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As seis lições de Mises – breves reflexões acerca da inflação e do intervencionismo

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Em 1959, Ludwig Von Mises foi até a Argentina, onde proferiu uma série de palestras em seis dias na Universidade de Buenos Aires. Em cada um dos dias, Mises discorreu sobre um tema econômico diferente, sendo eles: Capitalismo, Socialismo, Intervencionismo, Capital estrangeiro, Inflação e Políticas e Ideias. Devido à linguagem fluida e ao caráter introdutório das palestras, as transcrições delas se tornaram um dos livros de maior sucesso do autor, intitulado As seis lições.

A presente resenha não abordará as seis lições individualmente. Pelo contrário, focarei em alguns trechos da obra que mais se encaixam ao momento atual, em especial, das lições sobre Intervencionismo e Inflação. O objetivo é traçar um paralelo entre as palestras de Mises e a atual conjuntura brasileira, onde a eleição de Lula à presidência e um cenário de recuperação pós-pandemia de Covid-19 e de Guerra na Ucrânia reabriram o debate sobre a inflação e o papel interveniente do governo nas políticas econômicas.

Segundo Mises, o governo “tem o dever de proteger as pessoas dentro do país contra as investidas violentas e fraudulentas de bandidos, bem como de defender o país contra inimigos externos. São essas as funções do governo num sistema livre, no sistema da economia de mercado”. Um governo intervencionista, por outro lado, é aquele que não se restringe à atividade de preservação da ordem. O que temos atualmente é o que se chama de “Economia Mista”, visto que muitas empresas são de propriedade e geridas pelo governo.

Apesar de essas empresas estatais serem submetidas à “supremacia do mercado”, ou seja, devendo contratar mão de obra, utilizar recursos precificados pelo mercado e “vender” seus serviços e mercadorias no mercado, há uma grande diferença entre estas e as empreitadas da iniciativa privada. Ao incorrer em déficits, dificilmente o indivíduo conseguirá manter sua empreitada; o governo, por outro lado, tem uma maneira de financiar seu déficit: lançando mão de tributos sobre a população.

Por conseguirem manter o déficit e, portanto, não precisarem gerar eficiência para as empresas estatais se manterem no mercado, é comum que “Estados empreendedores” – a nomenclatura cool para designar um Estado intervencionista – tornem-se cada vez mais fins em si próprios. A taxação é aumentada indefinidamente para sustentar uma máquina inchada, sendo usada para perpetuar a classe política no poder através da troca de favores e concessão de cargos nessas ineficientes estatais. Ainda, Mises nota que, quando os déficits estatais crescem além do montante possível de ser arrecadado pelos cidadãos por meio dos impostos, o governo lança mão da inflação.

Logo, fica claro que o tema central que une o intervencionismo e a inflação é o monopólio do governo para imprimir dinheiro. Mises define inflação como uma política econômica, e não como uma consequência acessória de outros movimentos econômicos, como os governos querem fazer a população acreditar.

O Estado lança mão da inflação, pois é dono da impressora de dinheiro, e há uma vantagem temporal para os grupos que recebem o dinheiro primeiro – falo em impressora de forma figurativa, pois hoje existem técnicas inflacionárias mais modernas e digitais. Segundo Mises, “se recorre a dinheiro recém-impresso, consequentemente algumas pessoas começam a ter mais dinheiro, enquanto todas as demais continuam a ter o mesmo que antes. Assim, as que receberam o dinheiro recém-impresso vão competir com aquelas que eram compradoras anteriormente. E, uma vez que não há maior número de mercadorias que antes, mas há mais dinheiro no mercado, haverá uma demanda adicional para uma quantidade inalterada de bens. Consequentemente, os preços tenderão a subir”.

É o que depreendemos da pandemia de Covid-19, em que os governos de todo o mundo (incluindo o Brasil) se utilizaram da inflação para atenuar os efeitos de curto prazo dos lockdowns ao distribuir dinheiro. Hoje, três anos após o início da pandemia, ainda sentimos os efeitos dessas políticas econômicas, com grande redução do poder de compra da população na maioria dos países.

