Assassinando reputações e desafetos
RICARDO VÉLEZ-RODRÍGUEZ *
Capa da obra de Robert Darnton, intitulada: O diabo na água benta (São Paulo: Companhia das Letras, 2012), que retrata a estratégia de assassinato de reputações na Europa dos séculos XVII a XIX.
O Livro do delegado Romeu Tuma Junior, o Tuminha, intitulado: Assassinato de reputações – Um crime de Estado ** (Rio de Janeiro: Topbooks, 2013, 557 páginas) não traz nada de novo na longa esteira de safadezas e truculências da petralhada. Registra, sob renovado viés, o caráter sistêmico que essas práticas ganharam na estratégia petista, rumo à consolidação da hegemonia partidária.
Partindo da hipótese levantada por Antônio Paim na obrinha intitulada: Para entender o PT (Londrina: Edições Humanidades, 2002), no sentido de que o que inspira aos petistas é a ética totalitária (“os fins justificam os meios”), podemos dizer que o assassinato de reputações via dossiês falsos é um dos meios para a conquista do poder e para sua manutenção. Em época de eleições essas práticas voltam, turbinadas, ao cenário político sem que, evidentemente, se restrinjam a esses momentos.
Vejam os caros leitores, por exemplo, o caso do CADE, sob direção do sobrinho do Gilberto Carvalho, que jogou os holofotes sobre a oposição do PSDB, para encontrar corrupção no financiamento das obras de trens e metrô ao longo das últimas duas décadas, analisando unicamente os desafetos. Esse estardalhaço todo vem justamente no momento em que os líderes petralhas do mensalão começam a cumprir penas. Pura ação de desinformantsia, diriam os russos, useiros e vezeiros nesse tipo de prática desde os tempos de Pedro o Grande, no século XVII.
As fontes para a estratégia de assassinato de reputações não são novas. De um lado, estão os russos, com a sua secular prática de criar confusão no galinheiro alheio quando as coisas não andam bem em casa. Essa estratégia recebeu sistematização aprimorada no Testamento Político de Pedro o Grande, que recomendava azucrinar a vida das potências inimigas, como a Grã Bretanha, plantando falsas informações que enfraquecessem o poder no seio delas.
Discípulo aprimorado da estratégia grã russa foi, sem dúvida nenhuma, Vladimir Illich Ulianov, o Lenine, que aconselhava coisa parecida no início do século XX, com a finalidade de fortalecer o poder dos bolcheviques. Stalin foi um disciplinado e inescrupuloso realizador dessa estratégia, não só plantando falsos dossiês contra oposicionistas, mas também matando literalmente de fome os camponeses que integravam a classe média (fala-se em 20 milhões de vítimas), a fim de fortalecer a política centralista e estatizante das Granjas Coletivas Soviéticas.
Lógica de ditador georgiano é outra coisa. Lógica de ferro. Stalin raciocinava da seguinte forma: “quem cria problemas são as pessoas; eliminem-se as pessoas e solucionar-se-ão os problemas”. Lógica para deixar com água na boca a terroristas jacobinos como Saint-Just, Che Guevara, Fidel e outros…
Mas há outras duas fontes importantes na estratégia de assassinato de reputações. A literatura marrom dos que, ao longo dos séculos XVII e XVIII, viveram da escrita de libelos acusatórios contra quem quer que fosse. O único que importava era o pagamento em dia dos “honorários” combinados entre o escriba e os mandantes.
Robert Darnton, aliás, em magnífica obra, O diabo na água benta – Ou a arte da calúnia e da difamação de Luís XIV a Napoleão (São Paulo: Companhia das Letras, 2012) traz-nos uma bela descrição desses profissionais da calúnia, que não eram grandes escritores, claro, mas que se identificavam com poetas falidos, ensaístas fracassados, militantes apalermados, todos aqueles que trocaram as emoções da praça pública e da pancadaria nas manifestações e arruaças pelas agressivas páginas dos libelos. Uma malta para ninguém botar defeito e que colaborou, de forma decisiva, para acirrar os ânimos e criar esse ambiente revolucionário de “guerra de todos contra todos” que caracteriza as últimas décadas do século XVII e as do século seguinte.
É a razão individual maluca, solta em casa como louco cego, e que vai se alimentando de tudo quanto é dúvida contra o que está aí, dando ensejo ao clima de agitação universal que pairava no ar às vésperas da Revolução Francesa. A cabeça pensante do rei que governava absoluto no século XVII de Luís XIV foi substituída pela multidão que pensa que pensa e que desafoga as suas contradições no movimento revolucionário: é a razão que toma conta da praça pública e que será coroada como rainha em Notre Dame pelos revolucionários de 1789.
A outra fonte importante para a estratégia de assassinato de reputações é a obra Du contrato social do filósofo genebrino Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), que elaborou a estratégia para consolidação da “democracia de massas”, origem remota do hodierno totalitarismo e dos populismos que estão atazanando a vida da América Latina. O arrazoado de Rousseau era claro: a felicidade geral da nação decorre da unanimidade. Logo: Pau na dissidência! À luz desse raciocínio foi criado o mecanismo para construção da democracia de massas. O Legislador, cercado pelos puros (aqueles que abdicaram da luta em prol dos seus interesses individuais para se dedicarem única e exclusivamente à defesa do interesse público), organiza o Comitê de Salvação Coletiva que tem como finalidade destruir todo aquele que ousar dissentir da unanimidade almejada. Fica como resultado dessa ousada ação a paz do cemitério, que é a sociedade neutralizada pelo Líder e os seus sequazes.
Com esse pano de fundo doutrinário dá para ver que a estratégia petista de assassinato de reputações não é nova. Estratégia que, se necessário, converte-se em via para o assassinato de pessoas, caso haja alguém suficientemente louco para peitar a unanimidade da vontade geral.
Tuminha lembra o caso Celso Daniel. O PT também é capaz de crueldades maiores, diria o velho Lenine.