Interações econômicas e paternalismo libertário

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Quem já leu ou tem o hábito de ler livros de economia, em especial os famosos manuais produzidos principalmente para o ambiente acadêmico, já se deparou com os chamados modelos econômicos, em que os agentes são tratados como maximizadores de utilidade. Tais modelos são importantes e servem principalmente como uma primeira aproximação da realidade ou problema estudado. Porém, uma crítica que pode ser e tem sido feita a estes modelos é que é um erro levá-los sempre ao pé da letra, já que não só os agentes não atuam sempre como maximizadores de utilidade como muitas vezes tomam decisões que vão flagrantemente na contramão do que seria um comportamento considerado “racional”. Diante da inadequação que seria levar os modelos — que, reitero, são importantes — às últimas consequências e enxergar as interações econômicas por um prisma puramente matemático e utilitarista, surge a necessidade de a economia buscar contribuições de outras áreas, dentre as quais se destaca a psicologia. É das contribuições da psicologia comportamental que surge a chamada economia comportamental.

Ao comentar a miríade de casos nos quais as pessoas, agindo no mundo real, se afastam do que seria predito pelos modelos econômicos, Richard H. Thaler, Nobel de Economia e um dos nomes mais importantes deste campo diz, em livre tradução: “Nunca foi meu objetivo dizer que há algo errado com as pessoas; nós somos apenas seres humanos —homo sapiens. Ao invés disso, o problema está com o modelo sendo usado pelos economistas, um modelo que substitui o homo sapiens por uma criatura fictícia chamada homo economicus (…)”.

Em Nudge: Improving Decisions About Health, Wealth, and Happiness, Thaler e Cass R. Sunstein — jurista americano e outro importante nome da economia comportamental — defendem um conceito que à primeira vista soa como um oximoro: paternalismo libertário. De fato, a ideia inicial era que o termo fosse o título do livro, mas no fim optou-se por nudge, que não tem uma equivalência exata no português, mas que pode ser entendido com o mesmo sentido de “empurrãozinho”. Nesse sentido, um nudge significa adotar determinada estratégia para estimular alguém a agir de uma certa maneira, sem, no entanto, se valer de coerção e sem que deixem de existir escolhas alternativas. Você seria estimulado, mas não obrigado a agir de determinada forma. Nas palavras dos autores, um nudge “é qualquer aspecto da arquitetura da escolha que altera o comportamento das pessoas de uma forma previsível sem proibir nenhuma opção ou mudar significantemente seus incentivos econômicos”.

Mas a mera pretensão de influenciar o comportamento alheio pode parecer indefensável para muitos. Como conciliar posições tão antagônicas? Falando do aspecto libertário de suas estratégias (tenham em mente que libertário nos EUA muitas vezes é tomado com o mesmo sentido que liberal tem no Brasil), Thaler e Sunstein chegam a parafrasear Milton Friedman e são categóricos ao dizer que as pessoas devem ser “livres para escolher”. Quanto ao aspecto paternalista, eles veem como legítimo que “arquitetos da escolha tentem influenciar o comportamento das pessoas para tornar suas vidas mais longas, saudáveis e melhores.”

Nesse ponto, uma réplica legítima poderia ser que a mera declaração de um aspecto libertário não basta para justificar o paternalismo pretendido, e que os indivíduos, de forma geral, tendem sempre a tomar as melhores decisões para satisfazer a seus interesses, não necessitando de arquitetos da escolha. Cumpre, então, antes de adentrar no que os autores propõem de forma prática, se debruçar brevemente sobre o que motivou suas propostas em primeiro lugar, isto é, um desafio à ideia de que as pessoas sempre agem como maximizadoras da utilidade.

Os primeiros capítulos de Nudge: Improving Decisions About Health, Wealth, and Happiness são dedicados a apontar diferentes vieses que podem levar os agentes a agirem de forma avessa ao que se esperaria de um homo economicus. Falarei sobre alguns.

Com o chamado viés da disponibilidade, ou heurística da disponibilidade, as pessoas avaliam os riscos, ou a probabilidade de sua ocorrência, com base nos exemplos mais familiares que vêm à sua mente. Após a ocorrência de um atentado terrorista, como o 11 de setembro, por exemplo, as pessoas tendem a ver a possibilidade um novo atentado como um risco maior do que coisas mais triviais e menos familiares, que, no, entanto representam um risco maior. Um exemplo prático desse viés é quando, após uma tragédia natural, as pessoas decidem comprar seguros contra desastres, para que, no entanto, a compra de seguros se reduza à medida que a memória da tragédia vai perdendo força.

