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O que penso sobre a descriminalização das drogas

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Muita atenção tem sido dada ao tema que proponho discutir aqui devido à discussão que está ocorrendo no STF, e agora também do Congresso. Eu pretendo me debruçar sobre o que lá está sendo discutido, a forma como isso está ocorrendo, a legitimidade do STF versus a do Congresso, entre outras questões em um artigo específico e futuro. Neste artigo, tratarei somente de expor minha opinião pessoal sobre o que acredito que deveria ser o estado de coisas vigente.

O primeiro ponto é que precisamos separar muito bem descriminalização e legalização. A confusão entre os dois termos muitas vezes é um obstáculo para um debate de qualidade. Sempre que me referir a descriminalização neste artigo, estarei tratando da posse, porte e consumo pelo usuário; trata-se da descriminalização para uso pessoal, portanto. Já a legalização eu entendo como, e assim me referirei no artigo, a permissão do comércio legal de determinada ou determinadas drogas. Não vejo sentido em falar em legalização quando a permissividade do comércio de drogas (ou droga) não está em discussão.

Pois bem, sem que, em um primeiro momento, discutamos a legalização e/ou questionemos a chamada guerra às drogas, cumpre perguntar: a coibição das drogas deveria também atingir o usuário, podendo ele ser penalizado por consumir, ainda que não trafique? Em muitos lugares, a afirmativa para essa pergunta ainda é, lamentavelmente, a resposta. A ideia de prender alguém por consumir uma droga ou por portá-la para consumo pessoal é abominável e um sinal claro de autoritarismo, mesmo em democracias consagradas. Chegar ao ponto de encarcerar alguém por introduzir uma determinada substância em seu corpo é extinguir a autonomia que o indivíduo tem sobre si e presumir uma pretensa autoridade estatal, não apenas sobre as ações dos cidadãos, mas sobre seus próprios corpos.

No que pode ser considerado um grande avanço, desde 2006 se estabeleceu que usuários não estariam sujeitos a penas de privação de liberdade no Brasil, o que já foi um reconhecimento de que não é razoável equivaler usuário a traficante. Contudo, isso não significa que tais condutas tenham deixado de ser crime; ocorre que, por serem consideradas de menor potencial ofensivo, as penas impostas são “advertência sobre os efeitos das drogas; prestação de serviços à comunidade; medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo”. Em que pese terem um impacto muito menor que a prisão, não deixam estas penas também de serem absurdas. Certo, o usuário, em tese, não pode mais ser preso somente por ser usuário, mas segue tendo não só sua conduta, mas seu próprio corpo tutelado pela autoridade estatal, sendo submetido a reprimendas que, reduzindo-o a uma condição infantil, são vexatórias. O que defendo é que o usuário, na condição de usuário, não sofra pena alguma, portanto, defendo a descriminalização. Mas a descriminalização de qual droga? Ora, de absolutamente todas. A própria lei, na forma como está hoje, não ranqueia punições por gênero de droga. Por óbvio, a descriminalização do uso — que, nunca é demais lembrar, não é legalização da venda — não poderia valer apenas para a droga a ou b.

Essa posição não significa, como não poderia significar, uma concordância com o consumo de drogas ou uma pretensa afirmação de que elas não fazem mal à saúde. Ocorre que creio que as pessoas só podem ter suas condutas criminalizadas se elas têm como consequência danos “objetivos” contra outras pessoas. É o princípio do dano, de John Stuart Mill, mas não só dele. Isso significa que as pessoas não podem ser punidas por causar danos a si mesmas.

Notem que falo de danos objetivos, não abstratos ou potenciais. É importante assinalar isso, pois a réplica mais comum à invocação do princípio do dano é algo como: “O uso de drogas causa danos à saúde pública, já que os usuários podem vir a ter problemas de saúde e terão que recorrer ao SUS, gerando um ônus para toda a sociedade”. Ora, é verdade que o usuário pode vir a ter problemas de saúde, mas admitir um dano potencial (a enfermidade é uma possibilidade, não uma certeza) e indireto (a vítima seria a sociedade e não uma pessoa específica) nesse caso, demanda que, por lógica, se o admita em uma miríade de outras situações, abrindo uma Caixa de Pandora que ninguém que defende as liberdades individuais desejaria abrir, penso eu.

