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Sobre o custo moral das “Gambiarras”

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                         Marcia Rozenthal*

Escrevo este artigo tomada por um sentimento de constrangimento. Espero que ele sirva como exemplo de como a vitimização infantiliza, perverte e torna o ser-humano arrogante.

Ao contrário da frustração que sinto em Copas do Mundo, onde o rigor do preparo físico, técnico e tático coexiste com a malandragem, a rivalidade aética e com os frequentes erros de arbitragem, a essência das olimpíadas me encanta.

Gosto da lisura de uma competição cronometrada, gosto da seriedade e compromisso durante a preparação do atleta, gosto da importância vital que é dada ao momento presente, gosto do confronto entre o limite e a vontade e me seduz vivenciar o convívio de alto nível entre diferentes culturas.

As regras são claras e rigorosamente as mesmas para todos.

Esse é o “espírito olímpico”. Ele nos remete a um outro mundo, para além das “gambiarras”, como ironicamente foi definido, por um dos produtores, o evento da abertura.

Infelizmente, nas olímpiadas que vêm sendo realizadas aqui no reino encantado do Rio de Janeiro, nem tudo segue esse mesmo diapasão.

Nada li sobre isso na mídia brasileira, mas o episódio que narrarei a seguir, foi reverberado mundo afora e, sinceramente, me deixou envergonhada e cito dois motivos. O primeiro é por pertencer a um povo conivente com o “coitadismo”, que pune quem é honesto. O outro, por ser cidadã de um país onde reina a pusilanimidade, que assumiu um evento deste porte, sem ter lastro de coragem para assumir posições firmes e corretas diante de situações adversas.

Tudo ocorreu na noite de abertura das olimpíadas.

As equipes dos diversos países participantes, já na Vila Olímpica, se posicionaram para entrar nos ônibus que as levariam ao Maracanã, em acordo com a lista confeccionada pela organização do evento. A equipe do Líbano entrou no ônibus e, ao saber que teria que dividir o veículo com os atletas israelenses, resolveu impedir que estes entrassem, solicitando ao motorista que fechasse a porta. Ele o fez. Udi Gal, treinador da Equipe de Vela de Israel, procurou os membros da organização para relatar o fato. Desejava, obviamente, que fosse respeitado o protocolo desconsiderando a reação, inconveniente e indigna, dos libaneses. O motorista tornou a abriu a porta do veículo, mas o responsável pela equipe libanesa, o sr. Salim al-Haj Nakoula, bloqueou com seu próprio corpo a entrada dos israelenses, alegando que eles estavam “procurando confusão” (“looking for trouble”) ao insistirem em entrar (!!!). Qual não foi a surpresa (para mim, nenhuma) com a solução apresentada pelos organizadores: optaram por uma “gambiarra”, ou seja, dividir a equipe israelense (!!!!), e distribuí-la entre outros ônibus, possibilidade que foi rechaçada por Gal.

Dispersar uma equipe olímpica é algo impensável, até mesmo por uma questão de segurança.

O “conflito” foi resolvido pela organização da seguinte forma. O protocolo foi alterado, e realocaram a equipe israelense em um outro ônibus.

Ressalto que, depois deste constrangimento (imaginem como foi a cena), esses atletas participaram do evento de abertura e desfilaram com orgulho, carregando sua linda bandeira azul e branca.

Poderia parar por aqui, e deixar no ar os comentários para esse jogo de erros e bizarrices. Mas, algumas perguntas não calam:  o que essa equipe do Líbano faz aqui, se não tem preparo para conviver em condições de igualdade com outros atletas?  Por que a equipe libanesa não foi confrontada, retirada do veículo e punida por ter tido uma atitude como essa?

É risível imaginar que, enquanto assistíamos a um espetáculo que pregava a “diversidade” e a “inclusão”, um grupo de atletas havia sido discriminado simplesmente por ser composto de judeus.

Israel não é uma potência olímpica, mas é sabido que traz marcas muito fortes e dramáticas quando o tema é esse. Exemplarmente, o país segue em frente e prepara seus jovens para competir em tudo, dentro do melhor espírito possível. O país nos dá diariamente lições, na vida real, do que é superação e respeito, sem vitimização. Se pensarmos bem, o país foi criado por refugiados que nunca tiveram acesso a privilégios ou benesses. Mesmo neste episódio bizarro, seus atletas não cogitaram se nivelar aos libaneses, nem se negaram a ir em suas companhias. Tampouco faltaram ao evento. Reivindicaram o que foi acertado, lamentavelmente sem sucesso.

 

Desejo, de coração, boa sorte aos atletas israelenses. Agradeço pela verdadeira lição de diversidade e de inclusão que nos deram, ao ir dignamente à cerimônia de abertura das olimpíadas, e, por toparem competir, sem fazer distinção, com quem vier pela frente.

 

* Marcia Rozenthal é neuropsiquiatria e Doutora em Psiquiatria

 

 

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