Sendo a capacidade de sopesar riscos algo fundamental na tomada de decisão, podemos pensar nas consequências de se equivocar na mensuração dos riscos: “Ou suponha que as pessoas pensem erroneamente que alguns riscos (um acidente nuclear) são altos, enquanto outros (um derrame) são relativamente baixos. Tais equívocos podem afetar as políticas, porque os governos tendem a alocar seus recursos de uma forma que se ajuste aos medos das pessoas ao invés de em resposta ao perigo mais provável”.

Outro viés, ou heurística, é o otimismo ou a autoconfiança excessiva. Quando as pessoas superestimam sua imunidade a situações de risco, isto é, quando praticam um otimismo irreal, elas tendem a falhar em adotar medidas preventivas adequadas. Encontramos exemplos em idosos subestimando “a probabilidade de se envolverem em um acidente de carro”, ou fumantes que acreditam ser menos propensos a “ser diagnosticados com câncer de pulmão e doenças cardíacas do que não fumantes”.

A ancoragem é outra heurística com potencial para distorcer nossa leitura da realidade. Ela acontece quando as pessoas se baseiam em um valor específico para fazer a estimativa de algo, ainda que esse valor não tenha relevância alguma para a estimativa pretendida. Para ilustrar, pensemos nesse exemplo fornecido for Daniel Kahneman (também Nobel da Economia): “Se lhe perguntassem se Gandhi tinha mais do que 114 anos quando morreu, você acabaria com uma estimativa muito mais elevada da idade da morte dele do que teria se a pergunta de ancoragem se referisse à morte com 35 anos”. Kahneman sugere uma possível aplicação do efeito de ancoragem em um problema de política pública: indenizações em casos de danos morais. Setores que costumam ser alvos desse tipo de processo, a exemplo de hospitais e indústrias químicas, fariam lobby para impor um teto às indenizações pagas. As consequências não são tão óbvias assim. Imaginemos um teto de indenizações fixado em um milhão de dólares, por exemplo. Tal teto “eliminaria todas as indenizações maiores, mas a âncora também jogaria para cima o valor de muitas indenizações que de outro modo seriam bem menores. Isso quase certamente beneficiaria muito mais os acusados de crimes graves e as grandes empresas do que o oposto”.

Em face destes e outros vieses, Thaler e Sunstein propõem a adoção de nudges por diferentes instituições e na formulação de políticas públicas. Para além de sugestões, eles também recheiam o livro com exemplos de casos em que os nudges foram aplicados. Pensemos em uma aplicação no trânsito. Uma estrada de Chicago (Lake Shore Drive) possui trechos com curvas muito perigosas, em formato de S. Como muitos motoristas desconsideravam a necessidade de reduzir a velocidade nestas curvas, a cidade adotou uma nova estratégia. Ao ver o sinal sobre o limite de velocidade, os motoristas começaram também a ver listras brancas pintadas na estrada. À medida que os motoristas se aproximam da parte mais perigosa da via, as listras vão se tornando cada vez menos espaçadas, dando uma sensação de aumento da velocidade e induzindo os motoristas a reduzirem a velocidade.

É possível também tentar direcionar um viés que comumente serve a um mal propósito para um fim mais socialmente desejável. A “ignorância pluralística”, isto é, “ignorância da parte de todos ou da maioria sobre o que outras pessoas pensam”, ajuda a explicar o fato de adotarmos uma prática ou seguirmos uma tradição, não por que gostamos dela, mas acreditando que a maior parte das pessoas a apoia. A adesão de pessoas vivendo sob o socialismo na extinta URSS ao regime comunista tem a ver com elas não estarem cientes do quanto outras pessoas ao redor do mundo desprezavam a ditadura soviética. Ao invés de usar essa conformidade social em benefício de uma ditadura, que tal direcioná-la à redução do lixo em vias públicas? Frustrado com a falha de suas campanhas publicitárias em convencer as pessoas a não jogarem lixo no chão, o governo do Texas decidiu apelar ao orgulho texano. Tentando conversar com uma audiência que lhes parecia indiferente, convidou jogadores do Dallas Cowboys (famoso time de futebol americano do Texas) a participarem de campanhas televisivas em que apareciam recolhendo lixo das ruas e repetindo o sloganDon’t mess with Texas!” (Não se meta com o Texas!). O slogan se tornou tão conhecido que em 2006 foi eleito o slogan favorito do país.

