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Por que todo mundo inventa um Joaquim Nabuco que não existe?

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Em fevereiro de 2017, publiquei pelo Instituto Liberal um artigo intitulado Por que o PSL inventou um Joaquim Nabuco que não existe?. Na época, promovi uma discussão civilizada com o atual movimento Livres, que funcionava então como uma corrente interna ao Partido Social Liberal – que depois hospedou o presidenciável Jair Bolsonaro -, quanto à maneira por que seus conteúdos nas redes sociais interpretavam a figura histórica de Joaquim Nabuco.

Não foi a primeira vez nem será a última em que discordarei do Livres. Entretanto, percebi ao longo do tempo que aquele movimento está longe de ser o único a explorar recortes que julgo equivocados a respeito de figuras históricas, em especial o grande abolicionista pernambucano. Na verdade, há quem o faça em intensidades ainda mais absurdas.

O escritor e jornalista Pedro Doria, comentando a exclusão das contas do canal Terça Livre no Youtube, disse em um vídeo de cerca de doze minutos que um dos maiores incômodos que experimentava com o veículo “alternativo” comandado por nomes como Allan dos Santos era a exploração indevida que faziam da imagem de Nabuco. Proclamou que Joaquim Nabuco não se identificaria com o Terça Livre e com sua agenda reacionária e bolsonarista e que o que os donos do canal fazem ao explorar seu nome é repugnante.

Sinceramente, concordo com Pedro Doria em que o Terça Livre nada tem a ver com Joaquim Nabuco. Seus donos se habituaram a difamar quem quer que fosse útil para alavancar seus vídeos sensacionalistas. Eles demonstram tudo, exceto qualquer apreço pelo liberalismo. Posso falar sobre isso de maneira franca e inequívoca porque fui alvo de seus ataques sórdidos. Quando sustentei uma posição abertamente contrária ao “Estado católico”, com poder de limitar as manifestações de outras religiões, fui acusado por eles de estar declarando guerra ao Catolicismo, o que jamais pretendi. Em um vídeo com palavras de baixíssimo calão desde o título, eles “desceram a lenha” em minha pessoa e no movimento liberal como um todo sem o menor pudor naquela época, com toda sorte de mentiras e distorções medonhas.

Então, sem dúvida, embora eu não goste de ficar julgando como um personagem histórico se portaria em uma época e um contexto bastante diferentes, tenho segurança de que o Terça Livre não faz jus à tradição liberal de Joaquim Nabuco. Dito isso, a visão de Nabuco externada por Pedro Doria está igualmente eivada de absurdos.

“Joaquim Nabuco, para começar, de conservador não tinha nada. Ele estaria hoje ou na Rede ou no Cidadania. Foi uma das primeiras e mais fortes vozes pela abolição da escravatura, contra todos os conservadores”, diz ele. Eu não preciso ir mais longe, mas acrescento apenas que ele tenta estabelecer uma oposição entre o Barão do Rio Branco e o conservadorismo, quando é notório na biografia do barão que ele tinha uma formação no Partido Conservador (Saquarema) da monarquia – oposto ao Partido Liberal (Luzia) de Nabuco. Em plena República, o saquaremismo de seu pai ainda era uma marcante influência sobre ele.

Voltando a Nabuco, porém, já escrevi sobre o seu monarquismo, que o próprio Pedro Doria admite, e sobre os traços quase burkeanos – ao estilo do irlandês Edmund Burke, um liberal whig alcunhado como “pai do conservadorismo moderno” – de sua fase mais madura no meu artigo de 2017, ao qual remeto o leitor interessado. Só que o pior de tudo é o Pedro Doria dizer que ele defendia o abolicionismo “contra todos os conservadores”, quando o presidente do Conselho de Ministros que aprovou a Lei Áurea, João Alfredo, era oficialmente do Partido Conservador e todas as leis que extinguiram gradualmente a escravidão foram aprovadas em gabinetes saquaremas. O conselheiro João Alfredo, aliás, já havia sido ativo na aprovação da Lei do Ventre Livre.

Antes de existirem os partidos do Segundo Reinado, ao tempo da independência, estadistas como José Bonifácio já defendiam a extinção da escravidão. Quando o velho Andrada já previa um plano para a eliminação dessa chaga moral na década de 1820, é forçoso reconhecer que muitos dos liberais da maçonaria fluminense que apoiaram a Independência não tinham uma visão social tão adiantada a esse ponto.

Ao longo do Império, o fim da escravidão progressivamente se tornou uma fatalidade, modificando-se apenas o entendimento quanto à forma por que este fim se daria. A questão do abolicionismo pode ter tido em luzias seus mais ardorosos ativistas, mas a extinção foi um processo suprapartidário e a questão dividia integrantes dos dois partidos. Ambos os partidos, de qualquer sorte, derivam do grupo dos “liberais moderados” do período da Regência e se assentam, portanto, em uma costela calcada no liberalismo do século XIX.

Como diz o próprio Pedro Doria, a falsificação histórica tem limites. Não devemos promovê-la. Contudo, nem sempre os que se arrogam porta-vozes do pensamento dos personagens históricos estão fazendo um trabalho melhor que o de seus alvos.

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Lucas Berlanza

Lucas Berlanza

Jornalista formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), colunista e presidente do Instituto Liberal, membro refundador da Sociedade Tocqueville, sócio honorário do Instituto Libercracia, fundador e ex-editor do site Boletim da Liberdade e autor, co-autor e/ou organizador de 10 livros.

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