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Solapando a democracia: como Hugo Chávez deu um golpe de Estado com fachada jurídica

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A República Bolivariana da Venezuela vive na atualidade um verdadeiro caos: desabastecimento, perseguição a opositores, falta de medicamentos, inseguridade, a inflação mais alta do planeta, o terceiro menor salário mínimo do planeta, corrupção e abuso de poder são alguns dos problemas que o país vive. A Venezuela está cada vez mais próxima de se tornar uma nova ditadura socialista. Mas esse processo que o país vive atualmente teve um princípio, e é o que desejo contar nesse artigo.

Tudo se inicia no ano de 1992. Hugo Chávez era tenente-coronel do exército da Venezuela e fundador do Movimento Bolivariano Revolucionário 200 (MBR-200). Chávez, influenciado por Douglas Bravo, líder do Partido de La Revolución Venezolana, liderou cerca de trezentos homens e depois conquistou apoio de 10% das forças armadas, com o objetivo de realizar uma intervenção militar na Venezuela, para depor o presidente Carlos Andrés Perez, argumentando como razão principal que a intervenção era uma reação à política econômica do presidente Pérez, que estava causando inflação e desemprego no país. Porém, essa intervenção militar foi totalmente malograda, por vários motivos: deserções, trapalhadas, como a não-transmissão das fitas pré-gravadas por Chávez conclamando a população a aderir ao movimento, alguns erros de estratégia como, por exemplo, a falha no avanço das tropas interventoras na capital Caracas, com Chávez preferindo se manter no “bunker”, o Museu Militar de Caracas. Pérez convocou o restante das forças armadas e as tropas neutralizaram a insurreição de forma rápida, embora acontecessem algumas baixas: 14 soldados foram mortos, 50 soldados foram feridos, além de 80 civis.

Após o controle da insurreição, Hugo Chávez teve espaço em rede de televisão para deixar um recado à população Venezuelana e falou as seguintes palavras:

“Companheiros: infelizmente, neste momento, os objetivos que determinamos para nós mesmos não foram alcançados na capital. Isto é para dizer que nós em Caracas não fomos capazes de tomar o poder. Onde quer que vocês estejam, vocês desempenharam bem seus papéis, mas agora é tempo para repensar; novas possibilidades surgirão novamente e o país será capaz de ter definitivamente um futuro melhor.”

Após esse discurso em rede de TV, Chávez foi conduzido à prisão, mais precisamente no Centro Penitenciário de Yare. Esse episódio acabou catapultando a imagem do tenente-coronel, tornando-o uma espécie de herói nacional. Chávez, para a população venezuelana, passou a ser a figura que decidiu enfrentar a corrupção e a cleptocracia. E Perez, outro personagem da história, se tornou mais impopular ainda, ainda com efeitos dos protestos de 1989, conhecidos como Caracazo, episódio acontecido quando a população foi às ruas contra aumentos abusivos no preço das passagens de veículos coletivos e do combustível, e também contra a política de austeridade feita por Perez e foram reprimidos por um verdadeiro massacre feito pelas forças fiéis ao palácio de Miraflores. E foram esses protestos de 1989 que acabaram por acelerar a ação do MBR-200 e do PRV.

E Perez sofreu o golpe de misericórdia: envolvido com casos de corrupção, somado a baixa popularidade, efeitos do Caracazo de 1989 e da intervenção militar mal-sucedida de 1992, veio por sofrer o impeachment em 1993. E em 1993 era ano eleitoral. Era o ano para a eleição presidencial, e o ex-presidente Rafael Caldera, utilizando a baixa popularidade de Perez, argumentando durante a sua campanha eleitoral que o presidente deposto deteriorou a democracia e fez explodir uma onda de pobreza e corrupção, veio por ganhar as eleições. Caldera era um liberal clássico, filiado ao principal partido liberal da Venezuela na época, o Comité de Organizacion Política Electoral Idependiente (COPEI). E arrumou a casa no âmbito econômico, realizando várias reformas. E no ano de 1995, concedeu anistia a Hugo Chávez; e Chávez abandonou a vida militar, passando a militar no campo político.

