Um inocente de mal com o governo está pior do que se fosse culpado. Miguel Astúrias, na sua aclamada obra Sr. Presidente, nos mostra, através da poesia e da linguagem suave que perpassa as páginas, retratos da ditadura que irrompeu na Guatemala entre 1890 e 1920. Anterior à obra de George Orwell, se assemelha muito ao cenário do “Grande irmão”, mostrando como a História, seja em que lugar for, está repleta de “superdemocratas”, os super- homens que conseguem alienar a todos e impor sua vontade pela confiança do povo.

A narrativa se passa pelos olhos de personagens presos injustamente, criminosos soltos e “amigos do rei” que, após enxergarem a verdade, vivem sob a sentença de uma das frases mais verdadeiras ditas na obra: se tornam o inocente que “de mal com o governo está pior do que se fosse culpado “.

Em um sistema com uma jurisdição destoante do ideal, a liberdade também foi completamente distorcida, sendo ela um direito válido apenas até onde o supremo ditador ache conveniente. Pior do que isso: a população, completamente cega, aplaude e discursa elogiando a figura política que traz um suposto bem- estar (migalhas), sintoma causado pela conscientização política vigente ou pelo simples fato da falta de conhecimento acessível do povo (podendo isso ser proposital ou não).

Apesar de ser um livro tão antigo, continua sendo extremamente atual – e seu retrato da sociedade também. Iludidas, muitas pessoas ainda acreditam em uma suposta figura salvadora, “resgatadora”, que possa sanar todos os problemas do país. Isso só os políticos – mestres do engano – podem prometer.

Deixando-se levar por argumentos pobres, a sociedade se entrega ao erro e vê seus mais essenciais direitos sendo substituídos por formas de controle disfarçadas de melhorias. Como disse C.S. Lewis, “democracia é a palavra que vocês devem usar para mantê-lo no cabresto”.

Sem dúvida, foi um dos melhores e mais profundos livros que li na minha vida – e a história se repete mais uma vez.

*Gabriella Cabral é graduanda em Direito na Universidade Estadual Paulista ( UNESP) e pesquisadora em filosofia do direito.