De acordo com um estudo realizado em San Marcos, Califórnia, nudges “sociais” também ajudam a reduzir o consumo de energia. As trezentas famílias participantes do estudo foram informadas acerca de seu consumo de energia nas semanas anteriores, assim como a média de consumo nas residências vizinhas. Nas semanas subsequentes, observou-se que os usuários que consumiam energia acima da média reduziram seu consumo, ao passo que aqueles que consumiam abaixo da média aumentaram seu consumo. Uma lição a ser tirada disso é que, se o objetivo é produzir comportamentos mais socialmente desejáveis nas pessoas, “nunca deixe que elas saibam que suas ações atuais são melhores do que a norma social”; mas essa ainda não é a parte mais interessante do estudo. Metade das residências do estudo receberam “emoticons” com feedbacks do seu consumo. Aqueles lares que consumiam mais que a norma recebiam uma carinha triste e os que consumiam menos recebiam uma carinha feliz. Observou-se que os usuários que recebiam carinhas tristes reduziam ainda mais seu consumo; já quando os usuários que consumiam abaixo da média recebiam a carinha feliz, o efeito bumerangue desaparecia, isto é, eles não mais aumentavam seu consumo, acreditando haver “espaço” para isso, já que estavam consumindo abaixo da média, mantendo, ao invés disso, seu consumo baixo ao receber a carinha feliz, um nudge emocional.

Com o desiderato de prover às pessoas melhores informações para subsidiar seu processo de tomada de decisão, Thaler e Sunstein advogam um tipo brando de regulamentação estatal chamado Recap: Record, Evaluate and Compare Alternative Prices (Registre, Avalie e Compare Preços Alternativos). Tomemos o caso do setor de telecomunicações. O governo não regularia de forma alguma o preço que as empresas desse setor cobram por seus serviços, mas demandaria que elas dessem ampla publicidade de forma inteligível às suas tarifas, incluindo as fórmulas utilizadas na formulação dos preços, produzindo também um relatório anual e individualizado para cada cliente detalhando seu uso do serviço durante o ano, bem como as taxas cobradas. Seria uma política com custo baixo para as empresas, mas que ajudaria os clientes a compararem melhor os preços e tarifas com os dos concorrentes. O mesmo poderia ser aplicado a empresas de cartões de crédito, hipotecas, etc.

A adoção de uma política de Recap poderia ser especialmente oportuna para o setor de saúde, com empresas de plano de saúde sengo obrigadas a divulgar de forma transparente seus preços e taxas, além de também produzir relatórios para seus clientes. A ideia é que isso pudesse melhorar a competição em um setor célebre por seus preços elevados.

Nudges também são possíveis na adesão a fundos de pensão (lembrem que nos EUA a aposentadoria privada chega a ser muito mais relevante do que a estatal). Há evidências de que a adesão automática a fundos de pensão (casos os funcionários não manifestem sua vontade de não aderir, preenchendo um formulário para tal) aumenta dramaticamente a adesão.

Após aderir a um determinado plano de aposentadoria, no entanto, os funcionários tendem a manter a taxa de contribuição padrão. Como resposta a isso, sugere-se um programa chamado Save More Tomorrow (Economize Mais Amanhã), em que os participantes se comprometem a aumentar automaticamente sua contribuição sempre que receberem um aumento de salário. Tendo sido provado bem-sucedido, o Save More Tomorrow hoje está disponível em milhares de planos de aposentadoria nos EUA.

Evidentemente, diversas outras aplicações de nudges, além das citadas, são possíveis. As contribuições da psicologia à luz das evidências são importantes não só na economia, mas também em outras áreas do conhecimento. Acredito que a economia comportamental tende a deixar de ser vista como um campo marginal das ciências econômicas no futuro e passará a ser incorporada cada vez mais na chamada economia mainstream. Enxergar a relevância do comportamento humano para a economia, é claro, não implica aderir aos nudges. O que eu penso, então, do paternalismo libertário sugerido por Thaler e Sunstein?