Hugo Chávez se juntou com todos os intelectuais de esquerda do país, como a historiadora e amante Herma Marksman, e também mantendo a velha aliança com o seu mentor Douglas Bravo. E aquela frase dita no pronunciamento de 1992 começava a fazer sentido.  Os dois perceberam que uma revolução pelas armas não teria êxito. Bravo e Marksman apresentaram a Chávez, os livros do italiano Antonio Gramsci, mostrando que em vez de realizar uma revolução pelas armas, podia se realizar uma revolução com aparência democrática. E Chávez e Bravo decidem entrar de vez no campo político: fundam em 1997 o Movimento V(quinta) República (MVR), juntando desde revolucionários de esquerda a nacionalistas e alguns membros da direita venezuelana, de conservadores radicais a membros do chamado puntifijismo, aliança da COPEI com o Partido de Acción Democratica, com o intuito de lançar um candidato à presidência do país no ano de 1998.

E chegamos ao ano de 1998. Hugo Chávez é escolhido pelo MVR para ser o candidato à presidência da república, formando a coligação “Polo Patriótico”, com vários partidos de esquerda e centro-esquerda, para enfrentar o candidato apoiado pelo palácio de Miraflores, o governador do estado de Carabobo, Henrique Salas Römmer, do partido Proyecto Venezuela, coligado com o COPEI e o Acción Democrática. E Chávez, usando de uma estratégia impar, dizendo em sua campanha que manteria a política econômica de Caldera, porém com mais políticas sociais de inclusão, de forma bem parecida com a campanha de Luís Inácio Lula da Silva no Brasil, quatro anos depois. Chávez prometia em sua campanha uma nova Venezuela. E com esse discurso, que em nada parecia com o Hugo Chávez de 1992, ganhou a eleição com 56,2%, contra 39,97% de Sömmer. A revolução ganhava corpo e tinha conquistado o seu ponto máximo: o poder. Era o primeiro passo para se construir uma nova ordem no país.

Chávez tinha sido eleito sob a Constituição de 1961, que proibia a possibilidade de reeleição. E o primeiro passo para a perpetuação do poder foi tomado: um pouco depois da posse, ainda no dia dois de fevereiro de 1999, Chávez promulga por meio do decreto presidencial número três convoca um referendo em convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte, segundo o próprio, “para que o povo se pronuncie sobre a convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte”, propondo as perguntas:

“Convoca você uma Assembléia Nacional Constituinte com o propósito de transformar o Estado e criar um novo ordenamento jurídico que permita o funcionamento de uma democracia social e participativa?” e

“Autoriza você que o presidente da república, mediante a um ato de governo, fixe e ouça a opinião dos setores políticos, sociais e econômicos as bases do processo eleitoral em o qual se elegeram os integrantes da Assembléia Nacional Constituinte?”

No dia 25 de abril de 1999, as perguntas foram levadas a votação no referendo: a primeira pergunta teve 87,75% dos votos favoráveis, e a segunda pergunta teve 81,74% dos votos favoráveis. Estava autorizada a formação da Assembléia.

Dia 25 de julho de 1999. Acontecem as eleições para a Assembléia Nacional Constituinte. Os aliados de Chávez, chamados de candidatos oficialistas tiveram 52% dos votos, enquanto a oposição, 48%. Porém, graças a uma manobra matemática chamada de “El Kino”, uma espécie de voto em lista para beneficiar candidatos do interior, com maioria ligada a Chávez, os oficialistas obtiveram 125 das 131 cadeiras da assembléia.

As reuniões da Assembléia Nacional Constituinte se iniciam no dia três de agosto de 1999. Regulamentando e declarando que a constituição era “depositária da vontade popular e expressão de sua soberania com as atribuições do Poder Originário para reorganizar o Estado venezuelano”. E delimita que “poderá limitar ou decidir a cessão das atividades das autoridades que compõem o poder público” e “que todos os organismos do poder público estarão subordinados ao Poder Originário”. Neste momento, o congresso nacional autorizava a presidência a intervir na atividade legislativa, acabando com a independência dos poderes.

No dia oito de agosto de 1999, a Assembléia autoriza um decreto para a reorganização do poder judicial, para também submeter o judiciário ao Poder Originário, que era o executivo. E no dia seguinte, Chávez, colocando seu cargo a ordem, se auto-declarou como Poder Originário, e os membros da constituinte o ratificam no cargo.

