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Falácias sobre a crise de 2008

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A crise financeira de 2008 foi um evento chave na economia do século XXI que abalou diversos países e acelerou a crise da ordem liberal internacional. Contudo, o que é sempre reproduzido por alguns acadêmicos, sobretudo em países subdesenvolvidos, como o Brasil, é que a crise de 2008 só existiu por conta de uma enorme desregulamentação do sistema financeiro e, sobretudo, por conta do neoliberalismo.

Introdução:

Para analisarmos a crise de 2008, temos que voltar um pouco no tempo e identificar alguns problemas que ajudaram no desencadeamento desse acontecimento econômico. A década de 1990 foi um período da história humana em que houve mais otimismo na parte ocidental do globo. Com o fim do autoritarismo soviético, a ordem internacional liberal pôde florescer cada vez mais através da globalização, do espalhamento dos ideais democráticos e de um modelo de economia de mercado liberal. No entanto, este também foi um período de grandes bolhas financeiras, sobretudo em países que despontavam como possíveis potências junto aos EUA. No início dessa década, houve uma bolha financeira no Japão que, sobretudo, se deu dentro do mercado imobiliário do país. Houve uma grande expansão da oferta de imóveis, o que fortaleceu a especulação desses bens. Isso só foi possível graças a um aumento do crédito disponível para os atores privados, que aproveitaram esse momento para expandir seus negócios. No entanto, enquanto a oferta era elástica, a demanda era inelástica, o que acabou culminando numa queda nas aquisições de imóveis e em perda de capital por parte dos empreendimentos imobiliários, além de uma forte inadimplência, o que prejudicou o consumo, a produção e a geração de emprego e renda no país asiático, colocando fim a uma grande geração de crescimento econômico desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Este fato econômico foi descrito pelos japoneses como “a década perdida”, uma vez que o país demorou a se recuperar do tombo econômico que levou; mas peço ao leitor que guarde bem esse fato ocorrido no Japão, pois mais tarde falaremos sobre outra bolha imobiliária que prejudicou outro país muito importante para o cenário econômico mundial.

Ainda dentro do livro Economia das Crises, Roubini também argumenta sobre a bolha no mercado tecnológica ocorrida na metade da década de 1990, nos EUA. O mercado tecnológico teve o seu boom através do setor “ponto com”, ou seja, de produtos que envolviam a internet e a produção de computadores. Essa era uma tendência vista com bons olhos por investidores, que injetaram enormes quantias de dinheiro em empresas desse ramo. Houve, com isso, uma expansão da oferta, enquanto a demanda não conseguiu acompanhar esse crescimento da produção. O clima também estava favorável à produção. Assim como no Japão, o crédito também foi facilitado e o FED (Federal Reserve – Banco Central dos EUA) decretou que a taxa de juros ficasse na casa de 1%. Dinheiro barato, fácil e com uma enorme gama de investidores eufóricos: claro que isso só poderia acabar numa crise econômica.

Em 2001, os EUA, além de terem sofrido com os ataques terroristas do 11 de setembro e mudado para uma forma mais radicalizada sua atuação na política externa, também enfrentaram uma recessão, justamente porque, para conter a inflação e a crise econômica, o FED elevou a taxa de juros para o patamar de 5,5%, o que gerou queda no consumo, na produção e aumento no desemprego. Roubini faz um claro apontamento no sentido de que, entre o período da década de 1980 e a crise de 2008, faltou uma política anticíclica, ou seja, uma política econômica que combatesse os efeitos da crise antes de haver um cataclisma na economia. Essa falta de uma política anticíclica foi corroborada por setores do mercado financeiro que visavam à expansão de seus negócios. Uma política anticíclica poderia afetar esses negócios através de, por exemplo, uma elevação na taxa de juros ou uma dificultação do acesso ao crédito. Outros setores, mais dogmáticos da ciência econômica, chamados pelo autor de “fundamentalistas de livre mercado”, também foram responsáveis pela inércia dos governos no combate às crises.

