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A sacralização da “censura do bem”

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Há poucos meses, eu comentava aqui que a aprovação do que muito apropriadamente foi apelidado de “lei anti piadas” equivalia a uma criminalização do humor. Há poucos dias, assistimos horrorizados à comprovação de que esse era mesmo o desiderato e a consequência inelutável do absurdo aprovado pela legislatura anterior e sancionada pelo governo Lula. O humorista Leo Lins não apenas foi compelido a retirar conteúdos humorísticos do seu canal no Youtube e redes sociais como foi proibido de manter esses conteúdos (nada menos que seu trabalho) salvos em seus dispositivos, de se ausentar da cidade de São Paulo por um período superior a dez dias sem autorização judicial e – a cereja do bolo – de fazer piadas em seus shows no mesmo teor das piadas censuradas, o que é equivalente para qualquer pessoa familiarizada com a lógica à censura prévia.

Dirão alguns (e não se enganem, há exemplares nos dois lados do espectro político), escandalizados com o humor de Leo Lins, que a decisão é razoável. Peço, então, singelamente, que apresentem quando, onde e como foram coagidos a consumir o conteúdo do humorista contra sua vontade própria. Não podendo comprovar que foram a isso coagidos pela pessoa do humorista, estejamos certos de que estamos diante de um caso clássico de “não gosto, logo ninguém pode assistir/consumir”. Simples assim.

“Mas o humor é ofensivo e isso estimula o preconceito”. Quem assim pensa já sucumbiu à lógica pós-moderna de que as culpas são todas coletivizadas e de que os preconceitos a serem combatidos são “estruturais”. Esta é a lógica que permite pensar que contar uma piada, cantar uma música, escrever um livro, etc, possa ser comparado a segregar ou mesmo exterminar uma minoria. É uma lógica débil, mas apelativa e defendida por gente influente (e não faltam exemplares no governo Lula) – e é por isso que o caso Leo Lins é simultaneamente um sintoma e um presságio. É um sintoma por ser mais um em uma longa lista de achaques à liberdade de expressão à qual toda a população está sujeita (não apenas humoristas, não se enganem) e que emana principalmente (mas não exclusivamente) do poder Judiciário. É um presságio, pois a mesma lógica politicamente correta que começou em discussões, às vezes patrocinadas por humoristas (de esquerda), quanto aos “limites do humor”, e evoluiu até culminar em uma legislação que impõe uma mordaça ao chamado humor negro (uma legítima forma de arte, tal como outras manifestações da comédia), não há indicativo de que parará por aí e não se expandirá para outras áreas do entretenimento e mesmo da vida privada.

A máquina da censura que está instalada e que tem operado, ainda que informalmente, no país, e que aguarda formalização do Congresso (sob ameaça de que o STF a fará por conta), como todas as máquinas de censura existentes na história, pode ser usada para os fins mais diversos. Ainda que uma coisa não exclua a outra e que possa ser usada para múltiplos fins, é sintomático que todos os militantes identitários estejam entusiasmados com a coisa e a promessa de ainda mais poder censor no futuro. Estamos em vias de ver a concretização de um dos desideratos mais nefastos do politicamente correto: a formalização, sacralização e legitimação da “censura do bem”.

Para quem ainda precisa de convencimento e vê como imediato o combate ao “discurso de ódio”, digo: apenas considere quantas coisas já integram o que a militância identitária (que tem amplo trânsito no governo e no judiciário) entende por “ódio” e quantas mais ainda entrarão na mira. A escritora britânica JK Rowling é rotineiramente chamada de transfóbica por suas críticas à ideologia queer, sem que nunca tenha atacado pessoas trans. O ministro dos Direitos Humanos equivale o capitalismo ao racismo. Há quem diga que ser contras às cotas raciais é ser racista. O mesmo TSE, que já tentou falsear a História, patrocinou uma cartilha de termos a serem abolidos do vocabulário, onde aprendemos que dizer “nega-maluca”, por exemplo, é racista. Há poucos dias, o Congresso fez o desserviço de aprovar uma lei de “igualdade salarial” entre homens e mulheres, institucionalizando a mentira de que homens e mulheres recebem salários diferentes para a mesma função e por discriminação de sexo. Opor-se a um projeto assim é o suficiente para ser taxado de misógino(a) pela militância identitária. Já tivemos o exemplo do humor. De acordo com grandes teóricos do identitarismo, rir de uma piada de travesti é o primeiro degrau em uma escala de agressões que culminará em algum momento no assassinato de um trans. No fundo, é claro, nos dizem, todos os que apreciam o humor negro são partícipes dessa “cultura do ódio” e do “genocídio” diário de minorias — uma lógica tirada de onde, pelo decoro, vou me abster de informar. E por aí vai. A “censura do bem” que se anuncia é o sonho dourado de lunáticos identitários que nunca conseguiriam impor pacificamente sua cartilha — até porque, pacificamente, não se impõe nada. Apenas lembrem-se: quando seu filho chegar em casa com a lição sobre pronomes neutros, não vá reclamar na internet, pois isso é “discurso de ódio”.

Fontes:

https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2023/05/17/justica-proibe-leo-lins-de-sair-de-sp-por-mais-de-10-dias-sem-autorizacao-judicial-por-comentarios-odiosos-contra-minorias.ghtml

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Gabriel Wilhelms

Gabriel Wilhelms

Graduado em Música e Economia, atua como articulista político nas horas vagas. Atuou como colunista do Jornal em Foco de 2017 a meados de 2019. Colunista do Instituto Liberal desde agosto de 2019.

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