Em doze de agosto de 1999, os deputados lançam decreto mediante o qual se declara a reorganização de todos os órgãos do poder público, dando de vez plenos poderes ao Poder Originário, autorizando-lhe “a intervenção, modificação, ou suspensão dos órgãos do poder público que assim se considere”. Era de vez a centralização do poder nas mãos de um só homem. E esse homem era Hugo Chávez.

Alguns dias depois, no dia vinte e três de agosto de 1999, a Corte Suprema de Justiça e seus magistrados votam, em votação oito a sete, a aprovação do decreto da reorganização do poder judicial, ditado pela Assembléia Nacional Constituinte, que subordina o judiciário ao executivo. A presidente da Corte, Dra. Cecília Sosa, oposicionista declarada de Chávez, se pronunciou contra a subordinação durante seu voto com o seguinte discurso:

“É evidente que a Assembléia Nacional Constituinte se autorizou para escrever um novo ordenamento constitucional, que sustentará o novo esquema do Estado Democrático eleito pelo país, e não para intervir ou substituir as esferas constituídas, originando um “superpoder”, onde se concentram as autoridades públicas (…). Sinceramente, a Corte Suprema de Justiça da Venezuela se suicidou para evitar ser assassinada. O resultado é o mesmo: Está morta.”

Dois dias depois, a Assembléia promulga o decreto para reorganização do poder judicial e cria a Comissão de Emergência Judicial, subordinado ao Poder Originário, com poderes de dissolver a Corte Suprema de Justiça e o Conselho Nacional Judicial. E também aprova o decreto que regula as ações do próprio Poder Legislativo, suspendendo as sessões do Congresso Nacional, criando a Comissão Nacional Legislativa Provisória da Assembléia Nacional Constituinte, e cria a Comissão de atuação parlamentar, removendo a imunidade legislativa.

No dia 15 de dezembro de 1999, é aprovada a nova Constituição venezuelana. E no dia 22 de dezembro de 1999, a Assembléia lança o decreto do regime de transição do poder público, dissolvendo definitivamente o Congresso Nacional, crindoa a Comissão Nacional Legislativa e um novo Tribunal Supremo de Justiça, se nomeia um novo Procurador-geral da república, um novo Delegado nacional da Receita Federal, e se auto-atribui competência para designar os integrantes do Conselho Nacional Eleitoral.

Dia 30 de dezembro de 1999, se promulga a nova constituição. No curso de seu funcionamento, a Assembléia Nacional Constituinte passou o controle das instituições e das esferas de poder para o executivo, por meio do Poder Originário. Depois da promulgação, Chávez passou a ter plenos poderes sobre o legislativo, sobre o judiciário, sobre a Controladoria Geral da República, sobre a Receita Federal, chamada na Venezuela de Fiscalia General de La República e sobre o Conselho Nacional Eleitoral. Com isso, se consumou o golpe de Estado moderno. A tomada do Conselho Nacional Eleitoral foi a cereja no bolo de Chávez, Bravo, Marksman, Diosdado Cabello, Nicolás Maduro e de toda a cúpula do MVR.  Assim, podiam se perpetuar no poder, dando prosseguimento à Revolução, e poder exibir origem democrática de poder, dando legalidade e legitimação ao MVR.

O que, no ano de 1992, Chávez e seu grupo não puderam fazer pelas armas, por meio de uma intervenção militar, fizeram entre 1997 e 1999 com aparência jurídica. Conquistar o poder, enfraquecer a oposição, utilizar-se do artifício da Democracia direta como embuste, utilizando a popularidade de início de mandato, aparelhar todas as estruturas de governo, subordinar todos os poderes à presidência da república e centralizar todas as ações de poder foram cruciais para termos, nos dias atuais, o caos instaurado na Venezuela.

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Jefferson Viana

Jefferson Viana

Jefferson Viana é estudante de História da Faculdade de Formação de Professores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, coordenador local da rede Estudantes Pela Liberdade, presidente da juventude do Partido Social Cristão na cidade de Niterói-RJ e membro-fundador do Movimento Universidade Livre.

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