Minha primeira reação ao ter contato com o termo foi, como acredito que tenha sido a de muitos leitores, torcer o nariz, não tanto pelo fato de soar como um oxímoro, fato logo reconhecido e respondido pelos autores, mas por uma natural aversão liberal a tudo que se intitule paternalismo. Mesmo após deixarem claro que o que propunham era influenciar, mas não determinar o comportamento das pessoas e que a liberdade de escolha deve estar resguardada, ainda mantive uma certa resistência, afinal, a mera decisão de influenciar o comportamento implica crer ter o direito de fazê-lo e uma ação positiva do Estado, indo além do papel negativo a ele prescrito em suas funções clássicas. Alguns fatores, no entanto, me fizeram ver os nudges de uma forma mais simpática.

Antes de tudo, não estamos partindo de um cenário com zero paternalismo. Em maior ou menor escala, diferentes governos, em diferentes países, influenciados por diferentes formuladores de política públicas, adotam políticas mais ou menos paternalistas, muitas vezes de forma flagrantemente coercitiva. Políticos se reúnem com frequência para debater formas de fazer as pessoas abandonarem hábitos tidos como nocivos (fumar ou usar drogas, por exemplo), culminando quase sempre em proibições e em incursões, na maior parte das vezes indevidas, na vida privada. Diante disso, os nudges podem ser vistos como uma alternativa não apenas menos coercitiva, mas totalmente não coercitiva.

Podemos, é claro, discutir a pertinência de formuladores de políticas influenciar nosso comportamento, ainda que sem coerção, mas, sendo politicamente pragmáticos e reconhecendo o fato de que as incursões na vida privada pelo “nosso bem” não dão sinais de diminuir no futuro próximo, os nudges podem ser vistos como uma alternativa preferível. Numa ponta, satisfariam à ideia de que “algo está sendo feito” diante de certos problemas. Na outra, preservariam a liberdade de escolha e eliminariam o sentimento de que o Estado está te tratando como uma criança (é verdade que uma carinha triste na sua conta de energia pode soar como infantilização, mas fato é que ninguém vai te colocar de castigo se você não reagir ao emoticon).

O paternalismo libertário poderia substituir regulamentações mais ostensivas e coercitivas. Um programa que apele ao orgulho estadual no combate ao lixo nas ruas pode ser menos antipático ao público do que a opção que primeiro vem à mente: multar quem joga lixo no chão. Como políticas públicas, os nudges também tendem a ser muito mais baratos do que as alternativas usualmente utilizadas, que podem envolver um dispêndio muito alto em fiscalização e policiamento.

Há, contudo, um foco de preocupação. Se usar os nudges para substituir políticas já empreendidas e em áreas onde hajam problemas reconhecidos pode ser algo virtuoso, é preciso ter cautela para que não sejam usados indiscriminadamente em toda e qualquer situação, ainda que não visem resolver problemas com grandes repercussões sociais. Estamos falando de usar as evidências da psicologia humana para influenciar o comportamento das pessoas e direcioná-las a um fim específico. Isso tanto pode ser usado para fins laudatórios como para fins maléficos.

Claro que creio, e suspeito que Thaler e Sunstein concordariam com isso, que essa possibilidade — usar os nudges para fins espúrios — decresce em proporção inversa ao nível de liberdade de uma sociedade. A confiança que eles têm no poder da partícula “libertário” em moderar o “paternalismo” é tão grande que eles acreditam que sua proposta pode subsidiar políticas que — no contexto da política americana — encontrem a adesão tanto de democratas quanto republicanos em áreas em que normalmente esses dois partidos estariam em campos opostos. Eles sinalizam também um possível caminho para um governo menor: “Em diversos campos, incluindo proteção ambiental, direito familiar, escolha da escola, argumentaremos que melhor governança requer menos coerção e restrições do governo e mais liberdade de escolha. Se incentivos e nudges substituírem exigências e proibições, o governo será ao mesmo tempo menor e mais modesto. Então, para deixar claro: não defendemos um governo maior, apenas melhor governança”.

Fontes:

Misbehaving: The Making of Behavioral Economics — Richard H. Thaler

Nudge: Improving Decisions About Health, Wealth, and Happiness — Richard H. Thaler, Cass R. Sunstein.

Rápido e devagar: Duas formas de pensar — Daniel Kahneman

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Gabriel Wilhelms

Gabriel Wilhelms

Graduado em Música e Economia, atua como articulista político nas horas vagas. Atuou como colunista do Jornal em Foco de 2017 a meados de 2019. Colunista do Instituto Liberal desde agosto de 2019.

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