As drogas ilícitas tem contra si o agravo do repúdio moral à ilicitude em si, o que não significa que, a despeito de reservas morais, elas sejam mais danosas à saúde pública como um todo do que (como um todo, não individualmente, reitero), digamos, o sal, o açúcar, o álcool etc. Com base em dados do Ministério da Saúde, estima-se que 38 milhões de brasileiros sofrem de pressão alta, o que se equivale a 32% dos adultos e 60% dos idosos, sendo a doença crônica mais comum entre os brasileiros. É também uma doença letal, matando 551.262 brasileiros de 2010 a 2020. É fácil imaginar a frequência com a qual pessoas devem procurar o sistema público de saúde todos os dias para tratar a hipertensão ou problemas indiretos causados por ela. Significa isso que o governo deveria regulamentar o consumo de sal nas nossas mesas? Em 2015, causou certa comicidade uma lei do Espírito Santo — considerada inconstitucional posteriormente pelo Tribunal de Justiça do Espírito Santo — que proibia restaurantes e lanchonetes de disponibilizarem saleiros ou pacotinhos de sal nas mesas para os clientes. Por que não, além de estender tal “inovação legislativa” a nível federal, ir além e submeter aqueles que abusam do sal a “advertências, medidas educativas ou serviços à comunidade”? Quem admite o argumento da saúde pública no caso das drogas deve admitir o mesmo aqui, sob risco de imperdoável contradição.

E o que dizer do açúcar? Segundo dados do Atlas do Diabetes da Federação Internacional, há mais de 16 milhões de brasileiros diabéticos, o que se equivaleria a cerca de 7% da população. Já a pesquisa Vigitel Brasil 2023 (Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico), do Ministério da Saúde, traz uma cifra mais elevada: 10,2% da população. Para que coloquemos em perspectiva uma das possíveis consequências da doença, entre janeiro e agosto de 2023 foram realizadas quase 7 mil amputações causadas pela diabetes, uma média de 28 por dia. Diante de tal cenário, porque não permitir que o Estado haja como uma mãe disciplinadora que pune o filho por afanar o brigadeiro da geladeira? Ora, estou certo de que, assim como ocorre com hipertensos, o leitor deve conhecer uma proporção de diabéticos muito maior do que de usuários com comorbidades associadas ao uso de drogas, e se um aparato disciplinador para corrigir a conduta dos últimos lhe soa legítima, por óbvio também o deve ser para os primeiros no que se refere ao consumo do açúcar.

Também não podemos deixar de fazer a comparação mais fundamental, isto é, com o álcool. Segundo a Vigitel 2023, o percentual de brasileiros que bebe de forma abusiva é de 20,8%. Além dos problemas mais imediatos e óbvios, a lista de doenças causadas e associadas ao consumo abusivo de álcool é longa, podendo incluir doenças do fígado, pancreatite, problemas cardiovasculares, prejuízos cerebrais, câncer etc. Ora, porque não adotar medidas mais ostensivas contra o consumo de álcool, posto que tão maléfico? O desfecho mais dramático seria a imposição de uma Lei Seca, com todas as consequências deletérias que produziria (vide EUA). Por outro lado, assim como não se ensaiaria uma proibição absoluta do sal e do açúcar, poder-se-ia  manter o consumo legalizado, mas altamente regulamentado. Que aplicar o bafômetro para motoristas embriagados é mais do que razoável, não há dúvida, já que estão colocando a vida alheia em risco, mas o ponto aqui é quando você coloca a sua própria vida em risco. Que tal então aplicar o bafômetro a cidadãos de forma geral, mesmo quando pedestres? Imaginem “blitz de calçadas” em saídas de festas em que pedestres que tivessem bebido mais do que um certo limite permitido fossem submetidos às mesmas punições já previstas aos usuários de drogas (não é álcool também uma droga?) para fins de reeducação? Ou então, que tal limitar a quantidade de álcool que os cidadãos pudessem transportar? Comprou uma latinha a mais do que devia? Favor nos acompanhar até a delegacia.

Eu poderia facilmente seguir por muito mais tempo, listando outras situações onde o argumento da saúde pública poderia ser invocado, mas creio que já temos o suficiente para que o leitor entenda meu ponto. Creio também, e espero, que a contemplação destas situações análogas apele à autonomia individual e que as sugestões pitorescas que dei de formas de controle da conduta privada, mesmo na culinária ou na cerveja do fim de semana, só possam causar o repúdio de quem teria horror por ser tratado como um bebê pelo Estado.

