Por que é preocupante a devoção da direita liberal-conservadora a Enéas Carneiro?

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“(…) defende um Estado forte, técnico e intervencionista, um Estado que se preocupe realmente com a nação e que não seja propriedade de um grupo de políticos.”

“(….) que o presidente da República não seja um títere, não seja um boneco levado de um lado para o outro na dependência de quem está à sua direita ou à sua esquerda.”

Outra coisa (diferente da liberdade de imprensa) é a absoluta falta de responsabilidade com que a imprensa se comporta atualmente. Por exemplo, cito de modo claro: na capa de uma revista aparecem as três figuras magnas do país – Sua Excelência, o presidente da República; Sua Excelência, o presidente do Congresso; Sua Excelência, o presidente do Supremo Tribunal Federal – vestidos como pessoas do sexo feminino em uma dança. A revista se chama ‘Revista Veja’. Eu não entendo que lucro, que vantagem a nação tem com isso. (…)”

“(…) o modelo de natureza macroeconômica que foi utilizado lá (no Peru) repete os ecos da ventania neoliberal que assola o continente sul-americano.

“A sua Excelência o senhor Fernando Henrique é o representante legítimo das multinacionais no país. (…) É um homem que defende um processo neoliberal que estraçalhou a Argentina – e temos outros exemplos, muitos.”

“As empresas, todas estão perdendo, só as muito grandes que não perdem. As empresas médias, pequenas, todas estão perdendo. Não há estímulo nenhum para o investimento, em produção nenhuma. Então, quando eu digo ‘intervencionista’, eu digo isso com firmeza querendo dizer o seguinte: vai intervir mesmo, contra esse monstro cuja cabeça está lá fora, no G7. Não sei qual deles, é um conjunto, o senhor sabe, harmônico, que funciona ali no Norte, na pax borealis, e os tentáculos estão aqui dentro, com os vendilhões da pátria aqui dentro.”

Sobre Fidel Castro, “Perguntaram-me quem eu admirava no exterior. Eu disse, pela personalidade forte, pelacoragem de enfrentar o monstro.”

“O senhor Getúlio Vargas era um homem preocupado com a nação, sem dúvida. Estou elogiando um aqui. (…) Se para o senhor é extremamente elogiável um presidente que é um boneco, se o senhor gosta disso, eu respeito sua tese, o que está nos seus esquemas. Eu não penso assim.”

“Vamos para homens de personalidade forte que me impressionaram. (…) Meiji (1852-1912), imperador do Japão de 1967 a 1912, em cujo governo o país conheceu grandes transformações. (…)” Questionado sobre Meiji ter sido um absolutista, respondeu: “Sim, isso é irrelevante. Getúlio Vargas foi ditador e depois foi eleito, o que provou que o povo ou queria ou desejava.

“Eu sou totalmente – eu não, o nosso partido é totalmente favorável ao monopólio do petróleo, das telecomunicações, e seria também ao do aço, só que o aço não adianta mais, já venderam.”

Creio que essa lista de citações já seja o suficiente. Elogio a ditadores – particularmente Getúlio Vargas, o que eu, como lacerdista tardio, tenho arrepios intragáveis em constatar – e menosprezo do fato de que não são constitucionalmente legítimos, monopólio de petróleo e telecomunicações, Estado intervencionista, tecnocracia, incômodo com sátiras na imprensa (lembramos que, na época do Império, mesmo as coisas mais horrendas ditas sobre o imperador D. Pedro II não eram censuradas), ataque ao “neoliberalismo” destrutivo e às “grandes potências” do G7 (só faltou falar em imperialismo)… Um pacote de ideias que sempre combati, ao lado do qual jamais estive e, por coerência, jamais poderia estar, independentemente do nome que as ostentasse.

