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Movimento(s) em ordem

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Quando as chuvas começaram, na terça-feira, dia 30 de Abril, ninguém sabia o que aconteceria. O que parecia, inicialmente mais uma tradicional semana chuvosa se tornou um desastre histórico, causando enchentes e destruições em mais de 330 cidades, afetando diretamente mais de 2 milhões de pessoas e indiretamente todo o Rio Grande do Sul através dos impactos econômicos, de saúde, estruturais e logísticos.

Para os atingidos, quando das notícias dos deslizamentos e enchentes, preocupava-se inicialmente em garantir a própria segurança e, subsequentemente, salvar as vidas em risco. Situações extremas exigem medidas extremas, dizem os governantes – basicamente um salvo conduto para centralizar ainda mais o poder, controlar as ações e os recursos. Uma oportunidade de ouro para tomar o protagonismo, para se promover e capitalizar politicamente.

Cada vez mais, porém, a bala de prata se torna um tiro no pé. A exposição da incompetência cria contextos desfavoráveis politicamente, obrigando o governo a entrar em uma guerra de narrativas para salvar a sua imagem, mais do que agir na tragédia.

O que os governantes não se dão conta é que a ineficiência e a incompetência do estado, camufladas no cotidiano em tempos normais, tornam-se latentes em situações extremas – não necessariamente vinculadas a um ou outro grupo político específico, mas inerente à forma e ao modelo de governança praticado.

Enquanto o governo trabalha pela sua imagem, o que vemos, de fato, são iniciativas voluntárias partindo da sociedade civil, individuais ou em grupo, não sujeitas aos desmandos estatais, comprometidas em resolver, através de ações estratégicas e práticas, de doações, de acolhimento e de logística, as demandas das regiões e da população atingida.

A falta ou a ineficiência de um poder centralizado coordenador não é o caos. É da própria sociedade civil que emerge a ordem espontânea – o entendimento de que as necessidades são identificadas pelos indivíduos e supridas pela livre iniciativa, como demonstrou F. A. Hayek há mais de 50 anos. Seja através da oferta de produtos e serviços ou pelo voluntariado em situações específicas, a ordem espontânea é resultado da ação das pessoas, e não do seu planejamento.

A palavra ordem tem, neste caso, dois sentidos: o primeiro referente a ordenação, organização, “fluidez”, no que se refere a como as ações se encaixam, se complementam no desenvolvimento das soluções inerentes a cada situação, de forma orgânica.

O segundo, no sentido de determinação, mas, nesse caso, de uma determinação emergente, de baixo para cima, onde os indivíduos que sofrem ou estão próximos do problema ordenam – ou demandam – o que necessitam a ser ofertado por quem pode, de forma cooperativa e voluntária. Ordem que não vem de apenas uma cabeça, mas de múltiplas, espalhadas, em um sistema semelhante ao “pull” da metodologia LEAN, de produção e logística, onde tanto a alocação de recursos quanto a realização das atividades se dão pela existência de demanda específica, ou seja, é aquela atividade ou aquele problema que vai reivindicar os recursos e trabalho necessários para tal e não uma ordem superior.

Este entendimento está exemplificado na obra Eu, o Lápis, do Leonardo Read, onde o autor demonstra que ninguém no mundo tem capacidade, conhecimento e recursos, sozinho, para produzir nem mesmo um simples lápis; mas, através de cooperação, sem necessariamente uma intenção coletiva, mas através da ordem espontânea, a combinação dos recursos e do trabalho das pessoas acaba por produz o lápis – e tudo o mais que consumimos. É a regra mais básica da economia – para cada demanda, nascem uma oferta e uma oportunidade.

Quais as principais ameaças à eficiência da ordem espontânea? A regulamentação e a cooptação.

Em relação à regulamentação, Ayn Rand nos ensinou que, “quando você perceber que, para produzir, precisa obter a autorização de quem não produz nada (…) e que as leis não nos protegem deles, mas, pelo contrário, são eles que estão protegidos de você (…), então poderá afirmar, sem temor de errar, que sua sociedade está condenada”, ou, nesse caso, a ordem espontânea encontrará barreiras regulamentares, desestimulando e cerceando a liberdade das pessoas de suprir tais demandas, e potencialmente não mais conseguindo cumprir o seu papel.

Mesmo que a ordem espontânea supere os entraves regulamentares e supra as demandas, alcançando os objetivos de forma orgânica e contínua, ainda assim, ela não está a salvo.

Lord Acton nos ensinou que o poder corrompe, o poder absoluto corrompe absolutamente. Assim que a ordem espontânea, emergindo naturalmente de uma determinada demanda, logra sucesso, aqueles do poder buscam cooptar este sucesso para si, assumindo uma autoria e protagonismo desmerecidos, quebrando as cadeias de cooperação e potencialmente a efetividade da ordem espontânea.

É fácil se colocar no lugar dos políticos. Eles se sentem responsáveis: não pela tragédia, mas pelo socorro, pela reparação, pela tutela do povo. Assim, assumem possuir uma superioridade intelectual a ponto de, aliado ao poder, entenderem ser mais do que honesto e necessário o controle das ações, dos recursos, da informação. Nada mais é que arrogância.

Por outro lado, a ordem espontânea emerge da humildade intelectual: sabe-se que o conhecimento está espalhado pela sociedade, e ninguém específico, por mais letrado que seja, assume o controle deliberado, mas todos percebem, através das demandas, o que fazer, em um processo de tentativa e erro e aprendizado que cria ofertas e soluções que eventualmente suprem as necessidades de todos.

A ordem espontânea que estamos testemunhando emergir da tragédia no Rio Grande do Sul não é apenas eficiente (no sentido de otimizar recursos); ela é prolífica, ou seja, espalhada, em grande quantidade, de forma independente e decentralizada. Grupos em iniciativas livres de ordem espontânea se unem intencionalmente a fim de potencializar os esforços e ganhar eficiência, apartados do poder coercitivo do governo.

É preciso trabalhar para salvar as pessoas e reestruturar as cidades, mas, acima de tudo, é preciso proteger a ferramenta que faz isso possível: as liberdade catalizadoras da ordem espontânea.

*Felipe Masotti é engenheiro civil, mestre em gestão de negócios internacionais e diretor do IFL Gramado/RS.

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