O argumento da saúde pública, como disse, abra uma Caixa de Pandora e permite, por analogia, uma redução considerável das liberdades individuais. Estou certo de que qualquer argumento dado no sentido de negar a analogia entre uma coisa e outra (consumo de drogas versus consumo de açúcar, por exemplo) inevitavelmente cairia na reserva moral do fator ilicitude. Não há fundamentalmente nenhuma razão para que se diga que o usuário atenta contra a saúde pública a tal ponto de ter que ser submetido até mesmo a serviços comunitários, sem que o mesmo seja admitido para outras condutas danosas à saúde pública. Para ilustrar, de acordo com o 3° Levantamento Nacional sobre o Uso de Drogas pela População Brasileira, da Fiocruz, 3,2% dos brasileiros usaram drogas ilícitas nos 12 meses que antecederam à pesquisa. Isso significa que, mesmo que todos os usuários ficassem doentes no mesmo período e em razão do uso, tendo que recorrer ao sistema público de saúde, o percentual de incidência em termos de doenças seria ainda esmagadoramente menor do que outras doenças, dentre as quais as citadas. A diferença, portanto, é a reserva moral em relação às drogas ilícitas.

Por fim, o argumento se constitui, sem que se perceba, em um argumento anti saúde pública muito mais ferrenho do que muitos libertários seriam capazes de produzir. Se, para evitar encargos adicionais ao sistema de saúde pública, admitimos a vigilância e punição de condutas essencialmente privadas, estamos admitindo, necessariamente, um trade-off entre saúde pública e liberdade, na qual a última deveria ser sacrificada em benefício da primeira. Confrontamos o cidadão com a odienta escolha entre sua liberdade individual e saúde pública —exceto, é claro, que não é realmente uma escolha, pois o trade-off é feito à revelia de sua vontade e sua liberdade é sacrificada por inspiração coletiva. Ora, se é essa escolha imposta ao cidadão, lhe seria tão legítimo admitir o contrário do que lhe é imposto, isto é, a redução da saúde publica em benefício das liberdades individuais. Daí eu dizer que esse é essencialmente um argumento anti saúde pública.

Este, é claro, não é um trade-off real e existe apenas no bojo do argumento da saúde pública. Aliás, temos uma contradição aqui. Não são os serviços públicos comumente contrapostos na retórica à saúde privada com palavras de ordem um tanto quanto pueris do tipo “saúde não é mercadoria”? Não são rotineiramente as empresas de planos de saúde — seguradoras, afinal — criticadas por colocar óbices a determinadas coberturas? Não são essas criticas que inspiram uma ostensiva (e excessiva) regulamentação do setor? Como então alguém que aquiesce com tudo isso, ou, no mínimo, com as críticas aos óbices dos planos de saúde, pode invocar o argumento da saúde pública para a punição de condutas privadas? Numa ponta, há negativa para certas coberturas, certo; mas, na outra, há a criminalização de uma conduta e efetivamente uma punição para indivíduos que escolhem fazer mal a si mesmos. Dirá alguém então que, diferentemente dos planos de saúde, o Estado não pode negar a cobertura, sendo legítimo punir deslizes. Pois, então, admitem o desfecho inelutável no qual a saúde pública, contando literalmente com poder de polícia, seria muito mais rígida e detestável do que sua análoga privada, e cairia por terra a visão algo “terna” do sistema público de saúde.

Se, para proteger a saúde pública de condutas privadas, admite-se a punição dessas condutas no caso das drogas, há não só contradição, mas uma grotesca hipocrisia em não admitir isso para todas as demais condutas que possam causar danos, até mesmo superiores. O leque de condutas que poderiam ser merecedoras dessa “correção” é inquantificável, mas podemos facilmente considerar que, à exceção de fatores genéticos e ambientais, não há limite para as possibilidades de problemas de saúde causados por condutas imprudentes. Mais do que isso, a própria inação, a falta de exercícios, poderia, em tese, ser passível de correção “benevolente” por parte do Estado. Não duvido que haja teimosos que ainda digam: “Tudo bem, que punamos as pessoas pelos detalhes mais microscópicos de sua conduta, se isso traz algum prejuízo para a saúde pública”. Para estes, além da disposição ao autoritarismo, ainda não está aflorada aquela consciência cidadã de que a saúde pública não é uma benesse, que pagamos caro por ela (mais do que recebemos, estejam certos) e que não pode ser reconhecido no Estado, em razão da prestação de um serviço, o direito de interferir em nossas escolhas privadas, sem danos diretos e objetivos a terceiros e de tutelar nossos corpos.

