuação pelo digno a quo. Sentença que mantenho.
(…)
Neste aspecto, não vislumbro prática abusiva da vendedora de sanduíches na hipótese dos autos.
Tomemos estas quatro premissas:
- a) A sociedade brasileira se rege pelo modelo capitalista, e as consequências dessa opção econômica e cultural hão de ser assumidas;
- b) Cabe à família, notadamente aos pais ou ao responsável legal, o poder-dever da boa educação dos filhos, inclusive o ônus de reprimi-los nos apelos inconvenientes ao seu bem estar social, físico e mental;
- c) Crianças bem educadas no berço, por força do afeto e da autoridade dos pais ou responsável, saberão resistir aos apelos consumistas;
- d) Não deve o Estado, de modo paternalista, sobrepor-se às obrigações primárias da família, sobretudo quando incitado pelo barulho muito atual, mas com um quê autoritário, da militância “ongueira”, sob pena do esgarçamento da legitimidade de seus atos de império.
Consequência do modelo socioeconômico ocidental, não é de hoje que o mercado publicitário se ocupa de direcionar as peças produzidas para cada nicho de consumo, buscando cativar clientelas específicas e inculcar a necessidade muita vez inexistente de aquisição de produtos e serviços. Faz parte do nosso sistema e, mais e mais, inclusão social é consumo.
Crianças, é fato, são mais suscetíveis de se curvar à insistência mercadológica. É nítido o direcionamento das mensagens que visam atingir o seu universo lúdico particular: cores sortidas e vibrantes, situações e imagens de alegria, brindes de personagens infantis. Esta é a porta de acesso que induz os pequenos ao querer, ao desejo dos produtos e serviços.
Todavia, não é porque existe o chamariz que sempre se compra. Pressupõe-se, isso é essencial e somente relativizado em hipóteses casuísticas, uma margem de decisão, de escolha racionalizada.
Daí que a estratégia publicitária não será sempre abusiva. Não se pode admitir interpretação literal da Resolução nº 163/20141 do CONANDA. Há que se constituir de prejuízo evidente, que atravesse de modo direto (não oblíquo ou idealizado) a formação moral, intelectual, familiar e social do infante.
O Estado não pode, a pretexto de regular as atividades de divulgação dos produtos, vedar peremptoriamente as mensagens dirigidas às crianças pelo só fato de atrelá-las ao universo lúdico, às personagens de estima do público infantil. Se o fizesse, iludido por iniciativas midiáticas, desbordaria num paternalismo sufocante (nanny state), interferindo em direitos individuais que ultrapassam a órbita pública e flertam com totalitarismos.
Deveras, há um espaço indelegável para a educação dirigida pelos pais, que devem indicar os prós e contras das escolhas, v.g, do que significa o alimento sem valor nutritivo e alto valor calórico. E também principalmente o aprendizado do sentido absoluto do “não!”. Impossível ter tudo pelo simples fato de assim o querer, sob o risco de se constituírem adultos que se portam sem limites, mormente quando se desiludem por não conseguir o que desejariam, na ditadura do tutto e subito. Pusilânimes.
Hábitos saudáveis são aprendidos, aculturados, nos ambientes familiar e escolar. Há outras situações e ocasiões de abusividade efetiva a serem cuidadas, longe do comércio de guloseimas.
Mas para a Fundação PROCON pareceu mais cômodo acolher acriticamente a representação equivocada, ainda que com aparência de boas intenções do Instituto Alana, do que, sob o risco de ser pechado por conduta politicamente incorreta, mandá-la à dignidade silenciosa da gaveta de arquivo.
Em nome do Instituto Liberal, saudamos a coragem e o discernimento do desembargador Firmino Magnani Filho, assim como de seus colegas de turma que acompanharam aquele magnífico voto. Decisões como essa renovam nossas esperanças num futuro melhor para Brasil.