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Regra ou bom senso?

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A notícia esportiva da semana é a eventual perda de quatro pontos pela Portuguesa de Desportos, clube paulista que escalou um jogador sem condições de jogo na última rodada do campeonato brasileiro, fato que pode trazê-la da 12ª para a 17ª posição do torneio, levando-a ao rebaixamento para a série B, no lugar do Fluminense.

O regulamento do campeonato é literal e, levado ao pé da letra, não há como deixar de punir o clube paulista.  O problema é que isso beneficiaria justamente o Fluminense, clube estigmatizado como o “rei do tapetão”, em virtude de algumas famosas “viradas de mesa” no passado.  Além disso, a Portuguesa é um time considerado pequeno, o que fez com que a trupe politicamente correta, cuja tendência atávica é proteger os mais fracos contra os mais fortes, ficasse revoltada.

Chega a ser engraçado como as pessoas, no afã de defender o indefensável, confundem alhos com bugalhos, invertendo até o sentido das palavras.  Já vi gente dizendo que o Fluminense estaria, mais uma vez, prestes a virar a mesa.  Ora, de acordo com o Dicionário Houaiss, a expressão “virar a mesa” quer dizer “mudar as regras de algo a seu favor”.  Neste caso, é claro que a virada de mesa ocorreria apenas se a Portuguesa não fosse punida, como determina a regra.

O filósofo Hélio Schwartsman escreve uma coluna hoje na Folha de São Paulo exatamente sobre isso.  Seguem alguns trechos, com os meus respectivos comentários:

É ridículo o que estão querendo fazer com a Portuguesa. Sim, é verdade que o escrete luso escalou irregularmente um jogador e que, para tal delito, o regulamento prevê a perda do ponto ganho na partida mais uma “multa” de três pontos.”

Vejam que o articulista começa o texto admitindo que o time de São Paulo “escalou irregularmente um jogador” e que este delito está previsto no regulamento, bem como a punição aplicável.  Quanto a isso, não parece haver dúvida.

Se a Portuguesa perder os pontos, os cartolas estarão afirmando que o que acontece nos tribunais desportivos é mais importante do que o que ocorre dentro do campo, mensagem que não combina muito com a ideia de esporte.”

Neste caso, pergunto: para que regulamentos ou tribunais?  Para que regras, afinal?  Duvido muito que, se tal fato houvesse ocorrido no início ou no meio do campeonato, sem que se tivesse ainda noção das conseqüências práticas da punição, o filósofo, como homem inteligente que é, estivesse defendendo o mesmo ponto de vista.

Na verdade, para defender que a Lusa deva ser rebaixada é preciso recorrer a um formalismo jurídico rigoroso que, se já é difícil de sustentar no direito comum, torna-se risível no futebol. É óbvio que normas são importantes. Mas não se pode esquecer que elas são um meio para promover a paz social e outros objetivos relevantes, não um fim em si mesmo.

Novamente, se é para passar por cima do regulamento, para que ele serve?  Somente para que, na hora H, os sábios de plantão exercitem os respectivos bons sensos, julgando de acordo com aspectos subjetivos?  Em outro trecho, o autor afirma ainda que a Portuguesa não deveria ser punida “a escalação do atleta se deu por erro e não por má fé”.  Ora, infringe-se a lei muito mais por negligência, imprudência  ou imperícia do que necessariamente por má fé.  Deixar de aplicar a lei nos casos em que não há dolo, mas apenas culpa, tornaria a maioria das leis inócuas.

O problema de fundo é que o legalismo estrito é uma posição inconsistente. Não dá para aplicar todas as regras a todos o tempo todo. Fazê-lo transformaria nossas vidas num inferno.

Desculpe, mas o que transformaria nossas vidas num inferno seria ficarmos reféns das idiossincrasias e subjetividades dos julgadores.  Voltaire disse certa vez que “um homem é livre quando não tem de obedecer a ninguém, exceto à lei.”  É isso que os anglo-saxões chamam de “Rule of Law” (Império da Lei).

Normas que assumem a forma de comandos legais não dão conta das complexidades do mundo real. Em qualquer caso, futebolístico ou jurídico, para chegar a uma solução que a maioria das pessoas classificaria como justa é preciso fazer referência a um conjunto de regras não escritas que chamamos de bom senso. Sem ele nenhum sistema para em pé.

Justiça não significa agradar a maioria ou fazer aquilo que a maioria considera ideal.  Muitos crimes e injustiças já foram cometidos com o beneplácito das maiorias.  Ademais, dizem por aí que o “bom senso” foi o único dom que Deus distribuiu de forma uniforme entre os homens.  Até hoje nunca encontrei alguém que, questionado a respeito, respondesse que não tem “bom senso”.  Um amigo costuma dizer, com propriedade, que “bom senso” é a expressão politicamente correta para aquilo que eu quero, concordo ou defendo subjetivamente, ainda que não encontre respaldo nos fatos, na lógica ou na lei. Por isso, quando em meio a algum debate em que o meu interlocutor apela para o velho “bom senso”, costumo responder: “o.k., usaremos o meu bom senso ou o seu?”

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João Luiz Mauad

João Luiz Mauad

João Luiz Mauad é administrador de empresas formado pela FGV-RJ, profissional liberal (consultor de empresas) e diretor do Instituto Liberal. Escreve para vários periódicos como os jornais O Globo, Zero Hora e Gazeta do Povo.

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