Para não admitir essas consequências intragáveis (que são lógicas, ainda que nunca venham a se materializar), resta tolher as restrições na raiz. Significa isso que o Estado deve simplesmente ignorar essas condutas e se abster de fazer algo a respeito, mesmo em se tratando de doenças com grande impacto? Absolutamente não. Há um leque de opções de respostas que o Estado pode dar para problemas de saúde, causados ou não por consumo de drogas, dentre os quais acredito que os nudges sejam a melhor opção. Com a adoção dos nudges, usa-se a chamada arquitetura de escolha para influenciar a melhor tomada de decisão (não usar drogas, fazer exercícios, ter uma dieta balanceada etc), sem, contudo, violar o poder de escolha do cidadão. O ponto é que dentre as respostas não deve (ou não deveria) figurar a criminalização e ninguém deveria ser punido por fazer escolhas ruins ou por fazer mal a si mesmo.

Mas os usuários de drogas devem sofrer algum tipo de consequência”, dirão outros tantos. Bom, para além do fato de que tal argumento é próprio de quem continua a presumir que tem poder de tutelar o corpo alheio, invocando o Estado como seu procurador, há o equívoco de pensar que o uso de drogas é um ato sem consequências naturais e digno de consequências artificiais/legais. Não são, como vimos, os problemas de saúde lembrados sempre quando tratamos do tema drogas? Não se diz sempre o quão isso pode ser prejudicial para os usuários e que, para além de custar sua saúde, pode mesmo custar outras coisas mais, como relações e trabalho? Não são essas possíveis consequências derivadas naturalmente do uso de drogas? E já não é a potencialidade da ocorrência natural de tudo isso consequência suficiente? Você decide consumir uma quantidade de açúcar absurda todos os dias por anos, fica diabético e acaba tendo uma perna amputada. Não é isso uma consequência da imprudência no consumo de açúcar? Você bebe uma garrafa de vinho todos os dias por muito tempo e destrói seu fígado. Não é essa uma consequência do consumo abusivo de álcool? Você fuma maconha todos os dias a ponto de reduzir consideravelmente sua cognição e memória. Não é essa uma inquestionável consequência? Ora, parte fundamental da liberdade é permitir que as pessoas, guardado que não causem danos (diretos e objetivos) a terceiros, tenham liberdade de ação e colham os bônus e ônus de suas ações.

Temos então outro argumento, o de que o consumo de drogas causa danos às famílias dos usuários, de onde se derivaria a necessidade de criminalização do consumo. Ora, esse argumento, apesar do apelo, é desastroso. Além disso, há uma contradição a ser contemplada: pululam a quantidade de “conservadores” que usam esse argumento. Mas, ora, não parece sempre lógico e sensato que conservadores (mas não só eles, claro) defendam a autonomia da instituição da família e a limitação da ingerência estatal nesse âmbito? Pois o que esse argumento faz é trazer o poder de polícia para dentro do ambiente familiar e presumir que a disciplina judicial deverá cumprir a função previamente falha da disciplina parental. Há pais que acreditam que é o colégio militar que deve “consertar” o filho rebelde e há pais que acreditam que o medo da reprimenda policial deve ser o fator preponderante de dissuasão para que seus filhos não usem drogas. Enxergar as coisas dessa forma significa estabelecer já na família, a instituição mais importante de todas, o desenvolvimento de uma relação maléfica com o Estado, em que este último se põe, desde o berço, em posição sobranceira, mesmo diante de condutas privadas.