Mas não foi um petista ou um comunista quem disse essas coisas. Foi o médico cardiologista e sargento na Escola de Saúde do Exército, presidente do hoje extinto Partido de Reedificação da Ordem Nacional, Enéas Carneiro (1938-2007), em sua entrevista para o programa Roda Viva, em 1994, como candidato à presidência da República. Usuário eficaz da norma culta do Português, pessoa de formação muito respeitável no campo médico-científico, Enéas conquistou popularidade no Brasil do final do século passado pelo seu discurso de defesa do orgulho nacional, pela ordem, pelo progresso, pelos valores, com promessas grandiosas como a bomba atômica, e pela sua fala histriônica, repetindo “Meu nome é Enéas” nos poucos minutos de que dispunha na propaganda eleitoral.

Deixo algumas premissas claríssimas diante do que falo – ou mais ainda, do que acabo de DEMONSTRAR: não tenho nenhum questionamento moral à pessoa do já falecido Enéas Carneiro. Muito ao contrário. Respeito sumamente as suas intenções, que reputo como sérias e honestas; o PRONA ocupava o último lugar em casos de corrupção e, tal como seu líder e ícone maior, era um partido autêntico, transparente quanto à sua ideologia e à sua agenda.

O que eu questiono é assumir Enéas como ícone, por parte da recente onda de redespertar de movimentos liberais e conservadores (de inspiração burkeana, enfocada na prudência e no gradualismo de transformações). Parece-me evidente que tal atitude resulta de uma incongruência de princípios desprezada em função da carência de referências amplamente reconhecidas. Carlos Lacerda, o grande tribuno udenista, governador da Guanabara, pontuou que, guardadas as devidas proporções, o lacerdismo poderia ser visto como uma projeção, no tempo, da pregação democrática e civilista de Rui Barbosa. Por analogia, o liberalismo e o conservadorismo, no Brasil, poderiam ser trabalhados, em diálogo com suas raízes nacionais, como projeções, no tempo, das mesmas correntes que vicejavam no período monárquico, chegaram a ter algum espaço na República Velha (com Campos Sales e Rodrigues Alves, por exemplo) e que atravessaram o país na oposição através de alas importantes da UDN.

Mas Enéas? A agenda do presidente do PRONA não tem correspondência com o que defendemos. Seu apreço pela centralização de poder, pelo incremento do Estado e das prerrogativas do presidente da República, o faz hostil até às reformas saudáveis e privatistas – com todas as incongruências que sabemos que tiveram – dos governos do PSDB com Fernando Henrique Cardoso. Nem mesmo à privatização das telecomunicações ele seria favorável. Como poderia um liberal aplaudir isso? Não poderia tal agenda, assumindo o poder, ser muito mais destrutiva economicamente que a dos tucanos? A corrupção que ele combatia, com toda a justiça, não é facilitada pelo incremento estatal que ele também defendia? Enéas e o PRONA poderiam ser vistos, com muito mais coerência, pelo mesmo raciocínio que empreendemos acima, como uma projeção do Positivismo republicano, do Varguismo (enaltecido por ele próprio aqui) ou do Integralismo; em suma, como uma manifestação do Nacionalismo altamente pronunciado, muito mais do que do Patriotismo equilibrado.

Por experiência, já que já insinuei estas críticas em um dos meus primeiros artigos, sei que haverá os fãs de Enéas que se chatearão com textos como esse. Só posso dizer que eu os respeito, como respeitaria o próprio Enéas, como proponentes de uma corrente de pensamento dentro do jogo de discussão democrática. Só vejo com preocupação que, na falta de uma representatividade estabelecida, a direita liberal-conservadora dissemine a devoção a certos ícones que não se casam com seus fundamentos gerais. Apenas, por uma questão de coerência, é preciso deixar claro que Enéas repudiaria uma grande parcela das nossas teses. Nada mais justo, e nem um pouco agressivo ou desproporcional, que manifestemos, também nós, as nossas discordâncias, e firmemos a nossa posição.

 

Nota: Publicado originalmente no site Sentinela Lacerdista com o título:  Por que tenho minhas diferenças com Enéas Carneiro?

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Lucas Berlanza

Lucas Berlanza

Jornalista formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), colunista e presidente do Instituto Liberal, membro refundador da Sociedade Tocqueville, sócio honorário do Instituto Libercracia, fundador e ex-editor do site Boletim da Liberdade e autor, co-autor e/ou organizador de 10 livros.

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