Para tentar aplacar os efeitos da inflação, governos intervencionistas podem tentar se utilizar de técnicas como o tabelamento de preços. De forma acessível, o autor explica ao longo de algumas páginas o quão falha é a tentativa de tabelamento: “Antes de sua interferência, o leite era caro, mas era possível comprá-lo. Agora, a quantidade disponível é insuficiente”.

O que é importante perceber no caso do tabelamento de preços é o quanto os governos intervencionistas são capazes de gerar distorções com suas “ideias do bem”. Pode parecer nobre a iniciativa de diminuição de preços de um item fundamental como o leite. O que ocorre, no entanto, é um grande desequilíbrio e uma grande arbitrariedade em relação a quem conseguirá acesso aos bens. Ademais, a tendência do governo de querer controlar cada vez mais preços acaba por desembocar em socialismo, chegando ao ponto em que tudo que compõe o sistema econômico é definido pelo Estado.

Continuam sendo extremamente atuais os comentários de Mises sobre o entendimento das pessoas de que o governo é um ente paternal, com poderes sobre-humanos e que tudo pode. Nas palavras de Mises, “mal acontece algo no mundo que desagrada às pessoas e é comum ouvir-se o comentário: ‘O governo precisa fazer algo a respeito. Para que temos governo? O governo deveria fazer isso”. De fato, associou-se ao governo a imagem de provedor ilimitado de recursos. No Brasil, essa impressão é reforçada com o povo elegendo figuras paternais para o governo, alçadas a posições messiânicas e que chegam a prometer que “o povo voltará a comer picanha”, como foi o caso do então candidato Lula nas últimas eleições presidenciais.

Como solução às questões inflacionárias e como método de diminuição do poder do governo, Mises propõe o retorno ao padrão-ouro. Dessa forma, tira-se do governo o poder de imprimir dinheiro sem que haja recursos equivalentes em ouro, assim preservando o valor da moeda: “Constitui uma forma de proteção contra governos gastadores. Sob o padrão-ouro, se um governo resolve fazer gastos em um novo empreendimento, o ministro das finanças pode perguntar: ‘E onde vou conseguir o dinheiro? Diga-me, primeiro, onde encontrarei dinheiro para esse gasto adicional’”.

Uma das dificuldades em estabelecer medidas responsáveis, como o padrão-ouro e a diminuição de despesas, advém, segundo Mises, do fato de já não existirem partidos políticos autênticos, no sentido clássico, mas tão somente grupos de pressão. Trata-se de grupos de pessoas desejosos de obter um privilégio às custas do restante da nação: “Quando as autoridades eleitas procuram restringir despesas, limitar gastos, os que defendem interesses específicos – uma vez que serão beneficiários diretos de determinados itens do orçamento – apresentam-se para declarar que tal projeto específico não pode ser posto em prática, ou que tal outro deve ser implementado”.

Um desses interesses específicos que nos serviu de exemplo foi o recente caso da tentativa de taxação dos e-commerces chineses pelo governo petista. A justificativa para que essas empresas fossem mais tributadas era de que “são concorrentes desleais à indústria nacional brasileira, que paga mais impostos”. Cruzei com diversas pessoas esclarecidas que acharam essa justificativa válida, tão acostumadas com a figura do governo como ente controlador da economia que estão. Por outro lado, não vi ninguém questionar essa iniciativa e perguntar: “ora, se as empresas brasileiras são mais taxadas, por que não reduzir a sua tributação em vez de aumentar a tributação das empresas chinesas e prejudicar milhões de consumidores que compram delas e terão seu poder de compra reduzido?”

Diante de uma escalada tão grande da intervenção do Estado em nossas vidas, Mises aconselha: “Há um remédio. E esse remédio é a força dos cidadãos: cabe-lhes impedir a implantação de um regime tão autoritário que se arrogue a uma sabedoria superior à do cidadão comum. Esta é a diferença fundamental entre a liberdade e a servidão”.

*Tiago Antoniolli é consultor na Accenture Strategy, associado do IFL-SP e formado em Administração de Empresas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul com extensão pela UCLouvain, na Bélgica.

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