Mas há filhos drogados que aterrorizam, roubam e até mesmo agridem seus pais”. Claro que há, e para isso existe, já delimitada em lei, a possibilidade de internação compulsória com anuência da família — sem prejuízo de consequências penais diante do cometimento de crimes. Aliás, quando digo que os usuários não devem sofrer consequências penais por seu uso, como creio que ficou bastante claro até aqui, estou me referindo à ausência de danos diretos e objetivos a terceiros. A internação compulsória, é claro, é um extremo, mas, em situações extremas, pode-se recorrer a ela. Claro, mesmo que o usuário não esteja causando danos a terceiros, mas esteja viciado a tal ponto que esteja colocando sua própria vida em risco, a internação compulsória também é uma possibilidade. Ocorre que a) essa não é necessariamente uma consequência penal, b) carece de anuência da família. A conclusão aqui é que a descriminalização das drogas em nada prejudicará ou mudará para pior o estado de coisas no ambiente familiar. Pelo contrário, fica reforçado o poder da família e reduzida a ingerência disciplinadora do Estado sobre essa instituição. Já em se tratando de usuários graves em situação de rua, por exemplo, cuja família não pôde ser localizada, a lei também contempla a possibilidade de internação por iniciativa do poder público, cumprindo para isso uma série de requisitos legais e razoáveis.

Por fim, há o argumento da segurança pública: “O tráfico só existe porque o usuário compra as drogas, então devemos punir também o usuário”. O primeiro ponto é que, pelo que observo, a maioria esmagadora dos que usam esse argumento, quando falam em punição, estão falando em prisão, e muito provavelmente ignoram que usuários já não são presos apenas por serem usuários no Brasil (um grande avanço, como já disse). Outro ponto é que esse argumento permite uma inversão da atenção do poder público. Não estou dizendo que a polícia sumariamente ignoraria o traficante, caso prender usuário se tornasse possível, mas fato é que é infinitamente mais fácil prender usuário do que traficante (especialmente os grandes). Se os bons policiais seguiriam cumprindo suas funções adequadamente, isso não significa que secretários de Segurança Pública e ministros de Estado não prefeririam fazer pressão pelo caminho mais simples e que, produzindo mais números, os usariam habilmente como bons políticos que são. Podemos pensar em algo análogo: posse de armas. Não faz muito tempo que o agora ministro do STF, Flávio Dino, figurava como ministro da Justiça e Segurança Pública. Não foi ele que, em inúmeras ocasiões, mesmo diante de atentados em escolas (ainda que com armas brancas) fazia proselitismo e culpava os cidadãos que possuíam armas legais? Usava toda a retórica e manha de político para mascarar os números ruins da segurança pública sob sua gestão. Falava grosso com o cidadão, enquanto ignorava em seus reclames pela “cultura da paz” as facções criminosas. Punir o usuário permite esse mesmo tipo de espetáculo. Governos incapazes da dar respostas ao tráfico (em especial, diante das dificuldades de nossa extensa fronteira), teriam nas prisões de usuários a oportunidade para proselitismos. Mas, cumpre lembrar, usuários (em tese), já não são presos. Ora, isso torna o argumento ainda mais fraco. Alguém realmente acredita que advertências e quejandos a usuários, para além de serem agressões à autonomia individual, são uma resposta efetiva em termos de segurança pública? Os aviões com cocaína continuam chegando, mas façamos o Rivonaldo, usuário, assistir a um curso sobre os malefícios das drogas para tratar a violência reinante no país.

Para sumarizar, defendo a descriminalização de todas as drogas e que pessoas não possam ser punidas por fazerem mal a si mesmas. E quanto à legalização? Como disse na largada, as duas coisas são diversas. O tema legalização é digno de um artigo próprio, mas, de forma sucinta, direi o que penso.

Com a descriminalização, abstemo-nos de punir usuários de drogas pelo uso e somente isso. O comércio segue sendo ilegal, você é punido por vender, mas não por comprar e/ou usar. A legalização, portanto, seria, segundo meu entendimento, deixar de punir não só a compra, mas também a venda. Ora, trata-se de coisa muito mais complexa, e, se o consumo está no âmbito individual, o comércio, com todas as consequências do tráfico, está no âmbito social.

Não entrarei em questões históricas para não estender ainda mais o artigo; basta que diga que, fosse o comércio de drogas legalizado e formalizado hoje, nunca tendo sido proibido e, de repente, o Congresso decidisse criminalizá-lo, eu seria contra. Ocorre que a proibição vigora há décadas com todas as suas consequências. Mesmo que reconheçamos a chamada guerra às drogas como um erro, não dá para simplesmente permitir o comércio da noite para o dia e fingir que ele não seguiria sendo operado por criminosos habituais. Portanto, se defendo a descriminalização de todas as drogas, não defendo o mesmo para a legalização.

