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Por que as cotas raciais deveriam acabar

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Todos já devem ter tido conhecimento do caso do jovem de 18 anos que passou para medicina na USP na categoria “cotistas egressos da rede pública e autodeclarados PPIs (pretos, pardos e indígenas)”, declarando-se pardo e perdendo a vaga posteriormente após uma “banca de heteroidentificação” declarar que ele não era pardo.

De um lado, há a autodeclaração, considerada mesmo pelo IBGE, que a usa em suas estatísticas e no censo; sendo a raça uma ficção, um embuste quando se trata de pessoas e dada a inviabilidade de submeter cada um dos brasileiros à humilhação de um tribunal racial para ter seus fenótipos perscrutados (bem como a não disposição do IBGE em deixar de quantificar ditas raças e alimentar o racialismo), essa é a única forma. Contudo, quando se trata de beneficiar-se das cotas raciais, há o risco de fraude, alegam. “Se aceitarmos meramente a autodeclaração, há quem vai deliberadamente mentir só para conseguir a vaga”.

Em que pese o fato de que toda declaração de raça passa muito longe de um fato científico e é falsa, no sentido de que o conceito de raça humana é uma falsidade, o risco da fraude — pensando nas definições fenotípicas para o conceito social de raça — de fato existe. Pensemos no extremo em que um albino se autodeclare preto e obtenha uma vaga por meio de cota racial. Temos então que a fraude, é, tecnicamente, um possível resultado da política de cotas.

Surge então a necessidade, alegam novamente, de estabelecer um conjunto de critérios (fenotípicos, naturalmente) e de dar a um grupo (uma comissão, uma banca) a incumbência de dizer quem é ou não é o que diz ser. Daí vem a criação do que chamam de “comissão de heteroidentificação”, um nome chique para tribunal racial – e tribunal racial é o que é, colocando a autodeclaração e o autodeclarante no banco de réus. Admite-se então, para escapar da dita fraude, um desfecho no qual os candidatos terão suas fotos e por vezes até mesmo sua pessoa submetidos a análise dos “especialistas” que vão decidir se a cor da sua pele, o formato de seus narizes, de suas bocas, seu tipo de cabelo etc. correspondem de fato ao que foi autodeclarado. Temos então que um tribunal racial, com toda a degradação que ele enseja (lembrem que tribunais raciais também faziam os nazistas), é outro resultado da política de cotas.

Ora, admitindo essa conclusão inevitável, temos que as cotas ou geram a “fraude” ou tribunais raciais. Uma política pública que desague sempre nesses cenários só pode ser uma política péssima e que deveria ser extinta para ontem.

Voltando ao caso do rapaz, a entrevista com o tribunal racial foi virtual. A coisa é tão absurda que, durante a entrevista, segundo relato da tia, “pediram até para ele abrir a janela para melhorar a iluminação do ambiente“. Essa degradação é indissociável da política de cotas, que, com a desculpa de fazer reparação histórica, reforça o racialismo, reduzindo pessoas a uma meia dúzia de fenótipos.

Há também outro fator aqui. O rapaz declarou-se pardo, e o pardo é uma figura indesejável no discurso identitarista, que tem no mestiço — e lembrem que pardo abarca os mais diversos grupos que não se encaixam nos demais, não sendo tão somente, como pensam muitos, a mistura do branco com o negro — um desafio à sua lógica importada. O pardo, como já tive oportunidade de analisar mais amplamente, funciona como um verdadeiro curinga no discurso identitarista, podendo cumprir diferentes papeis: se está na universidade, vira branco; se está no presídio, vira negro. É simultaneamente uma figura útil e indesejada. Correspondendo ao maior grupo da população, de acordo com o censo mais recente, e somados aos pretos para, de acordo com o devaneio do IBGE, compor os “negros”, eles são fundamentais para absolutamente todos seus reclames e bandeiras. Usam-nos, por exemplo, para defender as cotas com o argumento de que é preciso fazer a universidade corresponder à estratificação racial do país. Contudo, quando o pardo chega lá para reclamar o que, em tese, também seria seu direito, é barrado, talvez por não ser a pele suficientemente escura. A mensagem é clara: “vocês servem para engrossar nossos números e fortificar nosso argumento, mas fora isso lhes descartaremos” – e descartados o são por aqueles que não têm pudor em negar sua existência (ainda que não a existência da raça): “pardo para mim é papel”. Instituem seus tribunais raciais, e a mesma autodeclaração que serve nas mãos do IBGE é nula diante dos juízes raciais.

Por fim, tem-se que a desculpa da dívida histórica para justificar as cotas entra em frontal contradição com a análise dos fenótipos. Ora, não poderia um descendente de escravos estar mais embranquecido depois de gerações de miscigenação? Não poderia o contrário acontecer também? Mas claro, não há critério alternativo. Não podem apelar à genética, pois é justamente ela que demonstra a ficção que é a raça. Que tal então testar a “ancestralidade”? Qual percentual de ascendência africana daria o direito à cota? 70%? 40%? 10%? A análise fenotípica é o que resta e ela serve para satisfazer a fetiches identitaristas e racialistas, não como política pública de qualidade.

Os defeitos que apontei aqui são indissociáveis do sistema de cotas por identidade e vão continuar à medida que elas também continuem. É discriminação legalizada. Se falarem em “discriminação positiva”, lembrem-se de que o rapaz barrado na USP era também egresso de escola pública, não era rico e certamente não teria como pagar a mensalidade de medicina. Tribunais raciais são inadmissíveis e, por extensão, devemos abolir tudo que os fomente, o que inclui as cotas raciais. Muito diferente são as cotas sociais (exclusivamente sociais), meritórias, eficientes e cegas para identitarismos. Políticas públicas voltadas para os mais pobres e educação básica de qualidade sem critérios identitários que, aí sim, poderiam beneficiar proporcionalmente mais negros e pardos (mas não só eles) é o remédio para desníveis estatísticos, não fetiches racialistas como as cotas.

Fonte:

https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2024/03/05/justica-da-cinco-dias-sob-pena-de-multa-para-usp-explicar-por-que-jovem-nao-foi-considerado-pardo-e-perdeu-vaga-de-medicina.ghtml

https://www.estadao.com.br/educacao/medicina-usp-cota-matricula-pardo-nprm/

https://valor.globo.com/brasil/noticia/2023/12/22/censo-2022-pardos-superam-brancos-e-sao-maioria-no-brasil-pela-1a-vez-diz-ibge.ghtml

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Gabriel Wilhelms

Gabriel Wilhelms

Graduado em Música e Economia, atua como articulista político nas horas vagas. Atuou como colunista do Jornal em Foco de 2017 a meados de 2019. Colunista do Instituto Liberal desde agosto de 2019.

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