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Rio de Janeiro há 100 anos: polícia dormia por não ter o que fazer

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O Rio de Janeiro hoje é uma cidade dominada pelo medo. Isso é um truísmo. Todos sabem. O clima é de guerra civil, e ninguém se sente seguro ao andar na rua. Infelizmente, a imagem que temos do Rio atualmente é a cidade dos traficantes, na qual os bandidos desfilam impunes com suas AK 47, e os céus noturnos são iluminados não pelos astros, mas pelo rastro de balas traçantes.

Talvez os jovens não saibam, mas o Rio nem sempre foi assim. A cidade maravilhosa já foi, de fato, maravilhosa, bela e segura. Não é saudosismo de uma época que não vivi. São os fatos.

Trago ao leitor um relato de primeira mão de quem viveu e descreveu os bons tempos do Rio. Trata-se de uma crônica de Lima Barreto, o grande escritor carioca do início do século XX. Na crônica “A polícia suburbana”, de Lima Barreto, publicada em 1914, vemos um pequeno retrato da tranquilidade que reinava no Rio do século passado.

“Noticiam os jornais que um delegado inspecionando, durante uma noite destas, algumas delegacias suburbanas, encontrou-as às moscas, comissários a dormir e soldados a sonhar.” E Lima Barreto prossegue:

“Os jornais, com aquele seu louvável bom senso de sempre, aproveitaram a oportunidade para reforçar as suas reclamações contra a falta de policiamento nos subúrbios. Leio sempre essas reclamações e pasmo. Moro nos subúrbios há muitos anos e tenho o hábito de ir para a casa alta noite. Uma vez ou outra encontro um vigilante noturno, um policial e muito poucas vezes é-me dado ler notícias de crimes nas ruas que atravesso.”

Caro leitor, leia esta crônica na íntegra. Leia outras crônicas e os romances de Lima Barreto. É uma ótima oportunidade para fazer uma verdadeira viagem no tempo. Quanta diferença em relação aos dias atuais! Os problemas daqueles tempos eram tão pequenos perto do oceano de escândalos nos quais nós brasileiros nos vemos imersos. As polêmicas eram inocentes, quase parecem hoje histórias para crianças.

Há em Lima Barreto esse mesmo pessimismo que sentimos em relação ao nosso país, mas os escândalos políticos não se comparam aos atuais. No romance Numa e a ninfa, por exemplo, Lima Barreto tentou delinear a história de um típico político da época, no caso, um deputado. As maracutaias em que o protagonista se metia nada são quando comparamos aos noticiários atuais. O Numa fazia aquela velha politicagem menor: um cargo para um, uma pensão outro, os pequenos conchavos aos quais estamos infelizmente acostumados. Contudo, diante de mensalão, petrolão e companhia, Numa é um mero trombadinha.

O pecado maior de Numa era o fato de que quem realmente escrevia os seus belos discursos era sua esposa. Ou seja, a grande mente que brilhava na câmara não era Numa, mas sua esposa, uma mulher inteligente e culta, ao contrário de seu marido. Compare esse pecado, não ter escrito o próprio discurso, com os pecados de nossos políticos, que roubam bilhões e quebram a nação inteira.

O caos na cidade, dominada pela violência e pelas drogas, é apenas o reflexo do caos político. Políticos que roubam bilhões e traficantes de amedrontam as metrópoles são os vilões da mesma tragédia que se encena nesse grande teatro chamado Brasil. Eles são sintomas de uma mesma doença que corrói nossa nação.

Voltemos à crônica de Lima Barreto. Os policiais de uma delegacia do Rio dormiam porque não tinham o que fazer. Havia no máximo ladrões de galinha e malandros para prender. No restante do tempo, parecia reinar a monotonia entre as autoridades policiais. Parece que estamos falando de outro mundo, mas isso era o Rio de Janeiro.

Que um dia o pecado maior de nossos políticos seja, novamente, o discurso escrito pela mulher. Que os policiais voltem algum dia a dormir por falta de bandidos.

Sobre o autor: Antonio Pinho é mestre, bacharel e licenciado em Letras pela UFSC, e atua como professor e escritor.

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