Para fazer sentido, a legalização não pode criar uma situação anômala na qual ninguém pode produzir ou importar a droga legalmente, mas você pode entrar num estabelecimento e comprá-la tranquilamente. A legalização não pode ser sócia do crime, seja nacional ou internacional. Por isso, creio que a legalização pode ocorrer mediante a permissão da produção da droga em território nacional, com regras claras para comercialização. Levando em conta diversos fatores, como nível de impacto social e possibilidades de produção e comércio, creio que, no momento, só é possível a legalização da maconha. Por ser uma planta, ela tem a vantagem de que, mediante regras claras, possa ser produzida e consumida em casa, muito longe das biqueiras (estas, a verdadeira porta de entrada para as demais drogas).

Sim, tratar-se-ia de permitir o comércio de algo que faz mal à saúde (tantas coisas mais também fazem e seguem legalizadas), mas colocaria totalmente no âmbito privado aquilo que hoje ainda é objeto de receita para o tráfico. Não, não sugiro isso como panaceia contra o tráfico e tampouco acho que o impactaria de forma significativa. O que sugiro é antes uma proposta de liberdade individual do que de segurança pública.

Nesse debate, a descriminalização tem prioridade. Já a legalização da maconha, dada a paranoia legislativa que segue permitindo que aqueles que dela necessitem por razões medicinais tenham que pagar fortunas e mesmo entrar na justiça para conseguir a importação, deve ter como prioridade a produção em território nacional para fins medicinais, com a extensão posterior disso para o comércio e plantio particular para fins recreativos. As razões para que isso ainda não tenha sido feito, estou convencido, são de natureza muito mais moralista, ainda que escoradas nos argumentos que esmiuçamos aqui. Para finalizar, como sei que, a despeito dos meus esforços argumentativos não faltarão os que me acusarão de fazer apologia às drogas, deixo minhas sugestões: não use drogas, beba com parcimônia (caso beba), tenha uma dieta balanceada, se exercite pelo menos três vezes por semana e não se esqueça de exercitar também a mente.

Fonte:

https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11343.htm

https://g1.globo.com/saude/noticia/2023/06/25/pressao-alta-atinge-mais-de-30-milhoes-de-brasileiros-e-mortes-aumentam-72percent-em-10-anos.ghtml

https://www.em.com.br/app/noticia/saude-e-bem-viver/2023/04/24/interna_bem_viver,1485224/silenciosa-pressao-alta-e-uma-das-principais-causas-de-morte-no-brasil.shtml

https://www.tjes.jus.br/pleno-do-tjes-decide-que-lei-que-proibe-saleiros-em-mesas-de-bares-e-restaurantes-do-estado-e-inconstitucional/

https://bvsms.saude.gov.br/26-6-dia-nacional-do-diabetes-4/

https://olhardigital.com.br/2023/11/21/medicina-e-saude/brasil-mais-de-10-da-populacao-tem-diabetes-revela-pesquisa/

https://oglobo.globo.com/saude/noticia/2023/11/14/diabetes-e-responsavel-por-mais-de-28-amputacoes-por-dia-no-brasil-entenda.ghtml

https://cisa.org.br/pesquisa/artigos-cientificos/artigo/item/442-novos-dados-do-ministerio-da-saude-mostram-consumo-abusivo-e-beber-e-dirigir-no-brasil-em-2023#:~:text=O%20novo%20relat%C3%B3rio%20Vigitel%202023,8%25%20entre%202021%20e%202023.

https://cisa.org.br/pesquisa/artigos-cientificos/artigo/item/53-alcoolismo-10-danos-a-saude

https://portal.fiocruz.br/noticia/pesquisa-revela-dados-sobre-o-consumo-de-drogas-no-brasil

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Gabriel Wilhelms

Gabriel Wilhelms

Graduado em Música e Economia, atua como articulista político nas horas vagas. Atuou como colunista do Jornal em Foco de 2017 a meados de 2019. Colunista do Instituto Liberal desde agosto de 2019.

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