A grande crise:

Como desgraça pouca é bobagem, como já dizia um ditado popular, um novo boom estava sendo gestado em solo norte-americano. Roubini conta como o setor imobiliário foi crucial para a grande crise de 2008. Tudo começa com a recuperação econômica norte-americana, que outrora sofria com uma recessão em 2001. O FED, sob a gestão de Alan Greenspan, visando a alargar a retomada econômica do país, fez a taxa de juros voltar para patamares mais baixos, assim como fora durante a década de 1990. Com isso, o crédito também ficou mais barato e acessível. Também devido à inércia das entidades governamentais em melhorar a regulação do mercado de crédito, os investidores do setor imobiliário decidiram expandir a produção de imóveis no país.

O mercado imobiliário se aqueceu de tal forma que até mesmo pessoas que não residiam nos EUA compraram imóveis. Dentro do mercado interno, isso foi ainda maior – pessoas comprando casas e a produção crescendo mais do que as pessoas poderiam comprar, ignorando um conceito claro de equilíbrio entre a oferta e a demanda. No final de 2007, a bolha imobiliária estourou, o mercado imobiliário havia realizado uma superprodução, casas viraram ativos extremamente desvalorizados e pessoas que haviam comprado casas não conseguiam pagar a hipoteca, ou seja, a expansão de crédito feita para a compra dessas casas acabou se transformando em enormes dividas e rombos bilionários em bancos. Isso foi tão impactante que um dos bancos mais importantes na questão hipotecária, o Lehman Brothers, declarou falência em 2008 devido à falta de pagamento das hipotecas. Somado a isso, o governo neoconservador de George H. Bush expandiu sua base fiscal com gastos militares na sua cruzada contra o “terror”, além de não fazer ajustes neste setor e ainda cortar alguns impostos de forma completamente populista e irresponsável. Todo esse cenário contribuiu significativamente para a grande crise de 2008, que não afetou apenas os EUA, mas também outros países, sobretudo os europeus.

Para a contenção dessa crise, ainda em 2007, o FED, dessa vez sob a gestão do economista Ben Bernanke, buscou dar liquidez ao setor financeiro abalado pela crise, a fim de recuperá-lo e não deixar que os ativos desse setor se desvalorizassem ainda mais. Isso também, me parece, que foi uma lição aprendida pelos economistas norte-americanos, visto que, durante a crise de 1929, uma política contracíclica foi o que vigorou, fazendo com que o setor financeiro não tivesse um apoio antecipado vindo do governo. Bernanke, em 2009, foi reconhecido como personalidade do ano pela revista Time após seu grande trabalho e, mais recentemente, em 2022, foi agraciado com o Prêmio Nobel de Economia. Como Roubini diz em seu livro, “a história econômica talvez seja mais importante do que os próprios conceitos econômicos aprendidos nos cursos de economia”. Isso é tão verdadeiro que, durante o período entre guerras, os intelectuais da Escola de Friburgo diziam o mesmo, principalmente o economista alemão Wilhelm Röpke, através de seu livro Crises e Ciclos, ressaltando a importância da observação dos fatos econômicos que desencadeiam os booms e terminam em depressões.  Como o próprio Röpke afirma, todo boom começa com uma política expansionista num ciclo econômico que requer mais atenção, como, por exemplo, o inflacionário.

Conclusão:

Portanto, através deste artigo e das percepções de Nouriel Roubini, podemos constatar que não houve qualquer indicativo de uma desregulamentação ou de um neoliberalismo que ajudou na formação da crise de 2008. O que houve foi uma ineficiência dos setores governamentais, uma resistência de setores corporativistas a medidas mais duras por parte do governo e a não observação da história econômica. Isso, de fato, contribuiu para a formação de bolhas econômicas que, posteriormente, terminaram em crises dentro de diversos países.

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Kayque Lazzarini

Kayque Lazzarini

Estudou ciências econômicas na FECAP e atualmente é estudante de relações internacionais na FECAP.

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